Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

A necropolitica do senhor governador

Terça, 15 de fevereiro de 2022
Do Blog do Siro Darlan

Por Siro Darlan

Desde que o Senhor Cláudio Castro, um homem que se diz cristão, e no evangelho do último domingo reproduz as bem-aventuranças dos pobres, dos que têm fome, dos que choram, dos que são odiados, insultados, expulsos, amaldiçoados a todos é prometido uma recompensa. O Senhor Castro, tão logo sucedeu o governador que incentivava o “tiro na cabecinha” dos pobres e indesejáveis nada fez para mudar essa política, ao contrário, decretou a invasão do Quilombo do Jacarezinho, espaço com maior número de negros entre as comunidades do Rio.


A necropolitica do senhor governador – por Siro Darlan
Cláudio Castro e Jair Bolsonaro. (Arquivo Google)

Como afirma Aquille Mbembe, o Quilombo do jacarezinho é “A cidade do colonizado (escravizado)… é um lugar de má fama, povoado por homens de má reputação. Lá eles nascem, pouco importa onde ou como morrem lá, não importa onde ou como. É um mundo sem espaço; os homens vivem uns sobre os outros. A cidade do colonizado é uma cidade com fome, fome de pão, de carne, de sapatos, de carvão, de luz. A cidade do colonizado é uma vila agachada, uma cidade ajoelhada”.

É assim que o Senhor Castro quer subjugar esse povo do Quilombo, invadindo não com políticas públicas e dignidade, o local não possui uma única Escola Pública, e outro dia um menino franzino e tímido foi comprar pão e foi prezo acusado de vender drogas. Quanta fixação em drogas. Eles sabem que os que financiam o comércio de drogas não moram nas comunidades, mas eles não os procuram, e sim os varejistas que vendem para sobreviver num pais com 15% de desempregados.

Jean Valjean, personagem de Os Miseráveis de Victor Hugo, foi condenado a 5 anos de trabalhos forçados por haver roubado um pão. Yago foi preso por comprar um pão. E o mais incrível que ele foi solto na Audiência de Custódia com medidas cautelares. Estive com Yago (foto abaixo) e lhe perguntei, quais foram as medidas cautelares e ele disse que não sabia. Veja a qualidade da linguagem usada pelos juízes, personagens de outro planeta, que não falam a língua do povo. O “juridiquês” não permite sequer que o custodiado entenda quais medidas lhes foram aplicadas.

Hoje, menos de dez dias do assassinato de outro negro, o congolês  Moïse, outro Yago, 21 anos, foi morto por um policial em Niterói, quando trabalhava vendendo bala para sobreviver. Aos negros é vedada a própria sobrevivência: não podem vender substâncias consideradas ilegais, sem qualquer critério, não podem vender balas ou chicletes. Seguir-se-ão outros discursos bonitos de instituições, autoridades prometerão erguer um monumento ao baleiro, assim como fizeram com Moise, mas a chibata continuará a bater nas costas dos negros. Hipocrisia pura.

Enquanto isso, os poderosos resistem às mudanças necessária ao judiciário para fazer cessar essa sede de aprisionamento dos negros e pobres. O Congresso Nacional aprovou, no exercício de suas competências aprovou e o Presidente da República sancionou a instauração do Juízo de Garantias, através do qual o juiz é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário.

O juiz zelará pelos direitos do preso e, sempre que possível, solicitará que este se apresente em juízo. Caberá a ele, juiz de garantias, determinar se cabe ou não liberdade provisória do investigado, sendo a ele dirigidos todos esses pedidos. Nessa atividade tem o dever de evitar a excessiva exposição do investigado diante dos meios de comunicação, com o fim de evitar injustas ilações com relação a ele. Contudo, um único magistrado. O Presidente do STF, avocou a causa para si e suspendeu a vigência da lei para atender à conveniência dos juízes representados por sua Associação de classe a AMB.

Pode isso Arnaldo? Isso é democracia, ou a ditadura de uma única pessoa que sequer submete sua decisão ao Colegiado?

Outra tentativa de evitar prisões desnecessárias são as audiências de custódia, que também sofrem resistência dos Tribunais e dos Juízes. Os Presidentes dos Tribunais continuam “escolhendo” a dedo os juízes que irão para à custódia, e essa escolha é cercada de interesses e troca de favores. Os favorecidos ganham mais penduricalhos e atendem ao que determina a ideologia do então Presidente. Se soltar demais será substituído, se prender demais será exaltado.

É triste essas estratégias de promoção da exclusão dos indesejados: pretos e pobres.

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.



Fonte: Blog do Siro Darlan