Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 13 de março de 2010

Uma chance para Lula

Sábado, 13 de março de 2010
Por Ivan de Carvalho
O jornalista dissidente cubano Guillermo Fariñas, em greve desde o dia 24 de fevereiro está em observação na UTI do Hospital Provincial Arnaldo Milián “e sua situação nos preocupa, embora os médicos não tenham confirmado a complicação renal”, disse ontem à tarde sua porta-voz, Licet Zamora, acrescentando que “ele não urina desde que ingressou (na quinta-feira) na UTI do hospital”. A informação no hospital é de que o estado de Fariñas é “grave, mas estável”.
    Fariñas, que não está preso, deixou de se alimentar por solidariedade, pela libertação de 27 prisioneiros de consciência (presos políticos). Sua greve de fome foi iniciada logo após a morte, em consequência de greve de fome de 85 dias, do preso político Orlando Zapata Tamayo, de 42 anos, que cumpria pena de 29 anos de prisão. O comportamento do governo cubano no episódio e sua política em relação aos dissidentes do regime comunista provocaram protestos em quase todo o mundo. O mais amplo foi do Parlamento Europeu, que por mais de 500 votos contra apenas 20 condenou, na quinta-feira, a ditadura castrista.
    A mesma atitude não teve o presidente do Brasil, Lula da Silva. Nem a diplomacia brasileira. Por um acaso desses que não acontecem por acaso, mas pelo que Carl Jung chamou de sincronicidade – e que sempre têm algum propósito, mesmo que não o idenfiquemos de imediato – Lula estava fazendo sua quarta visita a Cuba desde que assumiu o governo. Claro que ele lamentou a morte de Zapata, mas isso foi só o sinal para o início de uma saraivada de bobagens, impropriedades e coisas alopradas.
    Desaconselhou greves de fome, pois já fizera uma quando sindicalista, não gostara e desistira (faltou-lhe, talvez, a fibra de Zapata ou sobrou-lhe a esperteza que este não tinha), disse que não podia fazer emitir conceitos sobre as leis cubanas, mas condenou as greves de fome “a pretexto” de defesa de direitos humanos (!!!) e equiparou os presos de conciência de Cuba com os bandidos presos por crime comum nas penitenciárias brasileiras, nominadamente, as paulistas.
Enfim, contrariando o grande e saudoso mestre do Direito Orlando Gomes, que costumava usar em suas aulas a expressão “obrou bem”, Lula foi na direção inversa e obrou mal. E essa obra foi tão ruim que ele e o governo têm se esforçado na vã tentativa de atrapalhar o entendimento das pessoas a respeito. Mas já está evidente que, nessa obra, quanto mais se mexe, mais fede, como já observei em artigo anterior.
Ora, o jornalista Guillermo Fariñas (jornalista em Cuba deve ser uma profissão martirizante ou vergonhosa, a depender do caráter do profissional) já realizou mais de 20 greves de fome, esteve preso três vezes e sofreu na quinta-feira um choque hipoglicêmico semelhante ao que já sofrera em 3 de março. É a chance de Lula desfazer um pouco do malfeito que praticou em relação à repressão política e aos direitos humanos em Cuba.
Pois Guillermo Fariñas qualificou Lula de “cúmplice da tirania dos Castro”. Que tal, como Jesus recomendou, Lula amar o inimigo e abraçar sua causa justa, passando a defender a libertação dos presos políticos pelos quais Fariñas está se sacrificando?
Ah, e a Federação Nacional dos Jornalistas, a Fenaj? Não tem nada a dizer?
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.