Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Edital confirma insight

Sábado, 25 de fevereiro de 2012 
Por Ivan de Carvalho
Escrevi ontem neste espaço sobre o edital da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia para seleção, apenas por currículo e entrevista, para contratação de nove servidores com nível de instrução superior, um para cada uma das nove “regiões culturais” discriminadas no próprio edital. Contratações pelo sistema Reda, com remuneração de R$ 1980 reais, mais auxílio alimentação de valor não divulgado.

            Octávio Mangabeira, político da extinta UDN, foi eleito e governou a Bahia de 1947 ao final de janeiro de 1951. Uma de suas principais obras foi imaterial, um insight que teve durante uma conversa com um interlocutor sobre cuja identidade a história não manteve registro. Ele disse, de repente: “Pense um absurdo. Na Bahia tem precedente”.

            Ultimamente, como assinalei ontem, a frase de Octávio Mangabeira é hoje conhecida não somente na Bahia como no país. Uma legenda baiana tão “valiosa” quanto a mineira “Minas está onde sempre esteve”, tornando-se praticamente um lugar comum, pela frequência com que é citada ante os absurdos que quase diariamente explodem nas nossas caras.

            Para lembrar: os candidatos ao concurso, nos termos do edital, poderiam obter até 10 pontos graças “à atuação em sindicatos, partidos e organizações da sociedade civil”.

O superintendente de Desenvolvimento Territorial, Adalberto Santos, foi considerado responsável (não sei se por ter escrito o edital ou porque este saiu de sua área para a assinatura do secretário Albino Rubim, que assinou sem ler, quer dizer, não sabia de nada, à maneira de Lula no caso do Mensalão) e pediu demissão depois que o escândalo explodiu na mídia. O secretário aceitou a demissão. Não se esperava que recusasse.

Vale referir aqui um caso recente, não igual ou idêntico, mas assemelhado. Uma digressão rápida. Historicamente, os delegados de polícia do interior e os diretores e vice-diretores de estabelecimentos de ensino estaduais eram indicados por políticos. O deputado governista levava a relação de nomes para os cargos a que tinha “direito” ao governador e este, uma vez aprovando, determinava que o secretário da Educação desse seguimento.

Bem, melhorou, os delegados progressivamente foram passando a ser bacharéis em direito aprovados em concurso público. Mas na área da educação não houve avanço correspondente no método de escolha.

Adeum Sauer, quando secretário da Educação (já não está no cargo), julgou oportuno inovar. Deve ter imaginado, com algum raciocínio tecnicista, que ia “aperfeiçoar o sistema”, mas, como a teoria na prática é outra, cometeu um desastre: emitiu uma circular para os partidos da base governista, solicitando que indicassem diretores (as) e vice-diretores (as). Isto é, transformou o dissimulado pelo aparelhamento explícito e documental do Estado pelos partidos. Claro que a iniciativa não se sustentou, fenômeno que acabou acometendo também o secretário.

            Mas voltemos a Octávio Mangabeira. O edital maldito da Secult foi cancelado instantaneamente, após criticado pela mídia, e um comunicado a respeito foi posto no portal da Secretaria, na Internet. Quanto a mim, numa primeira avaliação, ontem, disse que o edital muito doido desmoralizara a famosa citação que se faz de Otávio Mangabeira e o deixara, do lado de lá, onde já está, “com a cara mexendo, incrédulo da inutilidade de seu genial insight”.

           Tolo que fui. O celerado edital apenas cria mais um precedente baiano para absurdos idênticos que venham a ocorrer mundo afora (países de partido único presentes ou passados não valem). O edital da Secult confirma o insight de Mangabeira. Aliás, a tresloucada circular de Adeum Sauer, idem.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.