Sexta, 24 de fevereiro de 2012
Por Ivan de Carvalho
Na Antiguidade, o governador Octávio Mangabeira,
de reconhecida cultura, teve um insight,
virou-se para o interlocutor e sugeriu, irônico: “Pense um absurdo. Na Bahia
tem precedente”.
Desde então, e infelizmente com cada vez maior
frequência, a ponto de já se haver tornado um lugar comum na Bahia e algo
conhecido em todo o país – no mesmo nível da famosa frase mineira segundo a
qual “Minas está onde sempre esteve” – o insight
lapidar do ancestral político do governador Jaques Wagner vem sendo
justificadamente aplicado às coisas da Bahia.
Não se pretende aqui enumerá-las. Mas fazer
breves observações sobre, não certamente a última – uma vez que muitas vezes
outras virão – mas a mais recente.
Ela é, no entanto, diferente das anteriores, que
tanto nos obrigaram, a mim e a muitos outros, a papaguear (na Secretaria de
Cultura o desprezo que receberia esse verbo o substituiria por repetir ou
talvez parafrasear, mas isso é lá uma opção dos cultos) o vetusto Octávio
Mangabeira.
Na verdade, o novo absurdo, a nova ocorrência – que
seguramente mereceria um B.O. em alguma delegacia especializada e/ou
sindicância administrativa como providências preliminares para apuração de
responsabilidades e definição das ações corretivas adequadas – não justifica a
famosa e quase imortal citação de Octávio Mangabeira. Antes, a desmoraliza e
deixaria seu autor, se ele ainda estivesse do lado de cá, com a cara mexendo,
incrédulo da inutilidade de seu genial insight.
É que o edital da Secretaria de Cultura do Estado
da Bahia sobre a contratação de servidores pelo sistema Reda – até a manhã de
ontem exposto no portal da Secult, como se fosse coisa digna de se exibir – não
tem precedente nem mesmo na Bahia.
Um dos itens sem precedentes está no seguinte
dispositivo do edital: “Atuação em sindicatos, partidos e organizações da
sociedade civil (2,5 pontos por ano – máximo 04).” Explicando melhor: Se o
candidato inscrito para o processo seletivo tem “atuação sindical” – uma
expressão de significado extremamente vago – por algo menos que dois anos obtém
quatro pontos. Tempo idêntico de atuação em “organização da sociedade civil”,
um conceito também extremamente amplo, ganha mais quatro pontos. E se é filiado
a partido político por período idêntico, mais quatro pontos. O total é de 12,
mas o edital, cautelosamente, fixa o limite da soma desses três fatores
qualificativos em dez. Oh, o infeliz perdeu dois pontos, melhor dizendo, deixou
de ganhar mais dois pontos, coitadinho (a).
Pode ser que haja precedente dessa vantagem
conferida por “atuação em partidos” na extinta União Soviética, na China, em
Cuba, em países de partido único, nos quais ser integrante do partido dava ou
dá direito a privilégios diversos, sempre maiores à medida que o filiado vai
subindo na hierarquia partidária.
Fico me perguntando se o idealizador desse edital
(a Secretaria de Cultura diz que o secretário não conhecia o teor do edital,
que estava sob a responsabilidade do superintendente de Desenvolvimento
Territorial, Adalberto Santos, que algum dia há de voltar de uma viagem ao Rio
de Janeiro, revelada pela Secult), seja lá quem haja sido, terá tentado lançar
um balaio de ensaio ou fazer um teste sobre aquelas vantagens dos filiados ao
partido único e seus auxiliares, a exemplo de sindicatos geralmente alinhados e
“organizações da sociedade civil”.
Bem, aos candidatos, aos quais eram oferecidas
nove vagas, uma em cada uma das nove regiões discriminadas no edital, exigia-se
(o edital foi oficialmente posto no lixo quando a mídia o descobriu) nível de
instrução superior e remuneração de R$ 1980,00. Uma doideira do edital até aqui
não referida é que, se nenhum candidato obtivesse a pontuação requerida, não se
faria outra seleção nem seriam aproveitados os que houvessem obtido pontuação
menos ruim. Seriam escolhidos candidatos exclusivamente pelo critério de
entrevista.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.