Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O homem bomba

Segunda, 5 de novembro de 2012 de 2012
Por Ivan de Carvalho
A revista Veja publica uma reportagem alegando que colheu, junto a parentes e amigos de Marcos Valério – agora já condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 40 anos de prisão e multa de aproximadamente 2,8 milhões –, declarações sobre o esquema do Mensalão, das quais o mais importante seria a afirmação de Valério de que o ex-presidente Lula, no cargo na época do escândalo de corrupção, não apenas sabia de tudo (a versão de Lula foi de que não sabia de nada e de que foi traído), como comandava o esquema do qual o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, era o chefe executivo.

            Poucas horas se passam e fica claro, tanto por dedução quanto por informações, que a Veja não colhera informações junto a parentes e amigos de Valério, mas o entrevistara, tendo combinado com ele – porque esta foi uma condição do entrevistado – que o material seria publicado não como entrevista, mas na forma de declarações dele colhidas junto a pessoas próximas. O áudio da entrevista teria sido gravado e a revista possuiria a fita, até agora não exibida.

            O episódio descrito alcançou grande repercussão no país, mobilizando o PT e até o governo – a presidente Dilma Rousseff deixou de comparecer a um almoço previamente agendado com o dono do Grupo Abril, que edita a Veja, Vitor Civita e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, recebeu ordem para retirar-se, repentinamente, ou malcriadamente, de um evento tradicionalmente promovido por outra revista do grupo.

            Agora, outra notícia mexe com os nervos do comando petista. O mesmo Marcos Valério, em depoimento espontâneo prestado em setembro ao Ministério Público Federal, refere-se a uma chantagem que teria sido feita contra Lula e Gilberto Carvalho, atual ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência e assessor e conselheiro de Lula durante o governo deste. A chantagem seria em torno de aspectos acessórios do episódio de assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, do PT. Valério, segundo o noticiário sobre seu depoimento no MPF, teria dito que foi procurado pelo secretário geral do PT, Sílvio Pereira, para arrumar dinheiro para pagar ao chantagista. Está confusa a informação sobre se teria feito isto ou se recusado.

            Para, aparentemente, complicar, Gilberto Carvalho havia sido acusado pelos irmãos de Celso Daniel, o prefeito assassinado, de participar do esquema de arrecadação de propina em Santo André.

            Nem no caso do Mensalão nem nos casos do assassinato do prefeito e da propina em Santo André houve acusação formal, seja em relação ao ex-presidente, seja em relação a Gilberto Carvalho. No caso do Mensalão, a Procuradoria Geral da República descartou incluir Lula em sua denúncia.

            No entanto, existem agora dados novos – o principal deles, o depoimento em setembro de Marcos Valério ao MPF. O PT, através de vários integrantes do partido, a exemplo do líder na Câmara, Gilmar Tatto, está procurando desqualificar Valério como testemunha, alegando que ele foi condenado pelo STF e em breve estará na cadeia. Mas com isso o PT estaria desqualificando também outras pessoas que foram condenadas no mesmo processo, algumas que lhe são caras a ponto de merecerem solidariedade política ostensiva ante as condenações recebidas do STF.

            Quanto a Valério, independente do que diga o PT, cumpre ter cautela quanto a afirmações suas de tal gravidade como as já publicadas e outras que dá a entender está disposto a fazer se isto o livrar da prisão (com inclusão no programa de proteção a testemunhas) ou reduzir a pena e lhe der segurança contra eventuais atentados (ele teme ser objeto de uma queima de arquivo). Assim pensam, aliás, pelo que se tem divulgado, tanto o procurador geral da República, Roberto Gurgel, quanto o relator do processo do Mensalão e presidente do STF a partir de 22 deste mês, ministro Joaquim Barbosa. No entanto, a segurança deve ser fornecida logo. E ter cautela quanto à veracidade do que Marcos Valério diz não significa que se deva dar o dito por não dito ou que não se deva investigar.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.