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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 1 de abril de 2014

Segue a guerra aos pobres na ocupação da Maré. O legado da Copa do Mundo: lucros exorbitantes para a Fifa, acirramento das desigualdades e violações de direitos nos países- sede

Terça, 1 de abril de 2014
DANIEL MAZOLA

Tribuna da Imprensa
Não é à toa que o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, está tão otimista com relação aos lucros da Fifa no Brasil, na Rússia e no Catar. As violações no Brasil já conhecemos, mas agora começam a vir à tona as violações nos futuros países-sede.

Segundo o jornal inglês "Mirror", a preparação da Copa de 2022 no Catar envolve trabalho análogo à escravidão e já teria atingido a marca de 1.200 mortos. A maior parte dos mortos seriam imigrantes que tiveram seus passaportes retidos assim que chegaram ao país para trabalhar nas obras da Copa. Mantidos em condições desumanas e de insalubridade, os trabalhadores estariam sendo submetidos inclusive à agressões físicas, e teriam à disposição somente água salgada para beber. Se nada for feito, a estimativa de organizações que acompanham a situação é de que quatro mil trabalhadores morram até o término das obras.


Violações dos Direitos Humanos também têm sido uma característica da preparação para a Copa do Mundo da Fifa no Brasil. Em junho de 2014 a Associação Nacional dos Comitês Populares e o Comitê Popular Rio lançarão as atualizações dos Dossiês de Violações dos Direitos Humanos nacional e do Rio de Janeiro.

Este evento que se traveste de festa é repleto de violações, e tanto os governos quanto a Fifa e seus patrocinadores são responsáveis por isso.


Segue a matéria:  


Parceria antiga


Em 2011, o Defensor Público Geral, Nilson Bruno, e o Prefeito do Rio, Eduardo Paes, conversaram sobre a inserção da Defensoria nos processos de desocupação para as Olimpíadas e a Copa do Mundo. Na reunião, também foi abordado o envio de respostas aos ofícios de requisição de informação pelos defensores públicos. O encontro, que aconteceu no gabinete do Prefeito, marcou a reaproximação da Prefeitura com a Defensoria.


O Prefeito "gentilmente" propôs visitar a Defensoria Pública para explicar aos Defensores como pretende atuar em parceria com a Instituição. Vale lembrar que a Defensoria Pública é para agir pelos interesses da população, não para fazer conchavo com o prefeito Pinóquio-carreirista da vez. Lamentável o que está acontecendo aqui no Rio de Janeiro!

A ocupação na Maré


Às sete horas da manhã deste domingo, anunciava-se na televisão que o primeiro dia de ocupação das comunidades da Maré havia sido um sucesso: "em 15 minutos, a maré foi ocupada, sem nenhum tiro", ressaltava o apresentador. Ao lado dele, o comentarista de segurança pública dizia que nenhuma casa estava sendo revistada "com o pé na porta" (sem mandado) ou sem a presença de um delegado. A transmissão ao vivo da espetacularização da operação policial-militar era assistida pelas televisões de bares e residências de moradores da Maré, nesta manhã, enquanto nas vielas e cantos das favelas construía-se um início de ocupação mais dolorido e duvidoso.


Mesmo com o anúncio oficial de que delegados acompanhariam as revistas a casas, depois que um juiz expediu mandado coletivo para as favelas Nova Holanda e Parque União (tratadas com muito mais suspeição pela secretaria de segurança pública), tal determinação não foi cumprida à risca por todos os policiais presentes. Moradores e ativistas locais testemunharam – e fotografaram – policiais do Bope entrando numa casa sem mandado e revirando-a de cabeça para baixo. O barulho da violenta busca foi tão alto que chamava atenção de quem passava pela rua. O interior da residência foi vandalizado. "E olha que hoje eles (policiais) estão com o freio puxado" , disse um ativista da Maré que acompanhou a ocupação, em rondas feitas por diversas ONGs e lideranças comunitárias da região. Ele quis dizer que mesmo hoje, no dia mais midiático e performático da ocupação, com centenas de câmeras e encenações estratégicas, a polícia agiu com truculência nessa residência. Imaginem, então, depois que as câmeras forem desligadas, nas próximas semanas.


É esse futuro incerto que deixa moradores e ativistas temerosos e inseguros em relação à conduta de policiais e militares. Incertezas baseadas em fatos. Em uma semana de incursões policiais diárias na Maré, o saldo foi de furtos, roubos, mortes violentas (pelo menos duas pessoas morreram, uma delas, torturada), desrespeitos, ameaças e muito pé na porta por parte da polícia. E ainda fizeram pessoas engolirem um panfleto de uma ONG que conscientizava moradores sobre os seus direitos. Fora todo o histórico da relação de violência da polícia com os moradores de favela, e ainda os fracassos e crimes cometidos pelas forças do Estado no projeto das UPPs.


Os helicópteros das polícias civil e militar fizeram manobras rasantes durante toda a manhã na Maré. O comércio só começou a abrir no final da manhã e nenhuma música tocava nas ruas – ao contrário de uma típica manhã de domingo. Moradores espiavam as dezenas de carros da polícia e os tanques do exército da janela, desconfiados. Alguns questionavam, perguntando quando a favela ia ganhar melhorias de verdade. Muitos moradores deixaram as comunidades no fim de semana e foram para a casa de parentes em outros bairros.


Fotógrafos estrangeiros tiravam fotos de crianças curiosas com o excessivo aparato policial. Repórteres da grande mídia pareciam fazer um passeio turístico pelas favelas. Garis da Comlurb nunca trabalharam tanto num domingo, retirando muito entulho das comunidades. E, como não poderia faltar no espetáculo midiático da " pacificação": bandeiras do Brasil e da polícia (nesse caso, do Batalhão de Choque) hasteadas numa das comunidades, a Vila dos Pinheiros, com criancinhas andando a cavalo e sendo pegas no colo por policiais. Alguns ativistas se recusaram a ser plateia desta última cena.


Na Nova Holanda, um princípio de confusão entre moradores e policiais se instaurou quando estes apreenderam um menor de idade que não tinha identidade. "Ele é trabalhador! Deixa ele em paz!", gritavam os moradores, muitos deles também adolescentes, revoltados com a prisão do amigo. O jovem apreendido não havia cometido nenhum crime flagrante, mas, como não tinha nenhum documento, foi levado para o 22o BPM para averiguação. Como ele, diversos outros também foram.


O ódio da polícia e a desesperança no projeto de ocupação transparecia dos olhos dos jovens vizinhos do menino detido. "A polícia não respeita nós!", gritava um deles. "Se eles desrespeitar assim, nós vai fechar a Linha Vermelha" , sugeria outro. Atordoados, os meninos não se conformavam com tamanha operação policial em sua comunidade. Um deles carregava um estilingue e outro um pedaço de pau, inofensivos diante de tantas armas de guerra ostentadas no desfile do Estado. A angústia e a descrença daqueles adolescentes refletem as marcas da violência sofridas em poucos anos de vida, feridas abertas que não serão cicatrizadas com armas.


A polícia continuou buscando drogas e revistando casas durante todo o dia. Grande quantidade de droga foi encontrada pela Polícia Federal na Vila Olímpica da Maré. No final da manhã, ONGs locais, Anistia Internacional e líderes comunitários se reuniram para pensar na articulação da rede local de ativistas, nas formas de diálogo com a polícia e as forças armadas, em levar adiante as denúncias de abusos por parte dos policiais e na criação de um protocolo para a atuação destes, garantindo os direitos da população local. Uma audiência pública vai ser organizada essa semana pela organizações da sociedade civil locais, e um ato artístico-político está marcado para o próximo sábado.


No começo da tarde, jovens com estilingues foram presos na Linha Vermelha, quando supostamente depredavam carros. Outros jovens de facções rivais teriam se enfrentando com pedras e tiros, e alguns ficaram feridos. Todos jovens, como aqueles que se revoltaram com a prisão do amigo. Jovens desesperanços quanto ao processo de pacificação. Jovens sedentos por direitos. Jovens que mal saem da comunidade e que de uma hora para outra são obrigados a compreender a presença de milhares de homens armados em sua vizinhança. Jovens que não têm outra opção de lazer a não ser ficar "zoando" na rua até tarde – o que não se pode mais fazer –, ou ir para o baile funk da comunidade, que agora está suspenso por tempo indeterminado. Jovens cujos pais trabalham o dia fora e agora correm o risco de encontrar suas casas reviradas ao final do dia, quando não saqueadas. Difícil traduzir em palavras os olhares de revolta desses meninos, e não pensar no que será deles nos próximos meses de ocupação militar, e, principalmente, quando o "espetáculo" dos preparativos para a Copa do Mundo e as eleições acabar.


Jovem morre após "guerra de pedras"


Um jovem de 15 anos morreu após a ''guerra de pedras'' na tarde de ontem no Complexo da Maré.


Segundo informações, o motivo da briga seria um provável combate entre facções das comunidades da Baixa do Sapateiro e de Nova Holanda. De acordo com moradores, o tiroteio começou quando jovens estavam se agredindo com pedras. O adolescente chegou a ser levado para a UPA de Vila do João, mas não resistiu.

Pelo menos três outras pessoas ficaram feridas e foram encaminhadas para o Hospital Federal de Bonsucesso. Duas delas foram baleadas por arma de fogo.

"É guerra de pedras entre grupos rivais. Cadê os policiais?", perguntaram moradores, que foram obrigados a retirar seus carros do local. Segue a mentira, a repressão e a guerra aos pobres. Até quando?

*Com informações do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas e do Coletivo Vinhetando.