Segunda,
28 de julho de 2014
"...o PT tentou
se criar “anti-Getúlio”. Eu lembro do Lula dizendo a seguinte
frase: “A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT é o AI-5 dos trabalhadores”.
Ou seja, para ele, a CLT impediria qualquer ingerência dos trabalhadores
em seu futuro. O PT era antigetulista, e depois começou a diminuir um
pouco isso, mas ao mesmo tempo pegou do pragmatismo de Getúlio a pior de
todas as dimensões, porque Getúlio era pragmático nas alianças que
fazia, mas apesar das alianças ele nunca permitiu dissolver os objetivos
nacionais. Enquanto isso, o PT vende o petróleo no leilão de Libra.
Getúlio nunca permitiu que a privatização fosse um elemento pragmático a
ser negociado; soberania nacional sempre foi fundamental para Getúlio. E
esse conceito nem existe no governo Lula."
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Do
IHU
Instituto
Humanitas Unisinos
Brasil: Impossível pensar o futuro sem discutir a geopolítica mundial. Entrevista especial com Carlos Lessa
“Há muitos anos eu já disse que nós
caminhávamos imensuravelmente para a desaceleração da economia, e infelizmente
tudo que imaginei aconteceu. Hoje o Brasil está tendo dificuldades imensas de
manter se movendo como estava se movendo”, assinala o economista.
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Foto: Uol
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“A verdade é que se houvesse uma redução significativa do
valor da dívida das famílias, das empresas e dos Estados nacionais, haveria
naturalmente, sem grande trauma, uma mudança no perfil de retração da riqueza
do mundo.” A declaração é do economista Carlos Lessa
à IHU On-Line, ao comentar as razões de ainda haver tantas desigualdades
sociais no mundo. Segundo ele, “o que a história está mostrando é que os
comandos desse sistema financeiro assumiram o comando da economia mundial,
porque é muito difícil mexer no valor dessa dívida”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, o
ex-presidente do BancoNacional de Desenvolvimento – BNDES menciona a dívida da Argentina
como um exemplo que diz “respeito à saúde do mundo como um todo; (...) ela é
uma espécie de preliminar das dificuldades que estão à frente”. E alfineta: “Se
93% aceitaram a proposta argentina e estão recebendo segundo essa
proposta, como 7% podem derrubar tudo?”.
Lessa também
comenta a criação do banco do BRICs como uma possibilidade de
“restabelecer liquidações compensatórias de dinheiro entre as moedas dos países
do BRICs”.
Entretanto, enfatiza, “se ele fizer isso, já está introduzindo uma dimensão
importante no jogo financeiro mundial. E minha pergunta é: Vão fazer, ou não
vão fazer? É a sério, ou não é a sério? Porque isso já é uma tentativa de
reduzir o peso do dólar; e eu não vejo como os americanos concordam com isso
tranquilamente”. E cutuca: “A presidenta Dilma foi à última reunião de Davos
dizer que o Brasil está inteiramente consciente e subordinado à ideia do
Consenso de Washington, mas aí esse sistema de compensações monetárias entre
as moedas dos BRICs não é o que Washington quer; por outro lado, o
silêncio brasileiro com respeito à questão argentina — o nosso
comportamento está sendo muito encabulado e retraído — é o que Washington
quer. Então, eu não sei, e a pessoa (Dilma) para mim também não sabe,
apesar de estar perdendo o campeonato”.
Segundo ele, apesar de a população ter melhorado o padrão de
vida nos governos Lula e Dilma, especialmente no que se refere à
distribuição da renda, “o governo do PT
não usou esse ‘oxigênio’ que o Brasil teve para dar sustentabilidade no
longo prazo à melhoria”. Na avaliação dele, “para frente, o Brasil vai
se confrontar com um problema muito sério: um pedaço enorme do patrimônio das
empresas brasileiras, das empresas que estão no Brasil, dos bancos
brasileiros e das famílias ricas, está apoiado na dívida das famílias pobres
que se endividaram para comprar automóvel, geladeira e mobiliário, então, terá
uma queda de braço para frente no país”.
Defensor de um projeto nacional, Carlos Lessa
é categórico quanto ao assunto: “Nós estamos órfãos de um projeto nacional.
Agora, é evidente que qualquer projeto nacional começa por projetar o Brasil
do futuro. (...) Nós fomos achando que é possível tocar o futuro sem
discutir o futuro, então é complicado”. E conclui: “Pelo menos três dos grandes
países periféricos do mundo têm projetos nacionais claros, enquanto o Brasil
não tem nenhum. Nós nem sequer discutimos a geopolítica mundial; nós não temos
posicionamento nenhum”.
Carlos Lessa
é formado em Ciências Econômicas pela antiga Universidade do Brasil e doutor em
Ciências Humanas pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
de Campinas (Unicamp). Em 2002, foi reitor da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ. Ele também foi presidente do Bndes.
Confira a entrevista.
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Foto: Uol
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IHU On-Line - Como, na Economia, se
define e se entende o conceito de “desigualdade”?
Carlos Lessa –
Colocando-se a ideia de renda, a desigualdade se mede por diversos
coeficientes, que medem a dispersão das extremidades em relação ao valor médio.
Isso são estudos de distribuição de renda, desenvolvidos há muito tempo, em 30,
40 países do mundo.
Agora, o que não se faz — e essa é a dimensão que está sendo
levantada para discussão — é a distribuição do patrimônio, ou seja, tudo aquilo
que representa a chamada riqueza do indivíduo. Nesse sentido, a riqueza do
indivíduo pode ir desde a sua casa própria e o que está nela, até participações
percentuais nas empresas — que são as participações societárias — e
participações da dívida que outros têm, e esses outros podem ser famílias,
empresas e Estados nacionais. Então, essa dívida também faz parte da riqueza.
Estudos recentes demonstraram que, embora a distribuição de renda tenha melhorado em diversos países — principalmente nos
chamados de primeiro mundo —, a distribuição do patrimônio não melhorou. Ou
seja, apesar de uma quantidade crescente de famílias do primeiro mundo possuir
casa própria, há um crescimento enorme da dívida das famílias, das empresas e
dos Estados nacionais, e essa nova dívida, que faz parte do patrimônio, cresce
em uma velocidade tal, que o patrimônio se mantém praticamente o mesmo.
IHU On-Line – E como o senhor vê essa
má distribuição do patrimônio?
Carlos Lessa –
A verdade é que se houvesse uma redução significativa do valor da dívida das
famílias, das empresas e dos Estados nacionais, haveria naturalmente, sem
grande trauma, uma mudança no perfil de retração da riqueza do mundo. Agora, o
que a história está mostrando é que os comandos desse sistema financeiro
assumiram o comando da economia mundial, porque é muito difícil mexer no valor
dessa dívida. Por exemplo, o que está acontecendo com a Argentina,
hoje, é uma tentativa de forçá-la a pagar por uma dívida que foi contraída no
passado. Porque, na verdade, no momento em que se diz que a dívida pode não ser
paga, se retira dela o valor patrimonial que ela tem. Essa questão da Argentina
diz respeito à saúde do mundo como um todo; não acho que ela vá definir o
futuro da humanidade, mas é uma espécie de preliminar das dificuldades que
estão à frente.
“A partir do governo de Collor de
Mello, o Brasil não persegue nada”
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IHU On-Line – Nesse sentido, o valor que está sendo cobrado
da dívida da Argentina é equivocado?
Carlos Lessa –
É totalmente equivocado; estou do lado da posição argentina. A Argentina
negociou uma redução da dívida numa situação em que está fracamente destruída
como país, e essa negociação foi aceita por 93% dos diretores; 7% não opinaram
porque os fundos abutres compraram. A Justiça norte-americana diz que a Argentina
deve pagar a dívida integralmente, e com prioridade para esses 7%. Isso é algo
absolutamente espantoso, porque se 93% aceitaram a proposta argentina e estão
recebendo segundo essa proposta, como 7% podem derrubar tudo? Então, por isso,
uma das coisas mais interessantes que aconteceram nas últimas semanas foi o
fato de os países latino-americanos da Organização dos Estados Americanos - OEA terem votado a favor da Argentina e
depois repetirem o gesto quando houve esse encontro dos BRICs em Fortaleza.
Trata-se de um recado dizendo para ter cuidado, porque o tamanho dessa dívida
colossal faz com que necessariamente um pedaço dela seja desvalorizado.
IHU On-Line - Como vê a criação do
banco do BRICs?
Carlos Lessa –
Estou cheio de dúvidas a respeito. Em uma primeira aproximação, a ideia do BRICs
é uma ideia geopolítica de criar uma terceira interlocução em nível mundial.
Então, por esse lado, o BRICs tem importância geopolítica para o Brasil.
Agora, se vai ter importância econômica, tenho minhas dúvidas. O que o banco do
BRICs
pode fazer é restabelecer liquidações compensatórias de dinheiro entre as
moedas dos países do BRICs. Se ele fizer isso, já está introduzindo uma
dimensão importante no jogo financeiro mundial. E minha pergunta é: Vão fazer,
ou não vão fazer? É a sério, ou não é a sério? Porque isso já é uma tentativa
de reduzir o peso do dólar; e eu não vejo como os americanos concordam com isso
tranquilamente.
IHU On-Line - Mas fala-se também que o
banco tem o objetivo de financiar projetos de infraestrutura entre os países.
Carlos Lessa –
Esse é o pretexto que está por trás da ideia de criar um sistema de
compensações monetárias que não esteja baseado no dólar. Agora o pretexto para
criar o banco é o pretexto que pode financiar projetos de infraestrutura no
longo prazo sem lançar mão de reserva de dólar. Isso reduz o peso do dólar e é
um efeito político ou geopolítico importante para um banco. Contudo, quero ver
se ele é real mesmo; não é que eu queira ser São Tomé (ver para crer),
eu só quero ver como isso vai se desdobrar, porque, por exemplo, a presidente Dilma
foi à última reunião de Davos dizer que o Brasil está
inteiramente consciente e subordinado à ideia do Consenso de Washington,
mas aí esse sistema de compensações monetárias entre as moedas dos BRICs
não é o que Washington quer; por outro lado, o silêncio brasileiro com respeito
à questão argentina
— o nosso comportamento está sendo muito encabulado e retraído — é o que Washington
quer. Então, eu não sei, e a pessoa (Dilma) para mim também não sabe,
apesar de estar perdendo o campeonato.
IHU On-Line - Qual é o papel do Brics
na arquitetura financeira internacional?
“Essa comparação não dá certo e é
complicada por uma razão: o PT tentou se criar ‘anti-Getúlio’”
|
Carlos Lessa –
Ainda não tem, mas se ele montar esse sistema de compensações bilaterais,
passará a ter. Quer dizer, tem um lado aí que achei muito interessante nesse
encontro do Brics,
o de sair um financiamento para a Argentina. Outra ação interessante — e
há tempo gosto muito do que a diplomacia brasileira faz — foi, na reunião da União
de Nações Sul-Americanas - UNASUL e do Mercado Comum do Sul - MERCOSUL, colocar os países sul-americanos e seus
presidentes junto aos presidentes do BRICs. Isso foi um gesto político
muito bonito e muito importante, porque marcou certa posição, mas por enquanto
estamos na retórica.
IHU On-Line - O senhor leu o livro
“Capital in the Twenty-First Century” [O capital no século XXI] de Thomas Piketty? Quais suas impressões?
Carlos Lessa –
Li alguns trechos. Não li todo, pois estou com descolamento da retina. Piketty
fez diversos exercícios lançando mão das informações disponíveis para
demonstrar isso que eu disse a você, ou seja, que a destruição da riqueza do
patrimônio não se modificou, apesar de haver melhorias na distribuição de
renda.
IHU On-Line - Quais são as principais
dificuldades do Brasil em relação às desigualdades?
Carlos Lessa –
Os programas que o governo do PT
implantou desde 2002, desde o primeiro mandato do Lula, do segundo
mandato dele e do início do mandato da presidente Dilma, tiveram um
efeito importante do ponto de vista de distribuição de renda, somente isso.
Como o Brasil teve uma melhoria espetacular na sua relação de trocas com
o mundo, porque os produtos que o Brasil vendia para o mundo se
valorizaram — tecnicamente nós dizemos que a relação de troca foi extremamente
favorável para o Brasil até 2008, 2009 —, os governos do PT
aproveitaram para tocar para frente uma política de distribuição. Ou seja,
melhoraram muito significativamente o salário mínimo real, que é a chave da
disfunção de renda para a baixa renda do Brasil, que é o indexador geral
de todos que têm ou não carteira assinada, e criou alguns programas de
assistência social, como o Programa Bolsa Família, e isso melhorou a
base da população brasileira.
É impressionante como as pessoas melhoraram o seu padrão de
vida. Só que o problema é o seguinte: o governo do PT não usou esse “oxigênio” que
o Brasil teve para dar sustentabilidade no longo prazo à melhoria.
Agora, para a frente, o Brasil vai se confrontar com um problema muito
sério: um pedaço enorme do patrimônio das empresas brasileiras, das empresas
que estão no Brasil, dos bancos brasileiros e das famílias ricas, está
apoiado na dívida das famílias pobres que se endividaram para comprar
automóvel, geladeira e mobiliário, então, terá uma queda de braço para frente
no país. Mas o que acho engraçado é que a disputa eleitoral brasileira nem
tocou nesse assunto. Sou muito simpático que a universidade esteja preocupada
em discutir isso, porque a universidade tem de criar uma geração que saiba
pensar e saiba pensar o Brasil, um Brasil no mundo e um Brasil
voltado aos brasileiros. Essa discussão é fundamental.
IHU On-Line – O senhor é um defensor do
desenvolvimento de um projeto nacional. Em que medida esse projeto pode ter
implicações na superação das desigualdades? E em relação a isso, existe no
Brasil algum projeto nacional?
Carlos Lessa –
Não. Nós estamos órfãos de um projeto nacional. Agora, é evidente que qualquer
projeto nacional começa por projetar o Brasil do futuro, o Brasil
utópico, o Brasil que nós sonhamos. Eu sonho com um Brasil em que
as desigualdades sociais sejam relativamente pequenas, com um Brasil em
que todos os brasileiros tenham acesso à casa própria, tenham uma educação de
qualidade, acesso à saúde, possibilidade de utilizar o seu tempo para absorver
os bens culturais ou simplesmente ao lazer. Eu sonho com um Brasil que
seja justo para os brasileiros, e não acho que o Brasil é justo com os
brasileiros. O país vai ter de discutir isso, só que essa discussão nem sequer
começou.
“O Brasil quer ser uma Porto Rico enorme
do Atlântico Sul? Ou o país quer ter uma grande importância na formação de um
continente sul-americano unificado?”
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Há muitos anos eu já disse que nós caminhávamos
imensuravelmente para a desaceleração da economia, e infelizmente tudo que
imaginei aconteceu. Hoje o Brasil está tendo dificuldades imensas de
manter se movendo como estava se movendo. Talvez isso tenha um lado muito ruim,
porque gera uma perplexidade, uma angústia, uma interrogação forte para as
pessoas, uma insegurança das pessoas em relação ao seu “estar no mundo”,
mas, por outro lado, pode ser que force as pessoas a discutir que futuro se
pensa para o Brasil, porque até agora essa discussão não existe.
IHU On-Line - Esse é um problema do
Brasil ou há um limite de se ter um projeto nacional em tempo de globalização?
Carlos Lessa –
Isso não é verdade, porque existem muitos países que estão na globalização e
estão perseguindo projetos nacionais. O exemplo principal é a China, mas
diria que de certa maneira a Índia e a Rússia também têm projetos
nacionais. Então, pelo menos três dos grandes países periféricos do mundo têm
projetos nacionais claros, enquanto o Brasil não tem nenhum. Nós nem
sequer discutimos a geopolítica mundial; nós não temos posicionamento nenhum.
Por exemplo, qual é o posicionamento dos brasileiros com respeito ao que vem
acontecendo na Argentina? A impressão que eu tenho é de que nenhum —
apesar de vocês estarem aí no Rio Grande do Sul. Qual é o posicionamento
dos brasileiros a respeito do que vem acontecendo na Ucrânia? Zero; nem
se debate. Quem está discutindo no Brasil o projeto eurasiano que Vladimir Putin está desenvolvendo? Ninguém. Só que esse projeto vai levar
a Rússia a se aliar ao Japão, por um lado, e à China, por
outro, colocando a Europa na dependência total da Rússia. Nós
estamos discutindo isso? Não. A rota dos navios que liga o Japão com a Europa
vai agora passar a ser pelo Ártico, porque com o degelo e as frotas de
quebra-gelo russas isso se torna possível. Só que essa rota, que é ótima para o
Japão, que encolhe sete mil léguas submarinas a distância entre o Japão
e a Europa, é péssima para o Brasil, porque nos desloca mais para
a periferia do mundo. Estão discutindo isso? Não. Nós fomos achando que é
possível tocar o futuro sem discutir o futuro, então é complicado.
IHU On-Line – Pode dar outros exemplos
dos projetos nacionais desses países?
Carlos Lessa –
Claro. O projeto da China é óbvio: quer voltar a ser o império asiático
e mundial. Para isso, combina três dimensões: procurar ter supremacia no
comércio mundial, exportando produtos industrializados e importando
matérias-primas de alimentos; quer estar na vanguarda tecnológica do mundo,
usando os poderes que dispõe para empurrar a tecnologia para frente; e quer, de
maneira muito clara, dominar totalmente a esfera asiática. E nós não temos
nenhum projeto, nem com respeito às relações com a Argentina nós temos um
projeto claro.
IHU On-Line – O senhor é bastante
getulista...
Carlos Lessa –
Total. Mas nós não podemos fazer invocações de fantasmas, pois nenhum fantasma
se materializa. Getúlio
foi uma liderança inquestionável para esse país. Eu gosto de dizer que com Getúlio,
contra Getúlio e sem Getúlio, o Brasil se moveu 50 anos
para perseguir a industrialização. E, a partir do governo de Collor de Mello,
o Brasil não persegue nada.
IHU On-Line - Depois dele, quais
presidentes pensaram em um projeto de nação?
Carlos Lessa –
Ele foi o presidente brasileiro mais consistente e coerente nisso. Eu diria que
o Rodrigues Alves [1], de certa maneira, e o mineiro Arthur Bernardes
[2] tinham visões claras da necessidade de um projeto nacional. Mas, quem
adotou integralmente e foi fiel ao projeto nacional, foi Getúlio.
IHU On-Line - Alguns tentam comparar ou
fazer alguma aproximação entre Lula e Getúlio. Como vê essa tentativa?
Carlos Lessa –
Essa comparação não dá certo e é complicada por uma razão: o PT tentou
se criar “anti-Getúlio”. Eu lembro do Lula dizendo a seguinte
frase: “A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT é o AI-5 dos trabalhadores”.
Ou seja, para ele, a CLT impediria qualquer ingerência dos trabalhadores
em seu futuro. O PT era antigetulista, e depois começou a diminuir um
pouco isso, mas ao mesmo tempo pegou do pragmatismo de Getúlio a pior de
todas as dimensões, porque Getúlio era pragmático nas alianças que
fazia, mas apesar das alianças ele nunca permitiu dissolver os objetivos
nacionais. Enquanto isso, o PT vende o petróleo no leilão de Libra.
Getúlio nunca permitiu que a privatização fosse um elemento pragmático a
ser negociado; soberania nacional sempre foi fundamental para Getúlio. E
esse conceito nem existe no governo Lula.
Eu não estou querendo polemizar com o PT; minha
preocupação é outra. Minha preocupação é que os estudantes da universidade, os
gaúchos, que são a vanguarda do pensamento nacional brasileiro, voltem a
discutir o projeto Brasil, mesmo que vocês troquem desaforos entre vocês, são
obrigados a explicitar os debates.
“Fico encabulado em ver o Chile
assumindo mais defesa da Argentina hoje do que o Brasil”
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O Brasil quer ser uma Porto Rico enorme do Atlântico
Sul? Ou o país quer ter uma grande importância na formação de um continente
sul-americano unificado? Se for isso, nós temos de cuidar a visão da Argentina
que o Brasil tem. Eu fico encabulado em ver o Chile assumindo
mais defesa da Argentina hoje do que o Brasil. Nesse sentido, os gaúchos
são a grande fronteira de nacionalismo do Brasil.
IHU On-Line - Como o senhor vê as
campanhas à Presidência da República? Algum candidato apresenta ou tem em
perspectiva um projeto de nação?
Carlos Lessa –
Não. Uma das minhas angústias é que o desdobramento da campanha presidencial
não está absolutamente politizando o Brasil no bom sentido. O que está
acontecendo agora é uma competição para saber quem é cúmplice do mensalão, para
descobrir algo sobre o aeroporto do Aécio, algo contra o Eduardo,
amanhã talvez apareça algo contra a Dilma, e vai ficar nisso. Isso não é
absolutamente uma discussão política; é uma discussão que não explicita as
escolhas que o Brasil tem de fazer. E se a opinião pública mantiver a posição,
como está hoje, de que os políticos são a mesma coisa e que os partidos
políticos não servem para nada, eu não sei o que vai acontecer; vamos numa
conjuntura internacional muito difícil.
(Por
Patricia Fachin)
NOTAS
[1] Francisco de
Paula Rodrigues Alves (Guaratinguetá, 7 de julho de 1848 -
Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 1919): advogado, político brasileiro,
Conselheiro do Império, presidente da província de São Paulo, presidente do
estado, ministro da fazenda e quinto presidente do Brasil.
Governou São Paulo
por três mandatos: 1887-1888, como presidente da província; como quinto
presidente do estado, de 1900 a 1902; e como nono presidente do estado, de 1912
a 1916.
Rodrigues Alves
foi o último paulista a tomar posse como presidente do Brasil. Foi eleito duas
vezes, cumpriu integralmente o primeiro mandato (1902 a 1906), mas faleceu
antes de assumir o segundo mandato (que deveria se estender de 1918 a 1922).
[2] Artur da Silva
Bernardes (Viçosa, 8 de agosto de 1875 - Rio de
Janeiro, 23 de março de 1955): advogado e político brasileiro, presidente de
Minas Gerais de 1918 a 1922 e presidente do Brasil entre 15 de novembro de 1922
e 15 de novembro de 1926.
Para ler mais:
31/05/2009 - "O mercado realiza a globalização dos infernos". Entrevista especial com Carlos Lessa
Veja também: