Sábado, 24
de janeiro de 2015
Da Tribuna
da Internet
Carlos
Frederico Alverga
O historiador Marco Antonio Villa torce, retorce e
distorce a verdade no seu livro “Ditadura à brasileira”. O que me deixa
perplexo é esse senhor obter grande espaço na mídia corporativa, familiar e
oligopolista para propagar suas sandices, tais como afirmar que não havia
ditadura no Brasil entre 64 e 68 porque nessa época houve os festivais da
canção, ou a encenação das peças Opinião e Roda Viva, cujos espetáculos eram
interrompidos por agressões perpetradas contra os elencos pelo Comando de Caça
aos Comunistas, que espancava os atores. É necessário que outras opiniões sejam
veiculadas na imprensa para que as mentiras de Villa não se disseminem e
distorçam o conhecimento que as novas gerações estão travando com os fatos
desse período. A versão falaciosa do farsante travestido de professor não pode
prevalecer. É preciso se contrapor a esse impostor.
Suas premissas são as mais absurdas possíveis: não houve
apoio dos Estados Unidos à ditadura militar brasileira, não houve articulação
entre as ditaduras militares do Cone Sul (Brasil, Argentina, Paraguai, Chile e
Uruguai), não houve tortura no Brasil nos governos Castelo Branco e Costa e
Silva, houve democracia na época do General Figueiredo no poder, ocasião em que
ocorreu o atentado terrorista de extrema direita no Riocentro, cuja elucidação
foi irremediavelmente comprometida pelo inquérito fraudulento comandado pelo
então coronel Job Lorena de Morais, entre outros postulados descabidos.
APOIO DOS EUA AO GOLPE
Vou procurar refutar cada um desses pontos:
1 – Não houve apoio dos Estados Unidos à ditadura militar
brasileira: ora, qualquer pessoa bem informada sabe, depois da publicação
(1977) do livro de Marcos Sá Corrêa sobre a Operação Brother Sam, que os EUA
intervieram fortemente na conjuntura política e econômica brasileira promovendo
a desestabilização do Governo Goulart, financiando Governadores da oposição,
como Lacerda (Guanabara), Ademar de Barros (SP) e Magalhães Pinto (MG),
financiando candidatos conservadores da direita nas eleições de outubro de 62
por meio do IPES e do IBAD, cuja atuação foi objeto de uma CPI relatada pelo
então deputado federal Rubens Paiva (PTB-SP). Além disso, após a liberação de
parte dos arquivos do Governo americano e da CIA relativos ao Governo Johnson,
como foi documentado pelo filme “O dia que durou 21 anos”, de Camilo Tavares,
filho de Flávio Tavares, os Estados Unidos interviriam militarmente no Brasil
em caso de resistência das forças legalistas e constitucionais, chegando a ter
enviado uma força tarefa da Marinha para o litoral de Santos com combustível e
armamentos, para o caso da divisão do Brasil entre o Brasil do Norte
(legalista) e o Brasil do Sul (golpista).
Sobre o assunto, vejam o que afirma Villa na página 55:
“No conjunto dos acontecimentos a participação do governo americano foi
desprezível, diversamente do que reza a lenda. Os atores políticos se moveram
pela dinâmica interna e não como “marionetes do imperialismo””. É um comentário
estapafúrdio, que não leva em conta a intensa guerra fria que ocorria na época
entre EUA e a URSS,
NÃO HOUVE DITADURA ATÉ 68
2 – Considera que não houve ditadura no Brasil entre 1964
e 1968, época de inúmeras cassações de mandatos de políticos oposicionistas,
prisões arbitrárias, supressão de liberdades públicas e franquias democráticas,
enfraquecimento e violência institucional contra os demais Poderes da
República, Legislativo e Judiciário, promovido pelos Atos Institucionais
anteriores ao Ato 5. Rememoremos: O AI 1 cassou muitos políticos do PTB e de
outras agremiações, tais como Luís Carlos Prestes, Miguel Arraes, Doutel de
Andrade, entre outros.
O AI 2 extinguiu os partidos políticos e impôs o
bipartidarismo (ARENA e MDB), permitiu apenas a oposição consentida, porque a
autêntica estava no exílio, principalmente no Uruguai e no Chile (antes do
golpe de 73). Além disso, o AI 2 tornou indiretas as eleições para Presidente
da República. O AI 3 tornou indiretas as eleições para os Governadores dos
Estados e estabeleceu que os prefeitos das capitais seriam nomeados pelos
Governadores e excluía de apreciação judicial os atos praticados com fundamento
no referido Ato institucional, o que significa que não se poderia contestar
judicialmente a legalidade das decisões tomadas com base no espúrio AI 3.
E o AI 4 terminou de liquidar a Constituição democrática
de 46 que já estava praticamente toda violada, e convocou extraordinariamente o
Congresso para aprovar a “Constituição” de 67, projeto de Constituição
apresentado ao Congresso pelo ditador Castello Branco. Realmente, não era uma
ditadura: o povo estava impedido de eleger seus governantes nas três esferas da
Federação, o Judiciário e o Legislativo estavam totalmente subjugados pelo
Executivo hipertrofiado, e havia democracia porque houve os festivais da canção
e o tropicalismo; ora é ridículo, é subestimar a inteligência dos brasileiros.
SÓ PORQUE HOUVE ELEIÇÕES…
3 – Não havia ditadura no Brasil em 65 porque houve
eleições na Guanabara e em Minas Gerais e os candidatos da oposição venceram,
mas em compensação JK estava cassado desde junho de 64 e, após as eleições,
para contentar a linha dura partidária de Costa e Silva, Castello Branco
outorgou o AI 2 extinguindo os partidos políticos da democracia populista (PSD,
PTB e UDN) e impôs o ilegítimo bipartidarismo (ARENA e MDB), conforme mencionado
no item anterior. Isso sem falar na cassação arbitrária de Hélio Fernandes em
novembro de 66 às vésperas do pleito no qual seria eleito deputado federal com
votação recorde na Guanabara.
4 – Não havia ditadura no Brasil em junho de 68 porque
ocorreu a passeata dos 100 mil. Ora este argumento é insuficiente, na medida em
que estava em curso um processo de fechamento e endurecimento do regime,
conforme atestam os itens 2 e 3 acima. Havia ditadura sim, mas não tão
opressora quanto a que se seguiu ao AI 5, mas havia ditadura sim, que Élio
Gaspari alcunhou de “envergonhada”.
TORTURA AOS PRESOS
5 – Havia tortura a presos políticos no Brasil sim, antes
do Governo Médici. O famoso livro de Márcio Moreira Alves, “Torturas e
Torturados”, contendo as reportagens do então jornalista do Correio da Manhã
denunciando a tortura principalmente no Nordeste, especialmente em Pernambuco,
comprova isto. Além disso, em função da repercussão das reportagens, Castello
Branco enviou Geisel, seu então chefe da Casa Militar, numa missão ao Nordeste,
ocasião em que atestou a veracidade das denúncias de Moreira Alves.
6 – Inexistência de articulação entre as ditaduras
militares do Cone Sul: outra mentira, tendo em vista que a operação Condor foi
uma realidade fartamente documentada na literatura séria sobre o tema.
7 – Erros cometidos pelo autor: a) Na página 63 afirma que
a inflação de 1964 foi de 89,5%; na página 289 diz que foi de 92,1%; b) Na
página 189 diz que Stuart Angel foi assassinado em junho de 1971, mas o mês
correto é maio de 1971; c) Na página 209 diz que a Copa do Mundo de 86 foi na
Inglaterra, quando na verdade foi a Copa de 66; d) Na página 305 diz que o
comício das Diretas no Rio em abril de 84 foi na Cinelândia, quando na verdade
foi na Candelária.
Outra coisa: o site da Tribuna poderia deixar de anunciar
a venda desse livro “Ditadura à brasileira” devido a todas as inverdades e
falácias que ele contém.