Quarta, 28 de janeiro de 2015
Ivan Richard – Repórter da Agência Brasil
As
operações de fiscalização para combater o trabalho escravo ou análogo à
escravidão resgataram, em duas décadas, mais de 47 mil trabalhadores
submetidos a condições degradantes e a jornadas exaustivas em
propriedade rurais e em empresas localizadas nos centros urbanos.
De acordo com dados da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, obtidos pela Agência Brasil
com exclusividade, desde 1995, quando o país reformulou seu sistema de
combate ao trabalho escravo contemporâneo, foram realizadas 1.724
operações em 3.995 propriedades e aplicadas multas indenizatórias cujo
valor supera os R$ 92 milhões.
Em 1995, o Brasil reconheceu a
existência e a gravidade do trabalho análogo à escravidão e implantou
medidas estruturais de combate ao problema, como a criação do Grupo de
Fiscalização Móvel e a adoção de punições administrativas e criminais a
empresas e proprietários de terra flagrados cometendo esse crime. A
política também criou restrições econômicas a cadeias produtivas que
desrespeitam o direito de ir e vir e submetem trabalhadores a condições
de trabalho desumanas.
Passados
20 anos da adoção de medidas que intensificaram o combate ao trabalho
escravo, o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho
Escravo, do Ministério da Trabalho, Alexandre Lyra, disse à Agência Brasil que houve uma migração do ambiente onde se pratica esse tipo de crime, das zonas rurais para as cidades.
“No
ano passado, por exemplo, fizemos resgate em navio de cruzeiro de 11
tripulantes submetidos a jornada exaustiva. Temos agora a construção
civil que, em 2013, foi o que mais apresentou resultado, temos o setor
têxtil, em São Paulo. Então, temos uma mudança no ambiente em que está
ocorrendo esse trabalho, mas a fiscalização, após 20 anos, está
preparada para atuar”, explicou Lyra.
Para ele, a aprovação da Emenda Constitucional do Trabalho Escravo pelo Congresso
foi mais um avanço. Lyra, contudo, alertou para a importância da
regulamentação da emenda e para a possibilidade de mudança no atual
conceito de trabalho análogo à escravidão. Com a migração da prática do
trabalho escravo do campo para as cidades, caracterizar esse crime
apenas pela restrição de liberdade, como querem alguns setores no
Congresso, em especial a bancada ruralista, seria um “retrocesso”.
“O
que a bancada ruralista quer, agora com o apoio de outros setores, como
o da construção civil, é que o trabalho escravo fique tão somente
caracterizado quando houver a supressão de liberdade, que é uma ideia
antiga, que perdurou até 2003, quando houve uma inovação legislativa na
qual foram ampliadas as hipóteses de trabalho análogo ao de escravo no
Código Penal”, alertou Lyra. “Essa ideia de que trabalho escravo é
apenas supressão de liberdade, vigilância armada e impossibilidade de ir
e vir não encontra mais respaldo nas caracterizações atuais. Esvaziando
do conceito do trabalho análogo ao escravo a condição degradante e
jornada exaustiva, pouco sobrará.”
Para o procurador-geral do
Trabalho, Luís Antônio Camargo, o país ainda deve lamentar a existência
do trabalho escravo, mas também reconhecer que houve avanços na
enfrentamento do problema. “Não podemos dizer que a situação está
resolvida, mas avançamos muito desde 1994, 1995. Hoje, estamos muito
mais organizados, muito mais articulados, mas ainda temos um caminho
muito longo. Temos que lamentar o fato de um país rico como o nosso
ainda ter uma chaga desse tamanho, que é o trabalho escravo
contemporâneo, mas comemora-se [o combate ao crime]."
Para ele, a
articulação entre os diversos órgãos públicos e organizações da
sociedade civil possibilitou ao país o reconhecimento e o respeito
mundial no que se refere ao combate a esse crime. A criação do grupo
móvel de fiscalização e o lançamento do plano de erradicação do trabalho
escravo foram “fundamentais” e “contribuem para um avanço
significativo" no enfrentamento do problema.
Hoje (28), Dia
Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, Lyra lembrou que qualquer
pessoa pode denunciar situações em que um trabalhador esteja submetido a
situações degradantes usando o Disque 100. “Esse é o meio mais
democrático, mas temos também a Comissão Pastoral da Terra, o Ministério
Público do Trabalho ou os próprios postos do Ministério do Trabalho nos
estados, basta discar 100 que um atendente especializado vai atender à
denúncia.”
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