Domingo, 1º de fevereiro de 2015
Da Tribuna da Internet
Carlos Newton
Sempre que muda o governante (em nosso caso, “governanta”,
como diz a comentarista Teresa Fabrício), sempre surge uma esperança de que as
coisas possam melhorar. É uma sensação contagiante, que ocorre até mesmo quando
se trata de uma simples reeleição. Na verdade, esse delírio coletivo funciona
nos mesmos moldes da chamada síndrome do Ano Novo, quando a maioria das pessoas
tenta acreditar que os problemas serão resolvidos só porque o calendário foi
renovado.
Nessas ocasiões, sempre lembro a letra que Milton Nascimento
colocou na música que Wagner Tiso compôs para tema do documentário “Jango”, de
Silvio Tendler. Milton adorou a criação do amigo, realmente uma música
lindíssima, e colocou uma letra genial. Nascia assim “Coração de Estudante”, a
canção preferida de Tancredo Neves, que acabou se tornando um dos hinos da
campanha Diretas Já.
“Quero falar de uma coisa, / adivinha
onde ela anda? / Deve estar dentro do peito / ou caminha pelo ar. / Pode estar
aqui do lado, / bem mais perto que pensamos, / a folha da juventude / é o nome
certo desse amor. / Já podaram seus momentos, / desviaram seu destino, / seu
sorriso de menino / quantas vezes se escondeu. / Mas renova-se a esperança, /
nova aurora a cada dia, / e há que se cuidar do broto / pra que a vida nos dê
flor e fruto. / Coração de estudante, / há que se cuidar da vida, / há que se
cuidar do mundo, / tomar conta da amizade, / alegria e muito sonho, /
espalhados no caminho, / verdes, plantas e sentimento, / folhas, coração,
juventude e fé”.
RENOVA-SE A ESPERANÇA
Neste reinício de governo, mais uma vez renovou-se a
esperança, e o sentimento coletivo ficou inteiramente voltado para o ministro
da Fazenda. De repente, Joaquim Levy foi transformado em gênio da Economia e da
Administração Pública, embora não tenha currículo para tanto.
Seu cargo mais importante foi de Secretário do Tesouro, no
início do primeiro governo Lula, quando a economia era conduzida, de fato, por
Henrique Meirelles. Depois disso, foi caindo de turma, como se diz na linguagem
turfística. Virou secretário de Fazenda do então governador Sérgio Cabral, o
que se tornou uma mancha em seu currículo, pois Levy esteve em Paris junto com
a “Turma do Guardanapo”. E acabou no quarto escalão do Bradesco, gerindo um simples
fundo de investimento. Ganhava muito bem, começou a se vestir impecavelmente,
com ternos e camisas sob medida, deu uma geral nos dentes e passou a exibir um
sorriso permanente.
Lula e Dilma tentaram desesperadamente um nome de prestígio.
Convidaram Meirelles, que disse “não”. Chamaram Luiz Carlos Trabuco, presidente
do Bradesco, que respondeu “nem pensar”. Ninguém quis aceitar, porque o cargo
de ministro é honroso, mas exige que se ature a governanta Dilma Rousseff, algo
inimaginável a qualquer economista de sucesso. A função de ministro só
interessa a quem esteja querendo engordar o currículo, como é justamente o caso
de Joaquim Levy e Nélson Barbosa, que assumiu o Planejamento.
Logo no primeiro mês de trabalho, os dois já tiveram de
provar do veneno. Barbosa foi desautorizado e humilhado pela presidenta, que
mandou que ele mudasse uma declaração e fez questão de espalhar na mídia que
estava “indignada” com ele. Depois foi a vez de Levy e a presidenta/govenanta
pegou leve, não deu a bronca publicamente, mas obrigou o ministro a se
desdizer. Até quando Barbosa e Levy suportarão esse clima, ninguém sabe.
“ESPÍRITO ANIMAL”
Levy está fazendo o que sabe: aumentar impostos e cortar
despesas. Com não tem autorização para reduzir ministérios, diminuir o número
de cargos em comissão nem suspender cartões corporativos, fez a governanta
Dilma cortar aleatoriamente as verbas de todos os setores, o que demonstra uma
colossal falta de visão administrativa e está destruindo a imagem do país no
exterior, através da penúria das embaixadas e consulados.
Desgraçadamente, não há motivos para se renovar a esperança
num governo que mantém duas inúteis Chefias de Gabinete da Presidência da
República em São Paulo e Belo Horizonte, com sedes, funcionários, carros
oficiais, mordomias e cartões corporativos. Nenhuma outra cidade do país tem
esse tipo de repartição pública, nem mesmo Rio de Janeiro, Porto Alegre,
Salvador ou Recife. Só existem duas Chefias de Gabinete fora de Brasília – uma
em São Paulo, criada por Lula para sustentar sua namorada Rosemary Noronha; e a
outra em Belo Horizonte, criada por Dilma para sustentar uma antiga companheira
de cela, chamada Sônia Lacerda.
Sônia Lacerda, a amiga que Dilma sustenta
NÃO HÁ ESPERANÇA
O sentimento de esperança renovada pode até existir, mas não
há fundamentos na realidade. O governo está desabando. Agora, o ministro
Joaquim Levy acaba de convocar o “espírito animal” dos empresários, em palestra
a uma seleta plateia de clientes do Bradesco, vejam só a coincidência.
“É preciso resgatar o espírito animal. […] Quando se abre a
jaula, poucos animais vão pular para fora sem antes olhar o ambiente. O nosso
dever é garantir esse ambiente”, disse o patético ministro, admitindo que, para
que os empresários voltem a investir, é preciso que tenham confiança na
economia, ou seja, no governo.
O fato é que Levy não sabe como retomar o crescimento
econômico. Se é assim, deveria então perguntar ao emérito professor Carlos
Lessa, mas o ministro não tem a humildade necessária. Está só engordando o
currículo.