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(Millôr Fernandes)

domingo, 30 de dezembro de 2018

Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) flagra o caos no Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo, em Taguatinga (DF)

Domingo, 30 de dezembro de 2018



Veja pontos do relatório da visita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura no Hospital  Psiquiátrico São Vicente de Paulo, Taguatinga, DF :

"Com uma passagem rápida pela enfermaria de internação masculina do Pronto Socorro, que pelos chãos dos corredores acolhiam em colchões sem lençóis vários homens - em sua maioria negros - a equipe do Mecanismo chegou ao portão de entrada da UPE""

"Ali já foi apresentada a imagem manicomial clássica: a contenção mecânica de três mulheres negras, que dormiam em macas, duas delas contidas pelos pulsos e pernas. A contenção da terceira era exclusivamente medicamentosa, o que pôde ser identificado por sua fala pastosa, com o relato doloroso de alguém que foi à instituição buscar uma receita médica e acabou sendo internada. As outras duas mulheres mostravam certa desorientação, ao mesmo tempo em que expressavam a violência sofrida, mostrando os punhos e os tornozelos avermelhados, em função da constância do movimento do corpo em luta contra a faixa que o continha. Já na ala feminina foi encontrada outra mulher contida." 

"As falas das mulheres negras encontradas amarradas demonstram uma parcela da histórica exclusão e abuso de poder sobre o corpo negro da mulher, que perpassa desde a imagem do uso da máscara de flandres até às internações indiscriminadas de mulheres que, em sua maioria também negras, eram enclausuradas nos espaços manicomiais com justificativas diversas, sendo uma das mais comuns o comportamento considerado inadequado socialmente. Essa conduta do poder médico-psiquiátrico depositou, em alguns casos por toda uma vida, incontáveis mulheres negras em locais como o Hospital Colônia de Barbacena/MG - não por acaso também chamado de colônia." 

"Algumas das narrativas das mulheres na Unidade de Procedimentos Especiais consistiram em denúncias sobre maus-tratos, como, por exemplo, a demora no atendimento ao pedido de acesso à água, bem como o fato de alguns enfermeiros atenderem sem crachá, o que impossibilitava denúncias contra profissionais identificados, quando, ao exemplo do que se constatou a partir de um dos relatos, tapam a boca das mulheres de forma agressiva, “para que parem de falar”."

"Como será apresentado, há graves e preocupantes violações de direitos humanos que ocorrem dentro da referida instituição, de modo que muitas (os) pacientes encontram-se expostas (os) à própria sorte do seu cuidado, permanecendo por vários momentos do dia trancadas (os) nas alas. Adiciona-se a diversas violações identificadas na instituição - a exemplo das contenções mecânicas, nas quais as pessoas ficam amarradas sem qualquer prescrição médica, o que pode configurar-se como prática de tortura – a precarização das condições sanitárias, uma vez que nem o documento básico para o seu funcionamento, que é o Alvará Sanitário, foi apresentado ao Mecanismo Nacional."

"Outro ponto de grave e emergente preocupação que será destacado nesse relatório é a privação de liberdade das pessoas supostamente internadas para tratamento, em total desconformidade com as legislações vigentes – o que levanta, como será observado, indícios robustos da prática de cárcere privado. Destaca-se que todas as pessoas atendidas pela instituição, que estavam internadas e que conversaram com a equipe do Mecanismo Nacional, disseram não querer continuar o seu tratamento ali, tendo seu desejo inviabilizado pela instituição."

"Faz parte do protocolo de inspeção do Mecanismo Nacional a requisição de diversos documentos à instituição, os quais serviram de base de análise para a elaboração desse relatório. Contudo, destaca-se, que foram poucos os documentos disponibilizados pela direção do hospital, o que contraria a prerrogativa do Mecanismo Nacional (Lei 12.847/2013, art. 10, II) e, também, revela o quanto a instituição é pouco transparente com as informações que deveriam ser de dimensão pública, principalmente no caso de uma inspeção."

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O que é o MNPCT


Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura - MNPCT. O MNPCT é parte integrante do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, de acordo com a Lei nº 12.847, sancionada no dia 2 de agosto de 2013. Sua instituição atende a compromisso internacional assumido pelo Estado brasileiro em 2007 com a ratificação do Protocolo Facultativo à Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações Unidas – ONU. Suas atividades compreendem, entre outras, visitar estabelecimentos de privação de liberdade, elaborar de relatórios circunstanciados e de recomendações, e requerer à autoridade competente instauração de procedimento criminal e administrativo mediante a constatação de indícios da prática de tortura e de outros tratamentos e práticas cruéis, desumanos ou degradantes.

A competência do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura está alicerçada no conceito de “pessoas privadas de liberdade”, definida pelo art. 3º da Lei nº 12.847/2013, a partir de um enfoque centrado na pessoa sob a custódia do Estado.

Art. 3º Para os fins desta Lei, considera-se: [...] II - pessoas privadas de liberdade: aquelas obrigadas, por mandado ou ordem de autoridade judicial, ou administrativa ou policial, a permanecerem em determinados locais públicos ou privados, dos quais não possam sair de modo independente de sua vontade, abrangendo locais de internação de longa permanência, centros de detenção, estabelecimentos penais, hospitais psiquiátricos, casas de custódia, instituições socioeducativas para adolescentes em conflito com a lei e centros de detenção disciplinar em âmbito militar, bem como nas instalações mantidas pelos órgãos elencados no art. 61 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.

Para as pessoas privadas de liberdade em razão da aplicação de sanção por infração penal, o Mecanismo Nacional adota os conceitos previstos na Convenção das Nações Unidas contra a Tortura, na Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura e na Lei nº 9.455/1997. 

O art. 1º da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura define a tortura como qualquer ato cometido por agentes públicos ou atores no exercício da função pública pelo qual se inflija intencionalmente a uma pessoa dores ou sofrimentos graves, físicos ou mentais, a fim de obter informação ou confissão, de castigá-la por um ato que cometeu ou que se suspeite que tenha cometido, de intimidar ou coagir, ou por qualquer razão baseada em algum tipo de discriminação. 

Já a Lei nº 9.455/1997, tipifica o crime de tortura, como a conduta de constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento psíquico ou mental com a finalidade de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceiros, de provocar ação ou omissão de natureza criminosa, ou em razão de discriminação racial ou religiosa. A lei brasileira define ainda como tortura o ato de submeter alguém sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Adicionalmente, o MNPCT adota a definição de tortura prevista no art. 2º da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Objetivamente, aplicam-se as definições de tortura previstas na legislação internacional e nacional e amplia-se a definição de tortura para considerar ações ou omissões de funcionários públicos ou de pessoas em exercício de funções públicas. Assim, tais atores, mesmo não causando sofrimento físico ou mental, cometem tortura quando desempenham: (i) métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, e (ii) métodos tendentes a diminuir capacidade física
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