Quinta, 13 de dezembro de 2018
Por Cláudio Alcântara
Músico e ex-diretor do Cine Clube Porta Aberta (Cine Itapuã)
Depois de muita conversa e ranger de dentes,
finalmente foi aprovado o projeto que institui a Lei de Uso e Ocupação do Solo
(LUOS), que tecnicamente é o instrumento complementar das políticas de ordenamento
territorial e de expansão e desenvolvimento urbano do Distrito Federal. Com a
finalidade de simplificar, a LUOS é a norma que estabelece o que pode ser
construído nos 365 mil lotes registrados em cartório e implantados e aprovados
pelo Poder Público nela previstos, não incluídos os imóveis cuja regularização
depende ainda do GDF ou de decisão judicial.
A LUOS possui mais de 100 artigos e uma infinidade
de anexos, mapas, quadros e tabelas. É tanta coisa que somente na Câmara
Legislativa foi necessário mais de um ano para ter a totalidade de sua análise
concluída e aprovada pelos distritais.
Em meio a essa imensidão de lotes nos ateremos a
dois que são na verdade duas joias para a comunidade gamense: o terreno da Casa
da Cultura e o outro onde se encontra instalado o Centro Cultural Itapuã (Cine
Itapuã), que no projeto de LUOS encaminhado à Câmara Legislativa pelo Governo
do Distrito Federal apareciam com parâmetros de uso e ocupação do solo
totalmente alterados e contrários aos interesses da cidade.
Casa
da Cultura
A Casa da Cultura do Gama foi criada pela Lei nº
1.840/1998 e prevista no art. 31 e no Anexo III da Lei Complementar nº 728/2006
(PDL Gama), possuindo inclusive pedra fundamental instalada há anos por
representantes do Poder Público e os artistas locais no local de sua
construção.
Porém, é necessário esclarecer que o movimento
cultural já lutava pela criação do espaço desde a década de 80, inclusive com a
elaboração do projeto de arquitetura, que teve os primeiros estudos realizados
(depois de muita luta) pelo arquiteto e urbanista Antônio Eustáquio dos Santos.
A versão final do projeto foi elaborada pelo saudoso arquiteto e artista
plástico, Ariomar da Luz Nogueira, conforme pode ser comprovado por meio da
maquete que teve a construção patrocinada pelo próprio artista e o
Administrador Regional do Gama à época, César Trajano de Lacerda.
O saudoso arquiteto e urbanista Ariomar da Luz Nogueira, autor da versão final do projeto da Casa da Cultura do Gama.
Arquiteto e urbanista Antônio Eustáquio dos Santos (segundo da esquerda para a direita, magro, cabelos longos). Discutindo sobre a Casa da Cultura do Gama com autoridades e pessoal da cultura
Com 2.400 metro quadrados, localizado no Setor Central do Gama,
o lote da Casa da Cultura é extremamente atraente aos olhos do mercado imobiliário.
Conforme os parâmetros de edificação constantes na proposta de LUOS elaborada
pelo GDF, poderia ser edificado nele um prédio de 23 metros de altura com 2
subsolos, ou seja, uma maravilha para os empreendedores imobiliários, uma vez
que no terreno havia a previsão para implantação de diversas atividades, menos
uma: a Casa da Cultura.
Entretanto, uma emenda apresentada pela deputada
Luzia de Paula ao projeto de LUOS, assegurou a preservação do lote da Casa da
Cultura, caso contrário, com as alterações dos parâmetros de uso e ocupação
propostas pelo GDF, havia o risco de ser edificado no terreno um arranha-céu
para abrigar empreendimentos comerciais e de prestação de serviços, além de
habitação multifamiliar. Felizmente a emenda pôs fim a esse desvario. Com isso,
o terreno da Casa da Cultura servirá para o desenvolvimento da arte e dos
artistas, e logicamente para atender ao clamor dos gamenses por acesso a
eventos artísticos produzidos ou exibidos em sua cidade.
Centro
Cultural Itapuã (Cine Itapuã)
Inaugurado em 28 de março de 1961, o Cine Itapuã
do Gama, então de propriedade da Empresa Cinematográfica Paulo Sá Pinto,
representou durante décadas a maior opção de lazer e entretenimento para a
sociedade gamense. O cinema funcionou sob o comando da empresa até 1986, ano em
que foi adquirido pelo Governo do Distrito Federal, que inclusive criou uma
linha de crédito com juros subsidiados no Banco de Brasília S/A (BRB) para os
lojistas instalados nas laterais do prédio, o que lhes permitiu, por meio de
empréstimos contratados junto a mencionada instituição financeira, adquirir as
lojas que ocupavam.
Ressalte-se que naquele ano de 1986 o Cine Itapuã
esteve na eminência de ser vendido para as antigas Casas da Banha, rede
supermercados que atuava em várias localidades do país, mas, graças ao trabalho
de mobilização da sociedade gamense coordenado pelo Cineclube Porta Aberta, o
espaço continuou destinado a arte, vindo em 1988 a ser reinaugurado sob a
administração do referido cineclube, que, por sua vez, mudou radicalmente a
programação cinematográfica, pois o cinema, em franca decadência, só exibia
naquela época filmes pornográficos. A entidade a partir de então passou a
exibir no espaço filmes de arte, inclusive a programação do Festival de
Brasília do Cinema Brasileiro, além de realizar o lançamento de longas
metragens que não entravam em exibição no circuito comercial.
Com relação a preservação do espaço e da história
do Cine Itapuã, encontra-se em vigor a Lei nº 5.616, de 26 de fevereiro de
2016, que “Declara o Centro Cultural Itapuã, na Região Administrativa do Gama –
RA II, patrimônio cultural material do Distrito Federal”, ou seja, não podia o
GDF por meio da LUOS ignorar a vigência
da referida norma, a qual é de grande relevância para a arte e a cultura
no Distrito Federal, especialmente para a arte produzida no Gama e região
lindeira, composta por Santa Maria, Novo Gama, Valparaiso e Luziânia.
Tal qual buscava fazer com o terreno da Casa da
Cultura, o GDF propunha transformar os parâmetros de uso e ocupação do solo do
lote do antigo Cine Itapuã para diversas outras atividades, com a sua total
descaracterização, possibilitando inclusive a sua demolição e a construção de
um edifício de até 5 pavimentos para instalação de atividades exclusivamente
comerciais em seu lugar. Isso só pôde ser evitado graças, mais uma vez, a uma
subemenda apresentada ao projeto de LUOS pela distrital Luzia de Paula, cujo
texto assegura perenidade para o espaço enquanto patrimônio cultural, da
seguinte forma: “Os parâmetros de uso e ocupação do solo referentes ao Lote 1
(cinema), da Praça 1, do Setor Leste, da Região Administrativa do Gama — RA II,
devem observar o que dispõe a Lei nº 5.616, de 26 de fevereiro de 2016, que
declara o Centro Cultural Itapuã patrimônio cultural material do Distrito
Federal.”
Deputada distrital Luzia de Paula
Últimas
considerações
As duas iniciativas exigiram energia e sabedoria
para a construção de acordos que resultaram na sua aprovação, com isso tanto o
terreno da Casa da Cultura quanto o do Centro Cultural Itapuã foram preservados
para a presente e futuras gerações de gamenses, cabendo agora a comunidade se
organizar e cobrar com veemência do Poder Público a construção de um e a
reforma do outro.
“É impossível construir uma nação intelectualmente
viável, progressista e justa sem passar pela preservação da sua cultura, com a
valorização de suas tradições, de sua história e de seu legado artístico. As
emendas por mim propostas caminham justamente nesse sentido, além de
possibilitarem que a comunidade do Gama construa um novo horizonte cultural
para si, mesmo porque é sabido que a grandeza de um povo deve ser medida pelo
tamanho de sua cultura. O povo do Gama é grande em sabedoria, e por isso merece
ter espaços adequados a sua produção artística/cultural; espaços que garantam
ainda receber espetáculos produzidos em outras localidades e que contribuam
para ampliar ainda mais o seu conhecimento e a sua inteligência cultural”,
afirma Luzia de Paula.
O projeto de LUOS aprovado na Câmara Legislativa
encontra-se na fase de elaboração da redação final, para posteriormente ser
encaminhado à sanção do Governador Rodrigo Rollemberg, que deverá fazê-lo até o
fim de dezembro, pois certamente não deixará uma proposta histórica dessa
magnitude ser sancionada pelo próximo governador.
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Recomendação do Gama Livre: Leia aqui postagem sobre o que o governo do DF pretendeu, em maio de 2018, fazer com o terreno da Casa da Cultura do Gama.
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Recomendação do Gama Livre: Leia aqui postagem sobre o que o governo do DF pretendeu, em maio de 2018, fazer com o terreno da Casa da Cultura do Gama.