Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Não podemos ficar calados

Quarta, 13 de outubro de 2010 
Por Ivan de Carvalho
    A advertência constitutiva do título acima foi feita pelo papa Pio XII – antecessor de João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II e Bento XVI – sobre uma “cultura de morte” que ele, já então, entendia estar sendo planejada e estimulada. A afirmação-advertência de Pio XII integra o documento apresentado em vídeo pelo arcebispo metropolitano da Paraíba, dom Aldo Pagotto, que busca mobilizar seus diocesanos para a luta contra o aborto, especialmente neste momento eleitoral. O arcebispo alveja nominalmente o PT (e implicitamente sua candidata, Dilma Rousseff) e o governo Lula, inclusive direta e duramente o atual presidente da República. E o faz numa arquidiocese geograficamente situada no coração eleitoral da candidatura petista.
    No próprio vídeo, o arcebispo da Paraíba pede aos seus diocesanos que o divulguem ao máximo, naturalmente, suponho, sob o lema “não podemos ficar calados”. A arquidiocese afirmou que não postou o vídeo no YouTube, mas ele está neste site da Internet desde domingo e vem sendo intensamente acessado, apesar de sua duração de 15 minutos.
    “A verdade nos salvará”, diz o arcebispo, baseado na promessa de Jesus aos seus seguidores – “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. E então, provavelmente inspirado na recomendação bíblica, neste caso encontrada no Antigo Testamento, sobre o testemunho da verdade – “Seja a tua palavra sim, sim, não, não” –, dom Aldo abre uma Caixa de Pandora.
     Dela, sai uma conspiração em nível mundial para a criação da “cultura da morte”, dentro de um conjunto de elementos dos quais ele destaca o aborto e, em plano de ainda não tão grande relevo, a eutanásia a ser praticada em indivíduos que, mesmo com boa saúde, já não contribuam para a produção. Melhor ver o vídeo para saber com mais detalhes e mais exatidão o que o arcebispo diz, com palavras de fogo, sobre o envolvimento do PT (para o qual, sustenta ele, o aborto é programa de governo) e do governo petista brasileiro com a Organização das Nações Unidas na ação pró-aborto. O arcebispo até pergunta quem financia essa coisa.
     Ele acusa, inclusive, tentativa legislativa – feita pelo governismo no Congresso Nacional – de liberar o aborto até o final da gravidez, ao eliminar o único artigo do Código Penal. E diz que o que se planeja para o Brasil também se planeja para “toda a América Latina”. A impressão que o vídeo do arcebispo deixa é a de que buscam-se caminhos sombrios e profundos abismos para reduzir a população mundial: matando os que vão nascer, convencendo aos que já não produzem a pedir para morrer, mas produzindo-se, aí sim, guerras, entre outras coisas.
    O arcebispo não usou meias palavras, não usou aquela linguagem floreada ou diplomática de que seus diocesanos devem votar em quem quiserem, segundo sua consciência, e que a Igreja e ele são neutros, mas os diocesanos devem examinar questões como a do aborto e outras para decidir o voto. Ele deu nome aos bois e disse por onde entende que os bois têm andado. “Seja tua palavra sim, sim, não, não”. Não quis ficar naquela categoria bíblica dos mornos: “Porque não és frio, nem és quente, mas és morno, eu te vomito da minha boca”.
    Claro, a opção do voto é o diocesano eleitor que vai ter que fazer, segundo seu direito e seu livre arbítrio. O arcebispo já está fazendo a parte dele.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.