Sábado, 21 de maio de 2011
Da Agência Brasil
Alex Rodrigues - Repórter
O consórcio Norte Energia S.A, responsável pela construção
da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, está sendo acusado de intimidar
agentes do Poder Judiciário contrários ao início das obras. Entidades
brasileiras de direitos humanos encaminharam a denúncia à Relatoria
Especial para a Independência e Autonomia Judicial da Organização das
Nações Unidas (ONU).
Segundo as entidades que assinam o ofício enviado ontem (20) à relatora
especial, a brasileira Gabriela Carina Knaul de Albuquerque, a empresa
está pressionando funcionários da Justiça que defendem as medidas
necessárias para prevenir ou amenizar os impactos ambientais decorrentes
da obra.
A denúncia foi motivada pela representação feita pelo consórcio contra o
procurador Felício Pontes Júnior no Conselho Nacional do Ministério
Público. A empresa pede que Pontes seja afastado do acompanhamento do
assunto. O motivo é a publicação pelo procurador, em um blog, de informações e considerações pessoais sobre os processos judiciais envolvendo o projeto de construção da usina. O blog (http://belomontedeviolencias.blogspot.com) pode ser acessado a partir do próprio site do Ministério Público Federal no Pará (www.prpa.mpf.gov.br). Na representação, a Norte Energia pede que o link seja retirado do site institucional.
“Compreendemos que essa representação disciplinar e o requerimento de
censura constituem nova intimidação às funções da Justiça, o que
configura reiterada afronta à autonomia e independência do Ministério
Público Federal no Pará e de seus procuradores no exercício de suas
funções”, sustentam as 14 organizações que assinam a denúncia, entre
elas a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Justiça Global, o Conselho
Indigenista Missionário (Cimi) e o Movimento Xingu Vivo para Sempre,
que, sozinho, representa cerca de 250 entidades sociais e ambientalistas
da região de Altamira e das áreas de influência do projeto da
hidrelétrica.
Os movimentos sociais lembram que, desde o ano passado, vêm alertando a
ONU e demais autoridades sobre as tentativas do consórcio e do próprio
governo federal de inibir a atuação independente dos procuradores do
Ministério Público Federal no Pará.
Composta por empresas estatais, privadas, empreiteiras, fundos de
pensão, fundos de investimento e consumidores, a Norte Energia disse que
não vai comentar o assunto. Já o procurador da República no Pará,
Ubiratan Cazzeta, disse desconhecer o teor da denúncia, mas reconheceu a
existência de episódios, inclusive envolvendo a Advocacia-Geral da
União (AGU) que, segundo ele, “não podem ser considerados normais em uma
discussão judicial”.
“É natural que uma obra complexa como essa gere momentos de tensão, com
visões distintas, mas o que houve de peculiar foi a manifestação [em
2010] do advogado-geral da União ameaçando propor ações de improbidade
contra membros do ministério por eles terem movido ações contra [a
concessão do] licenciamento [prévio], sob a alegação infundada de que
eles estariam defendendo interesses pessoais e não atuando como agentes
do Estado”, afirmou Cazzeta à Agência Brasil. Segundo ele, as ações acabaram não sendo impetradas, mas isso gerou pressão por meio da imprensa e de notas oficiais.
Para o procurador, o argumento da Norte Energia de que Felício Pontes
Júnior defende causa pessoal ao divulgar sua opinião em artigos
publicados no blog reproduzido no site do ministério é infundado.
“O blog reproduz o entendimento de um dos membros do
ministério que retrata o que, em diversas fases ao longo dos últimos dez
anos, caracteriza uma violência a diversos direitos básicos da
sociedade brasileira. Não há, portanto, uma distorção ou o uso de um site público”, concluiu Cazzeta.
Em fevereiro de 2010, dois dias após o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ter concedido a
licença prévia autorizando a realização do leilão de concessão, membros
do MPF no Pará anunciaram que, se necessário, processariam os técnicos
do instituto que assinassem o documento. A AGU, então, decidiu entrar
com uma representação no Conselho Nacional do Ministério Público contra
os procuradores e ameaçou ajuizar ações de improbidade administrativa
contra os membros do Ministério Público que “violando seus deveres
legais, abusassem de suas prerrogativas por meio de ações sem
fundamento, destinadas exclusivamente a tumultuar a consecução de
políticas públicas relevantes para o país”.
Procurada pela reportagem, a AGU, por meio de sua assessoria, informou
que não iria se manifestar a respeito das declarações de Cazzeta.