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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 17 de maio de 2011

Pensamento negativo


Terça, 17 de maio de 2011
 Por Ivan de Carvalho
O senador Pedro Simon, do PMDB do Rio Grande do Sul e, em que pese seu histórico de seriedade política, o mais falastrão e histriônico integrante do Senado Federal (não estou contando com o senador Suplicy, porque ele é “hors concours” e nem com sua ex-mulher, Marta, porque ela ainda não teve tempo de dizer no Senado coisas espantosas como algumas que disse fora), censurou ontem o vice-presidente da República, Michel Temer, ex-presidente do PMDB e da Câmara dos Deputados, por haver supostamente falado o que não devia.
            O que Temer falou? Ele apenas disse, no começo do mês, que vê “dificuldades” para a aprovação da reforma política neste ano pelo Congresso Nacional. A reforma política é tema recorrente e ultimamente permanente na política nacional. Quase todo mundo diz que a deseja, mas todo mundo está em desacordo quanto ao que ela deve ser – ou pelo menos quanto a seus pontos mais essenciais.
            Para maior clareza, uma reforma política de verdade não é um abacaxi. É algo muito mais espinhoso para os políticos, os partidos e o Congresso, principalmente para a Câmara dos Deputados. E isto por uma razão fácil de entender – é pelo sistema político vigente que foram construídos os partidos, eleitos os deputados e senadores, constituída a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.
            Então, como imaginar que não existam imensas dificuldades para que partidos, deputados e senadores cheguem a um consenso ou pelo menos a uma sólida maioria capaz de reformar para valer o sistema político que os serve? Está correto e é até moderado, portanto, o vice-presidente Michel Temer ao comentar que vê “dificuldades” para a tramitação da reforma este ano no Congresso. Ele é realista.
            Mas é que o senador Pedro Simon acredita (eu também acredito, gostaria de praticar mais) no poder do pensamento positivo. E, consequentemente, da palavra. Daí, ensina que seria melhor se Temer “tivesse ficado calado” e completa: “O triste é a falta de otimismo”, disse Pedro Simon ontem no plenário do Senado: “O vice-presidente da República já disse que acredita ser muito difícil fazer as reformas neste ano. Eu acho que sua excelência poderia muito bem ter ficado calado ao invés de dar essa afirmativa. Nós todos sabemos que, se a reforma política não sair neste ano, ela não sai mais”.
            Isso é verdade. Em cada cem políticos, cem estão convencidos de que, se a reforma política não for feita este ano (e nenhum de cada cem está imaginando uma reforma profunda, mas uma reforma superficial e pontual, sendo que uma grande parte imagina alguns pontos realmente repugnantes, como o voto em lista e o financiamento público das campanhas eleitorais), ela não acontecerá mais durante a atual Legislatura, que termina em 31 de janeiro de 2015.
            Mas, voltando ao senador Simon, qual será a razão que o faz defender tão acaloradamente o otimismo, “o poder do pensamento positivo” – título de um dos primeiros livros que li sobre o poder da mente – e a exorcizar o pessimismo realista de Michel Temer?
            É que, ao acreditar na força do pensamento positivo, Simon tem que admitir a força igual e contrária que a física – caso já houvesse feito a escalada à esfera mental – identificaria no pensamento negativo. Quer dizer, vendo e apregoando dificuldades, Temer, mesmo sem querer (e quem sabe se ele não quer?) já estaria jogando areia no brinquedo, perdão, na tal reforma.
            E Simon fica aflito.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.