Sábado, 28 de maio de 2011
Por
Juliano Medeiros*
Desde o
final do ano passado, um dado vinha me intrigando. Só agora, com as denúncias
envolvendo o ministro da Casa Civil, os números passaram a fazer sentido. Em
dezembro foram divulgadas as prestações de contas dos candidatos à Presidência
da República. Segundo as informações apresentadas pelas coligações à Justiça
Eleitoral e amplamente divulgadas pela imprensa, tanto Dilma quanto José Serra
receberam grandes somas dos principais grupos econômicos do país. Entretanto, a
origem dos recursos recebidos por ambos é levemente distinta.
Dilma foi
financiada principalmente por empreiteiras e construtoras, largamente
beneficiadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. Mais de 25% de
suas doações vieram de empresas como Camargo Corrêa, OAS e Queiróz Galvão. Em
seguida, aparecem empresas do ramo do agronegócio. A maior doação de toda a eleição
veio da JSB Friboi, que investiu mais de R$ 10 milhões na campanha da petista.
Essas empresas, como é de conhecimento público, têm acesso a grandes
financiamentos junto ao BNDES e se beneficiaram durante todo o governo Lula de
uma política econômica favorável a seus interesses. Portanto, nada mais natural
que na eleição demonstrassem sua gratidão.
A candidatura de Serra, por sua vez, teve como principal
fonte de doações o sistema financeiro. Seu principal doador foi o Unibanco (R$
4 milhões), seguido por outros agentes de crédito, bancos e similares. Os
bancos também estão entre os mais generosos doadores da campanha de Dilma,
demonstrando que o sistema financeiro não vê grandes diferenças entre os dois
projetos. Ao contrário, o número de doações de empreiteiras e construtores para
a campanha de Serra é muito menor em comparação com a campanha de Dilma.
Em geral os grandes grupos econômicos que optaram
por realizar doações para ambas as candidaturas deram a elas um tratamento
minimamente isonômico, dividindo por dois os recursos entre Dilma e Serra.
Apenas alguns poucos dentre esses doadores preferiram deixar clara sua opção
por um em detrimento de outro. Foi o caso da gigante do aço Gerdau, que doou R$
3 milhões para Serra e apenas R$ 1,5 milhão para Dilma. Portanto, não é uma
simples ironia do destino o fato de Dilma ter convidado recentemente o líder o
grupo, Jorge Gerdau Johannpeter, para coordenar em seu governo a implantação do
novo modelo de gestão pública, inspirado na administração privada.
Assim, a análise a ser feita, e que volta a
aparecer em algumas formulações sobre o caráter do governo Dilma, é que as
frações da burguesia – considerando-se que ela não é um bloco monolítico cujos
interesses fluem sempre num mesmo sentido – se dividiram claramente nas últimas
eleições entre Serra e Dilma. Uma parte, a burguesia agroexportadora, assumiu
seu compromisso com a reeleição do projeto liderado pelo PT. Nesse bloco estão
empreiteiras e construtoras, os barões do agronegócio, a indústria da
mineração, siderurgia e petróleo, entre outros. Outra parte, representada
principalmente pelo capital financeiro, se dividiu entre Dilma e Serra, com uma
indisfarçável preferência pelo segundo.
É essa a principal informação que a prestação de
contas das duas principais candidaturas presidenciais nos forneceu desde
dezembro: a disputa entre os blocos de poder hoje se dá em torno da busca de
aliados no campo da burguesia.
Essa conclusão nos ajuda a entender as opções de
Dilma nos seus primeiros meses de governo. A privatização dos aeroportos, a
alta dos juros e a preocupação com a inflação, a sinalização de uma profunda
reforma administrativa e os cortes de R$ 50 bilhões do orçamento tem um
objetivo claro: ganhar definitivamente a confiança do capital financeiro e
tornar o projeto de conciliação de classes liderado pelo PT unanimidade entre a
grande burguesia.
Até o momento, Dilma e seu governo tem tido sucesso
em sua empreitada: os analistas vinculados ao grande capital estão eufóricos
com as primeiras medidas. Na edição da revista Exame deste mês, por
exemplo, a privatização dos aeroportos é saudade como o início do “fim da
ideologia estatista” no Brasil. Da mesma for ma, ficarão gravados nos anais do
jornalismo econômico e político os afagos de Miriam Leitão e Arnaldo Jabor ao
novo governo, cobrindo Dilma de elogios.
A questão, essa sim menos simples, é onde entra
Palocci nisso tudo. O ministro é peça chave nesse esquema. Tem relações
privilegiadas no sistema financeiro e entre os principais grupos econômicos do
país. É um dos fiadores do compromisso do governo com a estabilidade econômica
e o principal articulador político da manutenção dessa estabilidade. Mas antes
de tudo, Palocci é um soldado deste projeto. As denúncias de enriquecimento
duvidoso envolvendo o ministro e sua empresa, a Projeto, tem origem no papel
que Palocci ocupa nesse intrincado arranjo.
Segundo as notícias que têm sido veiculadas, a
Projeto arrecadou cerca de R$ 10 milhões em apenas dois meses, coincidentemente
logo após a campanha de Dilma. Vale lembrar que o PT anunciou uma dívida de
mais de R$ 20 milhões em sua prestação de contas. Logo, parece evidente que o
caso não se trata apenas de tráfico de influência entre a esfera pública e
privada – o bom e velho lobby – mas de um esquema de captação de
recursos por fora da contabilidade oficial da campanha. Longe de ser um
“aloprado”, Palocci era um canal confiável para uma operação deste tipo.
De qualquer forma, seja qual for o papel de
Palocci e da Projeto no esquema que ora começa a ser desvendado, é evidente que
o governo jogará a vida para salvar o ministro: ele é o homem forte da tática
de diálogo com os poucos setores da burguesia que ainda resistem ao projeto do
governo. Esse é o papel de Palocci, por isso o governo o protegerá até onde
puder. Ele é peça chave em sua nova estratégia.
Por sua vez, a mídia monopolista e a oposição
conservadora, comprometidas em preservar os interesses de muitos atores
envolvidos, não poderão chegar à raiz dos fatos. Tratarão de proceder a uma
condenação moral de Palocci, mantendo o governo refém da instabilidade política
com a qual a burguesia consegue sempre arrancar mais e mais concessões do
governo. E a análise do sentido das movimentações de Dilma e Palocci, desde a
campanha até agora, passarão batido.
Caberá àqueles que compreendem a íntima relação
entre doações de campanha, compromissos políticos e projetos de poder, fazer
esta denúncia nos termos adequados.
*Juliano Medeiros