Quarta, 17
de junho de 2015
Da Tribuna da Imprensa
Da Tribuna da Imprensa

Do DCM
Por Kiko
Nogueira*
Bem que Brizola
avisou
Em dezembro de 1998, ele e Anthony Garotinho, então
governador do Rio, tiveram uma briga em torno da escolha do secretariado.
Dizia uma matéria da Folha: “Brizola não aceita a
indicação do ex-presidente da seção fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil
Sérgio Zveiter para secretário de Justiça, nem a de Eduardo Cunha, presidente
da Telerj no governo Collor (90-92), para a Habitação.”
A questão envolvendo Cunha era, para começar, o
desconforto pelo fato de ele ter sido presidente da Telerj por obra de Fernando
Collor.
Cunha era uma indicação de um deputado federal evangélico
chamado Francisco Silva, que apoiou Garotinho na campanha. Dono da rádio
Melodia, do Rio, Silva fez fortuna produzindo o inesquecível Atalaia Jurubeba,
beberagem para o fígado.
Foi ele quem levou Cunha para os cultos da igreja Sara
Nossa Terra há 20 anos, introduzindo-o no pentecostalismo (hoje o presidente da
Câmara é membro da Assembleia de Deus em Madureira, maior e mais influente). EC
ainda faz inserções diárias na Melodia, encerradas com o bordão “afinal de
contas, o povo merece respeito” (rs).
De volta: em 2000, o aparelhamento evangélico no Rio de
Janeiro chamou a atenção de Brizola. “O governo tem de ser mais discreto, está
vivendo um protestantismo exagerado”, declarou.
Brizola estava incomodado com a Cehab, comandada por
Cunha, dona de um dos maiores orçamentos do governo fluminense. Organizou um
abaixo assinado pedindo o afastamento de Eduardo Cunha “devido à má-gestão e
também aos seus antecedentes”, de acordo com outra reportagem da Folha de
S.Paulo.
Seu descontentamento incluía o subsecretário do Gabinete
Civil, uma figura chamada Everaldo Dias Ferreira — que viria a se transformar
no Pastor Everaldo, aquele que formou com Aécio Neves uma das duplas mais
desprezíveis das corridas eleitorais em todos os tempos. Everaldo era ligado à
vice-governadora Benedita da Silva, do PT, também evangélica.
“Qual a legitimidade de tantos pastores no governo? Quem
são esses pastores da Benedita?”, dizia Brizola. “Vivem posição ambígua, se
queixam de tudo, começam a fazer denúncias, mas não deixam os cargos que
ocupam. Ora, se o caminhão tá ruim, é só pedir para desembarcar.”
Cunha deixou o cargo naquele ano, após denúncias de
irregularidades em licitações. Os processos abertos no Tribunal de Contas do
Estado foram arquivados em 2004 e reabertos em 2012.
Brizola enxergou a ocupação evangélica e os monstros que
se criavam. O capeta quis que Cunha se tornasse, 15 anos depois, o messias do
fundamentalismo religioso no Brasil. Morto em 2004, Leonel Brizola escapou de
testemunhar o país ser subjugado por um exército de fanáticos de ocasião.
*Diretor-adjunto do
Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de
redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação
da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.