Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 22 de junho de 2014

10 Anos sem Brizola

Domingo, 22 de junho de 2014
Por João Vicente Goulart
Hoje [21/6] sem dúvidas é um dia para lembrar.
Para lembrar-nos de lutas libertarias, de igualdade, de educação, de soberania e de distribuição de oportunidades e de tantos outros valores que estamos carentes no dia a dia, dez anos depois da partida do Governador Leonel Brizola para junto dos mártires da República.
Hoje sem dúvidas é um dia de reflexão em torno de nossa cidadania, de nossa brasilidade, de nosso destino e por que não de nosso futuro que não deixa lugar ao desprendimento da alma que foi impressa em Leonel, em favor dos injustiçados e dos excluídos.
Em pleno ano de Copa, de eleições e de avanços o seu exemplo nos incumbe de erguermos a memória para com a obrigação de nossa reflexão,  de nossa conduta, de nossas aspirações, e de não trair o destino utópico dos sonhos pelos quais imaginamos um Brasil mais justo, socialmente mais digno e capitalisticamente mais distributivo, enquanto não chegamos ao final do caminho brasileiro para o socialismo.
A sua garra e sua confiança deveria hoje em nós seguidores da utopia, do trabalhismo, do nacionalismo sentirmos dignos do debate ideológico, partidário, orgânico e doutrinário, servir como fonte de combustível para seguirmos adiante.
Mas estamos perdidos como uma tropa sem sinuelo, estamos vagando na inocência eleitoral como um camoatí de arrasto para dentro de uma casa que não é nossa, pois só é nosso aquilo que é de todos, aquilo que não é exclusivo, aquilo que a ninguém pertence, como a nossa luta, como o espírito do líder.
Onde quer que esteja olhando pelo Brasil, não chore.
A luta não acabou...
João Vicente Goulart. [Presidente do Instituto João Goulart]
Fonte: Tribuna da Internet 
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O frio da saudade, o calor da lembrança e a chama para prosseguir

21 de junho de 2014  Autor: Fernando Brito
mortbrizola

O diabo do tempo é que a gente pensa que escapa dele e ele, sem-vergonha, nos pega ali adiante.
Eu teria me avisado disso, se soubesse quando era jovem.
E é provável que eu, jovem, não desse a menor bola para o aviso.
Só quando a gente envelhece começa a prestar alguma atenção nestas coisas de datas, como a de hoje, em que se completam dez anos da morte de Leonel Brizola  e dos 23 anos em que aquele guri que o interpelou, cheio de pretensão, numa reunião política num modesto apartamento na Rua Cabuçu, no Lins de Vasconcellos , um subúrbio do Rio de Janeiro.
Curioso, são estas cenas que me vêm, quando relembro.
Aquela, simples, do – para nós –  com “o velho” que tinha a idade que tenho hoje, quase.
E a final, do dia em que soube da sua morte, na véspera da morte oficial, na segunda-feira, 21 de junho.
Porque foi na véspera que percebi sua morte, nos sinais inequívocos do fim que  o convívio íntimo e intenso me anunciaram também com meu avô e minha mãe antes que os médicos o dissessem.
A forma com que nos despedimos – ele, acamado, erguendo o tronco para apertar com as duas mãos a minha mão de adeus – e sua insistência para que eu não deixasse de vir, no dia seguinte, avisaram-me e eu retransmiti em casa:
- Preparem-se, o Brizola vai morrer, e não demora.
Entre uma e outra imagem, um quarto de século dentro da história de meu país.
Não é o caso de repassá-lo, aqui, cada um pode recordar e imaginar o que separa a ditadura militar da eleição de Lula.
Hoje é dia, apenas, de dizer o possível daquela experiência de vida, que é minha própria vida, porque a intimidade tem recatos difíceis de vencer e impossíveis de trair.
Do líder político, de seus acertos e erros, é ocioso e temerário que eu fale.
Porque não vou louvar os primeiros e muito menos condenar os equívocos.
Sou irreversivelmente parcial quando se trata dele.
Direi apenas que Brizola deu-me, ao longo de brigas e discussões que nunca terminaram nem em capitulação nem em rompimento, alguns critérios na política.
O primeiro é o do velho gauchismo da “honra e da dignidade”. Não as entregue a ninguém, não as tome de ninguém.
É curioso, porque as pessoas têm de Brizola a imagem de autoritário e turrão – e volta e meia ele era, mesmo -, mas foi com ele  (e com o tempo)  que aprendi a ser tolerante e a jamais odiar as pessoas, mesmo detestando suas ideias e atos.
O segundo, que está lá em cima, na testa deste blog, é o de nunca abrir mão da polêmica. Como ele dizia, “não somos todos ovelhas bem branquinhas e mansas”.
Porque é a polêmica que politiza o povo, que o faz tomar partido, que filtra, pelo debate, o que é bom e ruim, adequado ou inadequado.
O “pensamento único” que vivemos ao longo dos anos 90 e o “diktat” da mídia mostram que, sem isso, o que sempre prevalece é o conservador, o elitista, a pior corrupção que há,  pior que a  do dinheiro, a do espírito.
Contra esta, mais um princípio, o da austeridade.
Engraçado, também, que a imagem que se espalhou de Brizola, a de fazendeiro rico, era o inverso de sua realidade, embora é claro que ele não fosse pobre.
Mas não apenas era um pão-duro proverbial como, no exercício da função política, um homem de imensa austeridade.
Pequenos detalhes, pequenas cenas o revelavam sempre, desde não servir uísque e dar exclusividade aos vinhos nacionais no Palácio Guanabara, nos eventos de governo quanto na insólita situação que vivi com ele quando, convidado para gravar o programa de Henry Maksoud, abriu mão do velho e mofado Hotel Jaraguá, em que sempre ficávamos quando íamos a São Paulo.
Afinal, era grátis no Maksoud Plaza, onde ele entrou meio acabrunhado, olhando aquela escultura-troço que vinha lá da imensidão da altura, rumo a uma suíte presidencial que lhe havia sido reservada. Quando entramos no apartamento, com um carpete  que, de tão alto, quase fazia desaparecer os sapatos, ele anunciou que iríamos para o Jaraguá.
Tanto tapete, disse-me , acabava por amaciar um homem.
Peço que me desculpem se falo dos reflexos meramente pessoais em mim de um homem que fez parte da História, porque disto é sempre tempo de falar (e lembrar do que deixou de ensinamentos) na política.
É que hoje é um destes dias em que me encontro com o tempo e os espelhos.
E que me dou os avisos que, em outra época, não escutaria.
Dia de vestir um velho casaco de brim, que ele esqueceu num estúdio, numa gravação e eu surrupiei, confessadamente, há 14 anos.
Desbotado, puído, mas bom para proteger a gente do frio do tempo da saudade.
E manter, guarda-fogo, uma chama que precisa seguir acesa.