Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 22 de junho de 2014

Um ano

Domingo, 22 de junho de 2014
Galeano [Eduardo Galeano] diz que na  América Latina, a liberdade de expressão consiste no direito ao resmungo em algum rádio ou em jornais de escassa circulação.
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Mascarados são a pedra no sapato da elite brasileira
 
Jornal do Brasil
Mônica Francisco *
Mônica FranciscoUm ano se passou desde as grandes manifestações e passeatas, onde toda a indignação represada por tantos anos foi capitaneada pelo Movimento Passe Livre, e levou o povo às ruas, estimulando e mobilizando milhares de brasileiros e brasileiras. Eles gritaram e apresentaram aos compatriotas e ao resto do mundo a "inédita" capacidade de se indignar. A surpresa misturada à incredulidade marcava a ruptura com a tão proclamada docilidade brasileira, que reza a lenda beirava a passividade. Enfim, chegamos até aqui.

As "denúncias" das ruas continuam as mesmas, as manifestações arrefeceram, sim, não devido a um desgaste ou volta ao "estado inicial" anterior às manifestações. Não. A capacidade repressiva do estado contra seus cidadãos é algo muito eficaz nos componentes deste arrefecimento.


Somem-se a isto a cobertura extremamente questionada e questionável de parte da mídia em relação a determinadas situações em que excessos cometidos pelas forças de segurança empregadas no acompanhamento das passeata, provocações, enfim, atitudes reprováveis e compartilhada por centenas e centenas de pessoas, como o episódio da perseguição até a Glória de manifestantes, deixando um rastro de violência contra pessoas que estavam nas ruas, pontos de ônibus e bares, foram minimizadas, e a indignação da população criminalizada todo o tempo.
 
Galeano diz que na,  América Latina, a liberdade de expressão consiste no direito ao resmungo em algum rádio ou em jornais de escassa circulação. E é isso que está sendo subvertido, e é justamente isso que atemoriza, causa espécie, mal-estar.

A mídia alternativa que cresce ao status de oficial para aqueles que acompanhavam full time, on line, todas as manifestações espalhadas pelo país, entrevistas, concentrações, arbitrariedades, fizeram a ordem estabelecida balançar na cadeira em todas as esferas da sociedade.

As múltiplas pautas saíram do foco, com a desculpa de que por serem muitas não atingiriam seu intento, por serem muitas confundiriam os que as tentariam inserir na agenda política. Sem contar a promoção dos black blocs a maior mal do imberbe século XXI, o que juntamente com as máscaras do personagem principal do filme V, se tornaram a principal pauta dos maiores veículos de mídia do país.

As questões mais urgentes foram trocadas por ininterruptas discussões sobre os "mascarados", leis para contê-los, impedir seus usos, porque manifestante que é manifestante vai de cara limpa. Criando até um tipo ideal de manifestante. Sem contar a possibilidade de criação de um manifestódromo. Pois é!

Para os que ainda não conhecem, acho que vale a pena dizer ou melhor escrever, que V, tenta se vingar em uma sociedade totalitária, daqueles que o desfiguraram e é perseguido por um detetive que tenta impedi-lo a todo custo de iniciar uma revolução.

Acho que por isso a máscara ou os mascarados são a pedra no sapato da elite brasileira, porque diz a ela que aquilo que fizeram não ficará impune, ainda que tentem e envidem todos os esforços para deter o inevitável. Por tanto tempo fomos dilacerados, marcados, torturados e expostos aos maiores descalabros em relação aos direitos sociais.

Temos um número assustador de mortes de indivíduos que compõem a população que forma o maior contingente da nação, os negros e negras e pessoas não brancas, onde os jovens negros são as maiores vítimas desta tragédia. 

Temos uma saúde débil, uma educação em colapso, professores tratados de forma aviltante, uma segurança que protege a propriedade e viola o humano, uma sociedade que ainda tem na sua essência sanha senhorial e escravagista de sempre, uma sociedade que tolera a pena de morte velada imposta aos mais pobres e vulneráveis.

Uma população carcerária que é a quarta do mundo, uma epidemia de crack, uma população de sem-teto e em situação de rua que só faz crescer, uma demanda por saneamento, terra, sem contar na situação da população indígena.

E acho que ainda teremos muitas ruas a percorrer. Mas podemos começar a fazer a mudança nas urnas. Por enquanto é lá que podemos de fato gritar de forma a sermos realmente ouvidos(as).

"A nossa luta é todo dia e toda hora. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!"

*Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.