Sábado, 28 de junho de 2014
O SPressoSP teve acesso à íntegra de um
interrogatório feito com um manifestante no qual se pergunta até a sua
orientação política. “Este tipo de perseguição estatal atenta contra o
direito a livre expressão e reunião”, alerta jurista Pedro Serrano
Por Igor Carvalho
Do spressoSP
Integrantes de movimentos estão sendo intimados a comparecer ao
Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) para prestar
depoimento. O motivo é o inquérito 01/2013, que de tamanho grau de
exceção é o primeiro e único com esse caráter, como indica o número.
Criticado por juristas, o “Inquérito Black Bloc”, como ficou
conhecido dentro da Secretaria de Segurança Pública (SSP), afiançadora
da investigação, é uma tentativa de punir, em especial, integrantes do
Movimento Passe Livre (MPL) por uma conduta coletiva, ao invés de apurar
os delitos individuais entendidos como “vandalismo” praticados nas
manifestações.
O SPressoSP teve acesso, com exclusividade, ao
interrogatório preparado pelos investigadores do Deic. 22 integrantes do
MPL já foram intimados a depor cinco vezes. Porém, fizeram uma opção
“política” por manter o silêncio, entendendo que o inquérito é ilegal.
Na última terça-feira (24), o secretário de Segurança Pública, Fernando
Grella, afirmou que os manifestantes serão forçados a depor e ameaçou
levá-los ao Deic forçosamente.
O depoimento prestado por um dos manifestantes intimado tem uma
declaração padrão para todas as perguntas, identificada na transcrição
apenas como: “Não deseja responder”.
Abaixo, algumas perguntas do longo interrogatório:
Já participou de outras manifestações?
Qual seu objetivo nessas manifestações?
Participou de outros eventos que resultaram em quebra-quebra?
Qual seu objetivo nessas manifestações?
Participou de outros eventos que resultaram em quebra-quebra?
Como estava trajado no dia da manifestação?
Você tem perfil no Facebook ou outro meio similar de comunicação disponível na internet, redes sociais ou e-mail?Você é um Black Bloc? Por quais motivos?
Qual o objetivo e propósito dessas pessoas (Black Blocs)?
Como funcionam as manifestações?
Existe algum partido político envolvido ou que custeia o movimento?
Você é filiado a algum partido? Qual?
Existe algum lugar onde os senhores se concentram para deliberar sobre as ações do grupo?
Conhece as pessoas citadas na reportagem da revista Época de 11/11/2013?
Recebeu algum treinamento para confronto com policiais?
Criminalização
Para o advogado e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa
(IDDD), Hugo Leonardo, o interrogatório “já parte da criminalização de
um determinado grupo”. “Acho muito grave que sejam perguntas pessoais, e
não atreladas aos fatos que a polícia queira investigar. Dentro dessa
inquirição pessoal, o que chama a minha atenção é que no limite das
questões pessoais, há uma clara abordagem voltada para a vida política
das pessoas.”
O diretor do IDDD alerta que o tipo de questões elaboradas para o
interrogatório não são comuns. “Me causa estranheza serem perguntas
genericamente formuladas para um grupo de pessoas. Não é comum o rol de
perguntas já pré-estabelecido para um grupo de pessoas”, afirma
Leonardo.
O tom político, explícito nas perguntas, preocupa o professor de
Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano. “Este tipo de
perseguição estatal atenta contra o direito a livre expressão e
reunião”, alerta o jurista. Serrano alertou para o perigo de haver uma
criminalização “de uma conduta política legítima dos movimentos
sociais”. “Nesse sentido, em meu entender, a simples existência desse
inquérito caracteriza constrangimento ilegal a direitos fundamentais de
pessoas.”
Sobre a criminalização, Leonardo acredita que ela é possível a partir
da elaboração de um perfil que identificaria, segundo a SSP, quem se
enquadra na conduta condenada pela secretaria. “Você tem toda essa
pré-concepção já feita, antes das pessoas se apresentarem, e
naturalmente há um sentido ideológico de buscar enquadrar determinada
atitude que possa ser vista como criminosa.”
Para Serrano, a democracia “só se realiza através da existência livre
de movimentos sociais”. Ainda na linha da politização do inquérito,
Leonardo pergunta: “Qual o viés ideológico que está sendo perseguido
pela investigação?”
Confira imagens da transcrição do interrogatório:
[Dê um clique sobre as imagens para ampliá-las]
Página 1 do interrogatório