Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 22 de julho de 2020

A Escola Superior de Guerra

Quarta, 22 de julho de 2020
Música incidental para ouvir, enquanto lê o texto:
CALABOUÇO — Sérgio Ricardo



Por
Salin Siddartha


Criada em 1949, e comandada por oficiais-generais das três Forças Armadas, a Escola Superior de Guerra-ESG é uma das quatro principais instituições de estudo sobre a defesa no País, ao lado da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército-ECEME, Escola de Guerra Naval-EGN e Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica-ECEMAR.
É um instituto de altos estudos e pesquisas no campo da defesa e segurança nacional que tem a finalidade de articular e consolidar conhecimentos de política, estratégia e defesa, voltados ao exercício das funções de assessoramento e planejamento no âmbito do Ministério da Defesa, a quem se subordina. Configura-se como um instrumento de relação orgânica entre setores militares e classes dominantes, entre o coletivo militar e outros estamentos do aparelho de Estado (magistrados, políticos, educadores, embaixadores – numa direção política e burocrático-administrativa), com o objetivo de promover desenvolvimento econômico capitalista dirigido pelas elites e dotado da ideologia da defesa e da segurança nacional, dentro da opção estratégica pelo Mundo Ocidental, sob a hegemonia dos Estados Unidos da América, sejamos francos.
A ESG surgiu com um caráter de classe canalizador da crítica às instituições do Estado brasileiro, no final dos anos 40 e da década de 50, como sendo incompatíveis ao equacionamento das questões de desenvolvimento econômico e segurança nacional. Essa Escola também serviria como difusora da ideologia do desenvolvimento econômico interdependente do Brasil, com ampla participação do capital estrangeiro. Ligada à Escola Superior de Guerra, a corrente militar antinacionalista e antipopulista adquiria caráter de classe ao tomar como sua bandeira de luta a necessidade absoluta da posse privada dos meios sociais de produção. É nossa opinião que, quando foi fundada, os oficiais atrelados à ESG a criaram para poderem engajar-se na disputa política de forma mais coesa e organizada.
A instituição seguiu a tendência internacional no período da Guerra Fria de criarem-se estabelecimentos militares de estudos destinados ao preparo das nações ocidentais para uma política de guerra integrada contra o comunismo liderado pela União Soviética. Ela foi criada nos moldes dos war colleges norte-americanos (nos Estados Unidos, há um college para cada força militar, além do Industrial War College, dedicados a assuntos de mobilização, e do National War College, dedicado a operações conjuntas).
Com o passar dos anos, ficaram latentes as divergências entre os oficiais brasileiros e os integrantes da missão militar norte-americana no que se refere ao papel da ESG, já que, ao contrário da posição estadunidense, o oficialato brasileiro considerava necessário preparar a elite brasileira, militar e civil, para dirigir o Estado. Dessa forma, a relação íntima entre a Escola e o apoio e assistência norte-americanos, efetivada por meio da presença física regular nas suas dependências de um oficial de ligação norte-americano, perdurou somente até o início da década de 1970, quando o Presidente Ernesto Geisel acabou com o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos.
À ESG compete planejar, coordenar e desenvolver os cursos que forem instituídos pelo Ministério da Defesa, suprindo a necessidade de doutrinas para a operacionalização de instituições militares, estruturando-as nos campos político, econômico, psicossocial, científico-tecnológico e militar. Na formulação e consolidação dos conhecimentos necessários ao planejamento da segurança e defesa, considera, também, os problemas brasileiros, os aspectos relativos ao desenvolvimento nacional e as implicações externas sobre os problemas da Nação.
A razão de ser da Escola é atuar como um núcleo estratégico incumbido de pensar o Brasil e formar elites capazes de conduzir a Nação ao que ela chama de Bem Comum (não só as elites militares, mas também as elites de todos os setores que formam o País). Juntando-se a ESG, a ADESG-Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, seus cursos de extensão pelo Brasil afora e os cursos de atualização, a Escola tenta formar uma comunidade nacional que compartilhe valores homogêneos a respeito da sociedade brasileira.
Desse modo, uma das suas funções é a formação de uma elite responsável pela política nacional, selecionando elementos que hierarquicamente já ocupam cargos elevados para serem seus futuros alunos (chamados por ela de estagiários); os candidatos que interessam à entidade são os que se encarregarão de propagar a doutrina formulada pela Escola e transposta para uma possível prática governamental depois. Ela oferece diferentes qualificações na área de defesa com o Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (prepara civis e militares para direção e assessoramento na Administração Pública), Curso Superior de Política e Estratégia (discute elementos para a macroanálise dos cenários nacional e internacional, de modo a possibilitar a avaliação de políticas e estratégias, em especial na área da defesa nacional), Curso de Direito Internacional dos Conflitos Armados, Curso Superior de Inteligência Estratégica, Curso de Estado Maior Conjunto, Curso de Análise de Crise Internacional, Curso Avançado de Defesa Sul-Americana, Curso de Gestão de Recursos de Defesa, Curso de Extensão em Logística e Mobilização Nacional, Curso Superior de Defesa e Curso de Diplomacia de Defesa; mais da metade do corpo discente do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia é formado por civis.
Nas turmas de estagiários, há oficiais das três Forças (a partir da patente de tenente-coronel do Exército e da Aeronáutica, e capitão-de-fragata na Marinha, bem como industriais, políticos, engenheiros, juristas). Ela vive de trocas de informações e experiências entre militares e civis.
A ESG tem um potencial conspiratório muito grande. É a partir do pensamento dela que deve ser analisada a ação dos militares na conjuntura em que se deu o Golpe Militar de 1964, visto que sua doutrina tornou-se decisiva na concepção daquele Golpe e na condução dos seus governos iniciais.
Cruzeiro-DF, 19 de julho de 2020
SALIN SIDDARTHA
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Este artigo foi publicado nesta quarta (22/7) originariamente no Blog Por Brasília