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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Itália: especialistas condenam projeto de lei para multar quem resgata migrantes e refugiados no mar

Segunda, 27 de maio de 2019
Da
ONU no Brasil
Barcos com migrantes na costa da Itália. Foto: Marinha italiana/M. Sestini
Barcos com migrantes na costa da Itália. Foto: Marinha italiana/M. Sestini
Especialistas das Nações Unidas em direitos humanos condenaram em maio (20) uma proposta de decreto do ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, para multar pessoas que resgatam migrantes e refugiados no mar.
Em carta formal ao governo da Itália, os especialistas independentes pediram a retirada do projeto e afirmaram que “o direito à vida e o princípio de não devolução devem prevalecer sobre a legislação nacional ou outras medidas supostamente adotadas em nome da segurança nacional”.

Mais cedo neste mês, Salvini anunciou um projeto de lei que multaria embarcações por cada pessoa resgatada no mar e levada para o território italiano. Barcos de organizações não governamentais e de outras organizações que resgatarem migrantes também podem ter suas licenças revogadas ou suspensas.
“Instamos as autoridades a parar de colocar em perigo as vidas de migrantes, incluindo solicitantes de refúgio e vítimas do tráfico de pessoas, ao invocar a luta contra contrabandistas. Esta abordagem é enganosa e não está em linha tanto com o direito internacional geral quanto com o direito internacional de direitos humanos”, disseram.
“Em vez disso, políticas migratórias restritivas contribuem para exacerbar as vulnerabilidades de migrantes e só servem para ampliar o tráfico de pessoas.”
Os especialistas da ONU disseram que, se a proposta entrar em vigor, irá prejudicar seriamente os direitos de migrantes, incluindo solicitantes de refúgio, assim como vítimas de tortura, de tráfico de pessoas e de outros sérios abusos de direitos humanos. A proposta de decreto ainda precisa ser aprovada pelo governo.
Eles também pediram a suspensão de duas diretrizes anteriores que impedem embarcações de ONGs que resgataram migrantes das costas da Líbia de acessarem portos italianos. A segunda diretriz, em particular, atingiu o navio italiano Mare Jonio por ajudar pessoas que estavam no mar.
Declarar que portos líbios são “capazes de fornecer assistência logística e médica adequada para migrantes” é especialmente alarmante, disseram os especialistas. Relatos indicam que membros da guarda costeira da Líbia cometeram múltiplas violações de direitos humanos, incluindo conluio com redes de traficantes de pessoas, além de afundamento deliberado de embarcações.
Segundo os especialistas, quaisquer medidas contra agentes humanitários devem ser cessadas.
“Estamos profundamente preocupados com as acusações apresentadas contra a embarcação Mare Jonio, que não foram confirmadas por quaisquer autoridades judiciais competentes. Acreditamos que isto representa mais uma tentativa política de criminalizar agentes humanitários que fornecem serviços vitais, indispensáveis para proteger a vida e a dignidade de pessoas.”
De acordo com os especialistas, autoridades italianas fracassaram em considerar diversas normas internacionais, como o artigo 98 da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, que aborda o dever de ajudar qualquer pessoa em perigo no mar.
“O Artigo 98 é considerado lei consuetudinária. Aplica-se a todas as zonas marítimas e todas as pessoas em apuros, sem discriminação, assim como todas as embarcações, incluindo navios particulares ou de ONGs sob uma bandeira de um Estado”, disseram.
Além disso, as diretrizes estigmatizam migrantes como “possíveis terroristas, traficantes e contrabandistas”, sem fornecer evidências para tal.
“Estamos preocupados que este tipo de retórica irá aumentar ainda mais o clima de ódio e xenofobia, como anteriormente destacado em outra carta, que o governo italiano ainda precisa responder.”
Os especialistas contataram o governo sobre suas preocupações e aguardam uma resposta. Uma cópia da carta também foi entregue à Líbia e à União Europeia.
Os especialistas independentes das Nações Unidas são: Felipe González Morales, relator especial sobre direitos humanos de migrantes; Nils Melzer, relator especial sobre tortura e outras formas de punições ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; Maria Grazia Giammarinaro, relatora especial sobre tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças; E. Tendayi Achiume, relatora especial sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias relacionadas; Michel Forst, relator especial sobre a situação de defensores dos direitos humanos; Obiora C. Okafor, especialista independente sobre direitos humanos e solidariedade internacional.