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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 20 de maio de 2019

A atuação dos grupos ultradireitistas no golpe militar de 1964 — O IPES — Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais

Segunda, 20 de maio de 2019
Do
Jornal Info Cruzeiro
Por
Salin Siddartha
Várias organizações e movimentos originários da sociedade civil, conservadores e de extrema direita, agiram para derrubar o Governo de João Goulart. Muitos deles eram financiados pelos Estados Unidos, como foi o caso do “complexo IPES-IBAD” (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – Instituto Brasileiro de Ação Democrática), que brecava as ações sociais reivindicadas pelos movimentos populares durante o período em que durou aquele governo.


O IPES foi gerado pela junção de organizações empresariais e teve papel determinante na construção do Golpe Militar de 1964. Seu objetivo era conquistar e transformar o aparelho de Estado para ajudar os interesses do capital monopolista. Era uma espécie de estado maior da grande e média burguesia no Brasil que articulou as classes dominantes para coagir e garantir o controle e o rumo do Estado, em uma época em que o grande capital monopolista internacional se encontrava na iminência de perder seus privilégios.
Não era um grupo amador, mas sim a fina flor da elite empresarial bem aparelhada, possuidora de visão política, econômica e ideológica. Seus tentáculos se fixaram competentemente nas estruturas políticas da Nação. Foi um movimento com pretensões científicas, financeiramente próspero e sofisticado em recursos materiais e humanos, dotado de competência suficiente para fazer avançar ações e estratégias, no intuito de estabelecer o alicerce de uma oposição capaz de esvaziar o Governo Goulart, que atingia diretamente seus interesses de classe.
O IPES intermediava a articulação do empresariado antijanguista em estreito contato com a CIA, que o favorecia com assessoramento, treinamento e dotação financeira para influenciar no processo eleitoral do País, impor diretrizes ao Congresso Nacional, desgastar as bases do governo e derrubar o regime democrático. A doutrina seguida pelo Instituto também refletia a orientação da Escola Superior de Guerra-ESG a respeito da situação nacional então vigente.
Possuía uma formatação organizacional interna erigida por intermédio de Grupos de Estudos e Ação-GEAs. Os integrantes dos diversos Grupos de Estudo e Ação eram recrutados, especialmente, entre ex-alunos civis e militares da Escola Superior de Guerra. Eram pessoas vocacionadas a desenvolver um pensamento político para o grande e médio empresariado. Os GEAs atuavam em setores diferentes de intervenção política, produção de propaganda e doutrinação ideológica, manipulação da opinião pública e capacidade de influência em campos e ramificações sociais distintos.

O mais importante Grupo de Estudo e Ação chamava-se Grupo de Levantamento da Conjuntura. Levantava informações, estabelecia o planejamento estratégico e organizava o serviço de inteligência. Era coordenado pelo General Golbery do Couto e Silva. Seu banco de dados, com informação sobre 400 mil cidadãos, estruturou a criação do Serviço Nacional de Informações-SNI, em junho de 1964, após o golpe que derrubou Jango.
O Grupo de Levantamento de Conjuntura encarregava-se de apontar a atividade “comunista” no Brasil, mapeando-a com nomes e ações desenvolvidas. Somente no Rio de Janeiro, 3 mil aparelhos telefônicos sofriam escuta clandestina por parte do Grupo. O capitão Heitor de Aquino
Ferreira, subordinado ao General Golbery, era membro do grupo de militares que faziam parte da rede de ligação com a entidade. Dedicava-se a pesquisar a “infiltração” esquerdista no Brasil.
O Grupo de Pesquisa e Informação era dirigido por Paulo Assis Ribeiro. O Grupo Empresarial dedicava-se a estudos sobre educação e propaganda. Ao Grupo de Integração competia organizar palestras a respeito da situação em curso no Brasil.
O Grupo de Opinião Pública tinha como meta conquistar a opinião pública. Remetia milhares de cartas, telegramas e telefonemas com comunicados do Instituto ao qual os meios de comunicação de massas, como a Editora Agir e a revista O Cruzeiro, de Assis Chateaubriand, colocavam sua infraestrutura à disposição para publicações. O Grupo de Opinião Pública redigia e editava o Boletim Mensal, órgão informativo do IPES.
O Grupo de Ação Parlamentar era chefiado por Jorge Oscar Melo Torres, financiador geral do IPES. Esse Grupo determinava as ações a serem seguidas pelos membros que atuavam no Congresso Nacional, onde se reivindicava a ativação e apresentação de proposições legislativas referentes a reformas agrária, urbana, bancária administrativa e tributária.
Simultaneamente, a entidade formulava projetos de governo, haja vista o IPES representar interesses de estabelecer-se no comando do Estado e instituir mudanças administrativas e políticas. Criou um grupo especificamente para orientar a reforma agrária, orientado pelos vários representantes do empresariado proprietário de terras que pertenciam aos seus quadros. Desse Grupo de Estudo e Trabalho saiu o anteprojeto de reforma agrária que, posteriormente, apresentou a reforma que foi utilizada no Governo do Marechal Castello Branco, logo após o Golpe de 1964.
O IPES organizou as diretrizes e um arcabouço teórico e político, visando a ser empregado como um programa de governo. Após o Golpe, empresários e parceiros do IPES ocuparam posição privilegiada na máquina governamental e passaram a comandar a política econômica brasileira.
Durante o período de Governo de Goulart, o IPES também tinha uma estrutura de atuação na clandestinidade contra aquele governante de várias maneiras. Uma delas consistia na preparação e execução de um bem maquinado esforço para desestabilizar o Governo, que incluiu financiar uma poderosa campanha publicitária anticomunista, custear manifestações públicas antigovernistas e bancar com dinheiro movimentos e organizações de oposição e de extrema direita. O IPES serviu-se de variegadas mídias da época, publicou matérias nos principais periódicos nacionais e produziu 14 filmes de doutrinação antiesquerdista, exibidos no Brasil inteiro, fomentou cursos, seminários, debates públicos e distribuiu livros, folhetos e panfletos contra o comunismo.
Os diretores do Instituto consideravam o cinema o mais pujante meio de propaganda da época. Foi elaborada, então, uma comissão composta por ensaístas, escritores e intelectuais com o intuito de criar roteiros para filmes que mostrariam ao público a posição do IPES em relação à conjuntura política e social do Brasil da época. A comissão foi formada pelo fotógrafo francês Jean Manzon, o produtor Carlinhos Niemeyer (criador do Canal 100) e José Rubem Fonseca, que revisaria os roteiros. Os primeiros filmes produzidos eram voltados ao empresariado e ao operariado de fábrica, rechaçando as greves e enaltecendo o empreendimento privado. O IPES tinha acerto com as distribuidoras e exibidoras para que os filmes fossem exibidos em sessões regulares, apresentadas antes de filmes estrangeiros.
Como fundamento teórico e prático, a diretoria do Instituto baseou-se no protocolo de ação da Aliança para o Progresso, na busca de apoio financeiro e material. Houve uma enxurrada de dinheiro de origem nacional e estrangeiro. Além da contribuição financeira de pessoas jurídicas e de pessoas físicas, os aportes provinham também do Fundo do Trigo, colocado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico-BNDE, cuja conta a Embaixada dos Estados Unidos impulsionava, da “caixinha” movimentada por empresas brasileiras e estrangeiras, de auxílios externos dos bancos nacionais (Banco da Bahia, Banco Boa Vista, Banco do Estado da Guanabara), e internacionais (Chase Manhattan Bank, City Bank). Para ocultarem suas doações, os bancos efetuavam suas contribuições por via das associações de banqueiros, de fundos estadunidenses e de pessoas físicas. Os efetivos em dólares dos fundos americanos vinham, majoritariamente, do American Chamber, da Chimber of Commerce dos EUA e do Departamento de Estado.
Entre as empresas brasileiras, ou sediadas no Brasil, que escoravam o IPES com recursos, destacavam-se Coca-Cola, Cia de Cigarros Souza Cruz, Esso Brasileira de Petróleo, Shell, Texas Oil, Texaco, Bayer, IBM, General Motors, Willys Overland do Brasil, VARIG, Cia Aérea Cruzeiro do Sul, Indústria e Comércio de Minério-ICOMI, Refinaria e Exploração de Petróleo União, Listas Telefônicas Brasileiras S/A. Serviços de Eletricidade S/A-LIGHT, Companhia Docas de Santos, Casas Masson, Construtora Rabelo S/A, A Seda Moderna, José Olímpyo Editora, H. Stern Comércio e Indústria Ltda, Casa Cruz, Casa José Silva, Superball Companhia Brasileira de Equipamentos Esportivos. Posteriormente, foram adicionadas cerca de mais 400 empresas financiadoras. A Konrad Adenauer Stiftung (fundação do Partido Democrata Cristão, da Alemanha Ocidental) contribuía financeiramente por intermédio das empresas Mannesmann do Brasil e da Mercedes Benz. Além disso, o IPES passou a receber, a partir do início de 1963, doações regulares de mais 247 corporações estrangeiras norte-americanas, britânicas, suecas e alemãs.
Sob a influência política e de sustentação financeira do IPES, atuavam organizações de mulheres, como a Campanha da Mulher pela Democracia (Rio de Janeiro), União Cívica Feminina (São Paulo), Liga da Mulher Democrata (Minas Gerais), que foram responsáveis pela preparação da Marcha da Família com Deus pela Liberdade.
O IPES também se estruturava em tessituras estudantis, como no Movimento Estudantil Democrático, atuava entre os trabalhadores urbanos e operários, como o Movimento Sindical Democrático e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Cristãos. Nucleava-se também junto aos movimentos camponeses e líderes rurais, como os que se agrupavam ao redor do Serviço de Orientação Rural de Pernambuco. Ele também se ajuntava com o bloco de parlamentares patrocinado pela Ação Democrática Parlamentar, uma composição de direita dirigida para a desestabilização do Governo João Goulart, com participação combativa no Congresso Nacional (naquela época, os principais políticos envolvidos nesse processo eram da UDN e do PSD).
O Instituto atuou sustentando outras entidades que combatiam o Governo Goulart, tais como os Círculos Operários, o Instituto Universitário do Livro e o Movimento Universitário de Desfavelamento. No Rio de Janeiro, ele contribuía com a Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra-ADESG.
Era comum os sócios do IPES procurarem manter amizades nos círculos militares, convidando oficiais das Forças Armadas para visitarem suas fábricas, no que aproveitavam para
externar temor sobre os caminhos que o Brasil estava tomando com Jango. A entidade empresarial financiava viagens de estudantes filiados a associações estudantis simpatizantes do IPES e do anticomunismo.
Na eleição de 1962, o IPES, por intermédio da Ação Democrática Parlamentar, aplicou vigorosamente todo o peso da sua estrutura política e econômica para garantir a vitória eleitoral de Governadores, Senadores e Deputados da direita. Os direitistas concorreram pela UDN, PDC, PL e PRP. A esquerda conquistou 146 cadeiras no Congresso, enquanto os políticos da direita atingiram o patamar de 121. O nítido financiamento estrangeiro e a forte participação do IPES naquele pleito ensejaram a instalação de uma CPI no Congresso, em 1963, que apurou a ocorrência de doações ilegais, por meio do financiamento de empresas estrangeiras.
Com a chegada do regime militar, em 1964, os quadros do IPES passaram a ocupar posições-chave no sistema de poder da Ditadura Militar. Por fim, o IPES paulista foi totalmente desativado em 1970, e o do Rio de Janeiro encerrou suas atividades em março de 1972
Cruzeiro-DF, 19 de maio de 2019
SALIN SIDDARTHA
Fonte: Jornal Info Cruzeiro
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