Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 30 de maio de 2014

O judeu, a empresa, o contador, e a pesquisa eleitoral no Brasil

Sexta, 30 de maio de 2014
Conta-se que certo dia um empresário judeu que se tornou milionário no Brasil estava às portas da morte. Havia apenas uma herdeira, sua filha, que não demonstrava qualquer aptidão para os negócios, e muito menos interesse por essa coisa de comprar, produzir, vender, financiar, tomar dinheiro em banco, pagar, e coisas tais. Achava o judeu, que se morresse todo o seu império empresarial iria à falência em pouco tempo. O que fazer, então?
Teve a ideia de arranjar um marido para a filha, mas um marido que podia nem ser um bom marido, mas teria que ser um esperto negociante, para perpetuar não a sua linhagem, mas a sua empresa.
Chamou seus assessores mais próximos e explicou o seu plano de casar a filha com aquele, dentre eles, que melhor tivesse a solução para uma questão.  E qual era a questão? Como cada um faria para que —se fosse o caso do escolhido para casar e ficar com a empresa— gerasse lucro para a organização, lucro necessário para que suas empresas continuassem  bem cotadas nas bolsas de valores do Brasil.
O diretor de engenharia e produção expôs, então, o que imaginava ser o melhor caminho para se alcançar um elevado lucro. Teria, defendeu ele, de modernizar a linha de produção, adquirindo novas máquinas, integrando-as com o sistema de informatização. Um estudo de tempos e movimentos era necessário, opinou o engenheiro. Essas coisas de todo engenheiro e todo administrador formado em faculdade.
O diretor de recursos humanos veio com aquele papo de seminários de motivação, de autoajuda, de se jogar tudo na coesão do grupo, de se integrar direção superior com todos os níveis de gerência, para conquistar mentes e corações dos servidores comuns. Aquela coisa de administração eficaz.
O diretor de marketing, por sua vez, explicou que melhor seria se houvesse a adoção de modernos métodos de distribuição da produção, com a conquista de novos distribuidores e uma mais científica política de preços. Nova campanha de propaganda deveria ser feita enfatizando aspectos dos produtos da empresa, mas aspectos esses que ainda não eram percebidos pelo consumidor. Um novo esforço de merchandising deveria ser feito, melhorando a exposição e visibilidade dos produtos nos pontos de vendas.
O último funcionário a ser questionado foi o contador da empresa. E o judeu repetiu quais seriam seus objetivos. Iria se aposentar, pois estava, achava, próximo de morrer, mas queria que suas empresas se perpetuassem. Paria isso, repetiu, estaria disposto a casar a sua filha com aquele que melhor desse uma resposta quanto aos lucros da organização, pois desses lucros dependia o sucesso nas bolsas de valores. Como dote, entregaria suas empresas ao marido da sua filha. Como faria, então, o contador para que a empresa tivesse boa aceitação com os investidores da bolsa, especialmente os pequenos investidores, os mais ingênuos?
O contador, então, se ajeitou na cadeira, pigarreou, apanhou um bloquinho de anotações, um cotoco de lápis e disparou: O senhor, parece, quer manipular o mercado de investidores, e para isso deseja apresentar lucros elevados, para suas empresas aparecerem como atraentes? Certo?
O empresário judeu, respondeu: Certo!
O contador, na bucha, segurando o bloco de notas e o cotoquinho de lápis, disparou: Quanto é que o senhor quer de lucro no Balanço?
—A empresa é sua, fechou a conversa o judeu.
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Corta. Corta agora para as pesquisas eleitorais no Brasil.
Candidato a cargo executivo em determinada unidade da Federação nas eleições de outubro deste ano convoca alguns institutos de pesquisa de opinião e lança a pergunta de como cada um faria uma pesquisa para identificar as preferências dos eleitores. Disso dependeria o seu futuro político, afirmou.
O instituto A expôs o que faria. Segmentar a amostra a ser pesquisada, definindo quantas pessoas do sexo feminino seriam ouvidas por região da unidade da Federação. A mesma coisa para eleitores masculinos; idem para eleitores por cada faixa etária, faixa de renda, faixa de escolaridade. E por aí foi discorrendo como pretendia realizar o trabalho.
O instituto de pesquisa B, foi mais ou menos por esse caminhos exposto pelo instituto A. E assim foram desfilando os mais diversos institutos de pesquisa.
Por último foi ouvido o dono do Instituto P&KReTa. Com um bloquinho semelhante ao usado pelo contador da história anterior (a do empresário judeu) e com o mesmo tipo de cotoquinho de lápis, foi incisivo e disparou:
—Vossa Excelência quer quantos pontos na frente? Quer qual candidato em segundo lugar, e com quantos pontos? E em terceiro, deseja quem, e com qual aceitação? Algum sem pontuação?
E o político nessa hora levantou e exclamou:
P&KReTa, você acaba de ser contratado. Vá em frente! Faça a pesquisa!
E é desse jeito que são realizadas quase todas as pesquisas eleitorais.