Quinta, 29 de maio de 2014
Ex-prefeito José Bonifácio Mourão (PSDB)
Prefeita Elisa Maria Costa (PT)
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Do MPF em Minas Gerais
Bloqueio, no valor de mais de R$ 1 milhão,
atinge também o patrimônio do prefeito anterior e de outras sete pessoas
físicas e jurídicas
O Ministério Público Federal (MPF)
obteve decisão judicial que decretou a indisponibilidade de bens da prefeita de
Governador Valadares/MG, Elisa Maria Costa, e do prefeito que a antecedeu, José
Bonifácio Mourão. A ordem atinge também o espólio do ex-secretário municipal de
obras, Maurício Morais Santos, já falecido, e o patrimônio de outro
ex-secretário municipal de obras, Cézar Coelho de Oliveira, e do ex-diretor
municipal de obras viárias, Aloísio Germano da Silveira. Também tiveram bens
bloqueados a empresa Global Engenharia Ltda e seu proprietário Maurílio Reis
Bretas, a Diefra Engenharia e Consultoria Ltda e o engenheiro Rinaldo Franco,
consultor técnico da Diefra Engenharia à época das obras.
O bloqueio dos bens
atinge o valor total de R$ 1.105.161,03.
Na ação civil pública proposta em dezembro de 2013, o
Ministério Público Federal acusa os réus de inúmeras irregularidades, entre
elas, falta de licitação, descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e
falhas na execução e fiscalização de obras públicas na cidade de Governador
Valadares, região Leste de Minas Gerais.
Contrato de R$ 22 milhões – Os fatos tiveram início em
2004, quando a Prefeitura de Valadares realizou Concorrência Internacional para
a execução de obras de saneamento ambiental, no valor de R$ 22.665.027,40, em
sete bairros da cidade: Santo Antônio, Turmalina, Mãe de Deus/Altinópolis,
Jardim do Trevo, Alto Vera Cruz e Alto Paraíso.
O contrato, firmado com a empresa Global Engenharia Ltda,
vencedora da licitação, previa a construção de sistemas de abastecimento de
água potável, esgotamento sanitário, drenagem pluvial e urbanização do sistema
viário.
Posteriormente, em 2007, na gestão do ex-prefeito José
Bonifácio Mourão, esse contrato foi aditado para incluir a instalação de
loteamento e construção de 98 unidades habitacionais no bairro Palmeiras, com o
objetivo de remanejar moradores dos bairros Altinópolis e Mãe de Deus.
O problema, segundo o MPF, é que esse aditamento, ao
tratar de objeto diverso do contemplado no contrato original, exigiria a
realização de nova licitação.
“Mas não foi o que aconteceu. O ex-prefeito Bonifácio Mourão,
juntamente com o secretário municipal de obras e o diretor de obras viárias,
incluiu a construção do loteamento em um contrato que já estava em execução,
avençando, diretamente, sem licitação, com a Global Engenharia. A construção
das unidades habitacionais não se enquadra em nenhuma das exceções elencadas na
Lei 8.666/93 para justificar eventuais alterações contratuais”, afirma o
procurador da República Bruno de Almeida Ferraz.
Três anos depois, em fevereiro de 2010, as obras do
loteamento no bairro Palmeiras foram inauguradas, já na gestão da atual
prefeita, Maria Elisa Costa. No entanto, boa parte dos moradores recebeu seus
imóveis ainda inacabados, com falta de piso cerâmico e de azulejos nos
banheiros e na cozinha, além da ausência de muro atrás das casas, que ficam
situadas às margens da BR-116.
Presente na solenidade de inauguração, o então presidente
Lula solicitou ao município e ao Ministério das Cidades que tomassem
providências para concluir o acabamento dos imóveis. O que fez a Prefeitura? Ao
invés de realizar licitação, contratou de novo, diretamente, a mesma empresa
Global Engenharia, mediante celebração de novo aditivo contratual, no valor
aproximado de R$ 600 mil, para executar as obras de melhoria nas unidades.
“Ou seja, a prefeita, em clara violação à Lei de
Licitações, celebrou novo termo aditivo, com a Global Engenharia, em um
contrato que já havia se encerrado, para proceder à execução das obras
solicitadas pelo então presidente da República”, observa Bruno Ferraz.
Lesão ao erário – Além dessas ilegalidades, o MPF também relata
que a Global Engenharia deu início às obras de terraplanagem do loteamento em
outubro de 2007, antes mesmo da indicação da dotação orçamentária, que só veio
a ocorrer no mês de dezembro daquele ano.
Esse procedimento violou não só a Lei 8.666/93, como
também a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), que considera “não
autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público a geração de despesa ou
assunção de obrigação que não tenha sido objeto de dotação específica e
suficiente”.
Outra irregularidade que pode ter causado grave lesão ao
erário consistiu no reajuste do valor do contrato: em 2007, sob a justificativa
do reequilíbrio financeiro, a prefeitura então comandada por Bonifácio Mourão
efetuou o cálculo para o reajuste utilizando preço base diverso do que previa o
contrato original.
É que o contrato celebrado em 2004 previa que o preço base
utilizado para o reajuste deveria ser o da data de apresentação das ofertas
(julho de 2004), mas a administração municipal e a Global Engenharia, ao
firmarem o aditivo para construção das unidades habitacionais, desconsideraram
essa data base e fixaram os preços tendo como referência o mês de julho de
2007.
Além disso, o reajuste ainda considerou saldo contratual
calculado incorretamente.
Laudo pericial apontou que, para mensurar o valor do
reajuste, os requeridos consideraram, no Termo Aditivo, o saldo contratual de
R$ 11.793.241,87. “Não obstante, a partir da análise técnica do contrato, dos
seus aditivos e dos boletins de medições nº 27 a 37, o perito do MPF elaborou
uma planilha demonstrativa, apurando que o valor do saldo contratual, à época,
corresponderia a, no máximo, R$ 9.930.922,68”, informa a ação.
“Ou seja, a Prefeitura Municipal de Governador Valadares,
em 2007, realizou pagamentos à Global Engenharia em preços superiores aos
ajustados no contrato original, gerando um dano ao erário de, no mínimo, R$
1.862.319,19”, explica o procurador da República.
Bruno Ferraz ressalta que não se pode descartar a existência
de mais inconsistências e irregularidades nos outros reajustes, que ainda não
passaram por auditoria. “Sem dizer que a impropriedade detectada no 6º Termo
Aditivo – da construção das unidades habitacionais – provocou uma espécie de
efeito cascata, já que todos os reajustes posteriores resultaram em pagamentos
por serviços executados pela Global Engenharia com preços superiores aos que
deveriam ser efetivamente pagos”.
Serviços mal executados – O MPF aponta ainda falhas na
execução e na fiscalização das obras das unidades habitacionais.
Apenas 10 meses depois da entrega dos imóveis aos
moradores, engenheiros da prefeitura relataram que o aterro envelopado pela
Global Engenharia para a implantação do loteamento apresentava trincas que
comprometiam a estabilidade das residências. Onze unidades acabaram
interditadas e seus moradores, retirados, devido a alegado risco de
desmoronamento.
Perícia realizada no local detectou grande processo
erosivo no pé do talude onde foram construídas as casas, que, segundo perícia
feita por engenheiro civil do MPF, decorreu de falhas nas obras de aterramento.
“Nesse sentido, encontramos outra grave irregularidade,
que foi a falha na fiscalização das obras, que deveria ter sido exercida pela
Prefeitura, como órgão gestor, e pela Diefra Engenharia. Essa empresa recebeu
mais de R$ 2,5 milhões exatamente para exercer atividades de fiscalização das
obras realizadas pela Global Engenharia”, lembra Bruno de Almeida Ferraz.
As duas empresas, inclusive, chegaram a imputar à duplicação
da BR-116, vizinha ao loteamento, a responsabilidade por causar a instabilidade
do terreno.
Para o MPF, essa afirmação não procede por dois motivos:
primeiro, porque a duplicação da rodovia federal foi realizada em 2005, três
anos antes do início das obras do aterro; segundo, porque, ao contrário do
afirmado, a duplicação da BR-116 foi útil para aumentar a segurança do terreno.
De acordo com a ação, a má qualidade na execução das
obras, que resultou na interdição das unidades habitacionais, causou prejuízo
aos cofres públicos calculado em R$ 368.387,01.
Verbas federais - Na decisão liminar, o juiz da 1ª Vara Federal de
Valadares considerou que a ação do MPF trouxe evidências suficientes para
justificar a decretação de indisponibilidade dos bens dos envolvidos nas
irregularidades. “É possível reconhecer o nexo de causa e efeito entre a
omissão dos administradores do município em zelar pela adequada realização dos
trabalhos e os danos decorrentes da inutilização de nove unidades habitacionais
pouco mais de dez meses após sua inauguração”.
A decisão alcança os bens móveis e imóveis dos acusados
até o valor de R$ 1.105.161,03, que corresponde à soma do prejuízo causado aos
cofres públicos com a multa civil (dobro do valor do dano apurado) a ser aplicada
em caso de condenação.
O magistrado considerou, ao decretar a indisponibilidade,
somente o valor do prejuízo apurado com a interdição das unidades
habitacionais, que foram erguidas com verbas federais, pois, nas demais obras,
a prefeitura teria utilizado, a princípio, recursos municipais.
(ACP nº 9196-79.2013.4.01.3813)