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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 30 de maio de 2014

IHU: O racismo e a sonegação da história afrodescendente no Rio Grande do Sul. Entrevista especial com Jorge Euzébio Assumpção


Sexta, 30 de maio de 2014
Do IHU
Instituto Humanita Unisinos

O racismo e a sonegação da história afrodescendente no Rio Grande do Sul. Entrevista especial com Jorge Euzébio Assumpção

“Há uma apropriação do passado dos negros pelos imigrantes não só por causa dos imigrantes, mas devido ao mito de o Rio Grande do Sul ser um estado diferenciado”, pontua o historiador.
 
“Qual é o símbolo de que temos presença negra no Rio Grande do Sul?”, pergunta Jorge EuzébioAssumpção, na entrevista a seguir, concedida pessoalmente à IHU On-Line. A resposta é categórica: “Nenhuma. Não há nenhum símbolo que demonstre a presença negra no estado. O negro passa quase que invisível pela história do Rio Grande do Sul e essa invisibilidade faz parte do racismo sulino, ou seja, ao negar e sonegar o papel dos negros no estado, estamos praticando um ato de racismo, porque se está, inclusive, escondendo as fontes históricas”.
Autor do livro Pelotas: escravidão e charqueadas 1780-1888 (Fcm Editora, 2013), resultado da sua dissertação de mestrado, o historiador demonstra que os afrodescendentes tiveram um papel fundamental no desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul, o qual é atribuído majoritariamente aos imigrantes alemães, italianos e açorianos, que colonizaram o estado a partir da segunda década de 1800. “Com a criação das grandes charqueadas, a partir de 1780, houve uma introdução de negros em grande escala no Rio Grande do Sul.
Pelotas foi a cidade em que proporcionalmente houve maior número de trabalhadores escravizados no Rio Grande do Sul, e, por consequência, o maior número de negros proporcionalmente. Calcula-se que Pelotas chegou a ter mais de 70% da sua população descendente de negros escravizados ou não”. Assumpção esclarece que não está negando o valor do imigrante na história gaúcha, “mas tentando restabelecer uma ordem de dizer que não foram somente os imigrantes os responsáveis pelo desenvolvimento do Rio Grande do Sul, mas também os negros, os quais tiveram uma participação anterior à do imigrante”.
De acordo com o pesquisador, a historiografia gaúcha passou a ser revista a partir dos anos 1980, mas ainda persiste no imaginário popular a imagem do gaúcho e da formação de um estado de imigrantes. “Há todo um mito em torno do imigrante do Sul do país, e que este é o estado mais europeu da nação. Por isso, grande parte da pesquisa dos historiadores sonega a participação do negro, porque eles contribuem com esse mito de que o Rio Grande do Sul é formado por imigrantes. Isso leva, por sua vez, ao mito dogauchismo no sentido de que no Sul se teve uma formação diferenciada por conta da qualidade aventureira do gaúcho e aqui a escravidão não se fez presente”. E acrescenta: “O Rio Grande do Sul é, sim, um estado racista. Contudo, com a vinda dos imigrantes, a quantidade de negros pareceu diminuir diante da quantidade desses imigrantes que entraram no estado. Mas esse mito mantém-se até hoje”.
Jorge EuzébioAssumpção é graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS e mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente é professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade Porto-Alegrense – FAPA, onde coordena o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – NEAB, e da Unisinos.