Sexta, 17 de janeiro de 2014
Vivian Fernandes
Do site Controvérsia
Em entrevista ao Brasil de Fato, o deputado federal Ivan Valente avalia o ano de 2013, considera "atípico" e importante devido à dimensão que ganharam as lutas sociais.
Como você avalia a discussão sobre a Reforma Política no Congresso?
Como você avalia a discussão sobre a Reforma Política no Congresso?
Todo o descontentamento popular que surgiu ao longo do ano poderia
ter desembocado numa pressão popular direta pela Reforma Política. Os
pontos principais são financiamento público exclusivo de campanha, fim
do financiamento privado, fortalecimento dos partidos políticos e o
protagonismo popular, com referendo, plebiscito e projetos de iniciativa
popular. Mas isso não aconteceu. A Constituinte exclusiva e o
plebiscito rigorosamente não avançaram. Faz dois anos que tem uma
comissão especial discutindo Reforma Política no Congresso. E não
avançou.
Por que essa pauta não avança?
Não sairá do Congresso uma verdadeira reforma política de interesse
popular. As manifestações de junho deram um salto, no sentido da
consciência da necessidade de uma profunda reformulação política. O
avanço do Congresso foi pífio. Fechamos uma minirreforma eleitoral, que é
uma conveniência partidária. Na reforma política, a gente não avançou.
Até retrocedeu. Se não houver uma nova mobilização pesada, podemos ter
retrocessos. Os projetos da OAB, do movimento contra a corrupção e de
alguns partidos políticos pela reforma política por iniciativa popular
são o único caminho.
E a discussão da democratização dos meios de comunicação?
Houve avanços importantes e está para ocorrer um salto de qualidade
no Congresso. Os grandes meios televisivos trataram o movimento de
junho, inicialmente, como de vandalismo e baderna. Foram obrigados a
reconhecer depois que o movimento era absolutamente legítimo. Um setor
importante dos movimentos de junho identificou nos meios de comunicação
os aliados do sistema. Estamos votando também o Marco Civil da Internet.
O relatório do deputado Alessandro Molon (PT-RJ) tem avanços
importantes em matéria de liberdade de expressão, de defesa da
privacidade e de neutralidade da rede. Há uma elevação de consciência em
torno da necessidade radical de democratização dos meios de
comunicação.
Houve mudanças em outros países da América Latina.
Estamos muito atrasados nisso. É só ver a Lei de Meios da Argentina,
que arrebentou com o principal grupo de mídia de lá, que é o Clarín,
através da lei aprovada no Congresso, por iniciativa do governo
Kirchner. No Brasil, o governo é covarde em relação aos meios de
comunicação. Começa pelo Ministério das Comunicações, que não luta
contra o poder da mídia e permite que a dominação se perpetue. É
interessante desconcentrar os meios de comunicação e dar poder às mídias
alternativas, sindicais, populares e às ninjas.
Como você avalia as denúncias em torno do cartel das obras do Metrô do governo do estado?
Há seis anos o nosso mandato parlamentar e outros, como os do PT,
fazem denúncias do Metrô e do caso Alstom [uma das empresas que fazem as
obras]. Há um conluio geral dos meios de comunicação, que protegem os
tucanos, com o Ministério Público de São Paulo, que é omisso em relação à
investigação. É um escândalo monumental esse da Siemens, que apareceu
como delação premiada, e voltou ao debate da Alstom. Todo o sistema de
concessões de São Paulo – de eletricidade, do Metrô e da CPTM – está
contaminado, com prejuízos monumentais. Isso é responsabilidade dos
governos tucanos do Mário Covas, do Alckmin e do Serra.
Por que essas denúncias não ganham força na mídia?
Há um sistema de blindagem que a grande mídia patrocinou e foi tão
escancarado que veio à tona. Tentamos criar uma CPI no Congresso. O PT
se adiantou, mas não tocou adiante. A construção do Metrô de São Paulo é
corrupção misturada com falta de planejamento e incompetência. São
vinte anos de governo para fazer 20 quilômetros de metrô com todos esses
escândalos. É um caso inédito. Vai ter um impacto na campanha
eleitoral.
Como o senhor avalia o ano que passou?
Tivemos um ano atípico. Uma explosão de participação social e popular
ocorreu depois de muitos anos. Não que não tenha havido lutas em anos
anteriores. Há lutas permanentes dos movimentos sociais, populares,
estudantis e da juventude. Mas a importância está na dimensão que
ganharam as lutas da questão urbana. O movimento social de junho
conseguiu destravar as lutas e a participação popular. Provou que é
possível obter vitórias. E isso foi demonstrado na conquista da redução
da passagem do transporte público.
Como essas lutas impactaram o Congresso Nacional?
Essas lutas tiveram alguma incidência no Congresso. Em matéria da
agilidade da votação de projetos, tivemos uma aceleração importante. O
ano de 2013 vinha sendo marcado por uma ofensiva conservadora, que não
foi abolida. Por exemplo, em relação às questões colocadas pela bancada
do agronegócio, particularmente, sobre a invasão das terras indígenas, a
retirada de direitos e a não demarcação. Ainda tem muito
conservadorismo nesse processo, mas o que tornou o ano atípico foi que a
sensibilidade social chegou ao Congresso.
Qual foi a postura do Congresso durante o mês de junho?
A postura do Congresso, em um primeiro momento, foi de surpresa com as manifestações, acompanhando a grande mídia. Os setores mais conservadores acharam que era muito bom a juventude ir para as ruas e que era preciso ouvir as manifestações. No entanto, quando as manifestações atingiram a Copa das Confederações – com movimentações maiores fora dos estádios do que o público dentro – voltou o discurso da baderna e de que era preciso conter a violência.
A postura do Congresso, em um primeiro momento, foi de surpresa com as manifestações, acompanhando a grande mídia. Os setores mais conservadores acharam que era muito bom a juventude ir para as ruas e que era preciso ouvir as manifestações. No entanto, quando as manifestações atingiram a Copa das Confederações – com movimentações maiores fora dos estádios do que o público dentro – voltou o discurso da baderna e de que era preciso conter a violência.
Houve um questionamento da legitimidade dos protestos.
As manifestações seriam legítimas, mas o enfrentamento e o conflito
não seriam. A legitimidade das reivindicações está dada pela capacidade
do povo de impor as suas reivindicações. Ele encontra barreiras para
isso, como a Polícia Militar e os meios de comunicação. Havia uma
consciência de que a cobertura dos meios de comunicação era parcial. Mas
a mídia se sentiu ameaçada quando os jornalistas não puderam mais
cobrir as manifestações de perto. Isso tem impacto no Congresso, que é
reflexo da divisão de classes na sociedade.
Como o senhor avalia as críticas à participação dos partidos nas mobilizações?
Há um imenso desgaste da representação político-partidária. Os
partidos da ordem foram duramente rechaçados. Vários partidos de
tradição conservadora tentaram se aproveitar, inclusive retirando todas
as bandeiras de partidos. Tem partidos que tinham tradição de esquerda,
que com seu governismo empedernido não representam mais os anseios
populares.
Por quê?
Isso é um rechaço natural aos partidos. A maioria das matérias que
vão à votação no Congresso, em particular de política econômica,
privilegia os grandes grupos econômicos, como privatizações e isenções
fiscais. Enquanto se gasta metade do orçamento público pagando juros e
amortizações da dívida pública para os banqueiros nacionais e
internacionais, não tem dinheiro para saúde, educação, meio ambiente e
saneamento básico. E isso se traduziu em uma palavra de ordem que era:
“nós queremos o padrão Fifa para a saúde e a educação”.
Quais foram as diferenças dessas manifestações antipartido?
Tem um sentimento que são de dois lados. Um de direita que acha que
não devem existir partidos políticos. E outro autonomista ou anarquista
que acha que os partidos atrapalham. Os dois estão errados, porque os
partidos fazem parte da democracia. As bandeiras fazem parte das
manifestações, sejam do movimento popular, social ou partidário. Esse
rechaço ocorreu em um primeiro momento, tanto que as bandeiras depois
reapareceram.
Como você diferencia direita e esquerda nos tempos atuais?
O sentimento mais frequente é daquele filósofo italiano [referência a
Norberto Bobbio] que diz o seguinte: se você quiser identificar a
esquerda, você coloca aqueles que de alguma forma estão do lado dos de
baixo, dos oprimidos e injustiçados, e que querem igualdade social. E os
conservadores, os de direita, são aqueles que estão do lado da
propriedade privada, do lado da concentração da riqueza, de valores
tradicionalistas. Essa ideia de que não existe mais direita e esquerda
serve à direita. Essa despolitização de que não precisa de programa nem
de ideologia é uma ideologia de direita. Continuam existindo valores,
ideias e ideologias que caracterizam uma posição de esquerda.
Ivan Valente é deputado federal pelo estado de São
Paulo, além de ser engenheiro e professor. Foi eleito com mais de 189
mil votos. No histórico político desse paulistano, estão ainda a
militância estudantil nos anos de 1960 e a luta contra a ditadura
militar. Membro do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) desde 2005,
Valente integrou o Partido dos Trabalhadores (PT) até 2005.