O ano termina sob o
espectro de perspectivas preocupantes no âmbito nacional e no do poder mundial.
2. Isso recomenda
que os povos assumam atitude engajada e participativa, livre das falsas
lideranças que iludem tanta gente, e, assim, se libertem de um sistema que os
despoja e aliena.
3. No País persiste
o assédio para que se desnacionalizem as poucas grandes empresas públicas e
privadas sob controle nacional que ainda lhe restam.
4. Historicamente,
os agentes das campanhas nesse sentido valeram-se sempre, como ocorre
atualmente, da retórica moralista para atingir seu real objetivo.
5. Vivemos sob um
sistema político em que os aspirantes aos cargos eletivos dependem de exposição
na TV – um espaço fechado aos não comprometidos com os reais donos e beneficiários
desse sistema. Dependem também de dinheiro grosso para as campanhas eleitorais,
num país em que a economia é concentradíssima e desnacionalizada.
6. Nessas
condições, ainda que o Executivo estivesse nas mãos de titular solidamente
apoiado pela maioria da sociedade, ele não teria como colocar os interesses
dela acima dos grupos que concentram o poder real.
7. Estes elegem a
grande maioria do Congresso e, sustentando-se na grande mídia, exercem
ascendência ideológica sobre o Judiciário, o Ministério Público, a Polícia, os
quadros técnicos e administrativos da Fazenda, Banco Central etc.
8. Além disso, a
autonomia dada pela Constituição a esses órgãos e a instituição das agências
independentes permitem ações e iniciativas descoordenadas, em que preferências
pessoais substituem políticas coerentes orientadas pelo interesse público.
9. Ademais, cargos
na Administração, nas agências do Estado e nas grandes empresas e bancos
estatais são usados pelos chefes do Executivo, inclusive os do PT – pois lhes
falta maioria no Congresso, onde prevalece o toma-lá-dá-cá – como moeda de
barganha com partidos políticos, em nome da “governabilidade”.
10. Isso não
significa que a corrupção tenha aumentado em relação a Collor e FHC, mais
claramente engajados com a oligarquia financeira mundial – e cujas eleições
foram por ela patrocinadas.
11. Os casos de
corrupção nos entes públicos e nas estatais servem como instrumentos de
chantagem operados por revistas de opinião – tradicionalmente amparadas por
serviços secretos estrangeiros – e como munição para alvejar as estatais e
fazer que a União as entregue a troco de nada.
12. De qualquer
forma, os petistas no Executivo são, de há muito, acuados para cederem mais
espaço aos quadros da confiança da oligarquia, e, quanto mais fazem concessões,
mais ficam vulneráveis, e mais são alvo de ataques desestabilizadores.
13. Desde antes da
eleição presidencial, o epicentro da crise tem sido os escândalos nas
encomendas da Petrobrás, com ou sem licitações.
14. A presidente
ficou na defensiva, pois a Administração não se antecipou nas investigações à
Polícia Federal e ao Ministério Público. Enfraqueceu-se, assim, em face das
pressões que têm por obter mais concessões em favor das grandes transnacionais
do petróleo: mais leilões e abertura ao óleo do pré-sal, mais ampla e
favorecida que a que já lhes tem sido proporcionada pela ANP.
15. No mesmo
impulso de tornar a Petrobrás um botim da onda privatizante, as transnacionais
aproveitam para colocar em cheque as empreiteiras, conglomerados de capital nacional,
atuantes em numerosas indústrias e serviços tecnológicos.
15. Seja sob o
atual governo, manipulado para ceder mais, seja sob políticos mais intimamente
vinculados ao império angloamericano, como os do PSDB, trama-se a culminação do
processo de desnacionalização da economia e de destruição completa da soberania
nacional.
16. Na economia, a
desnacionalização e demais defeitos estruturais geraram mais uma crise, tendo –
mesmo com baixo crescimento do PIB – o déficit de transações correntes com o
exterior aumentado em mais de 12% em 2014, após crescer de US$ 28,2 bilhões em
2008 para U$ 81 bilhões em 2013.
17. Enquanto a
sociedade não forma um movimento para construir modelo econômico e social
viável, é importante entender que só isso a poderá salvar. Golpe parlamentar,
judicial, ou do tipo que for, para trocar de presidente e de partido no
governo, apenas agravaria a situação.
18. O futuro
ministro da Fazenda, Joaquim Levy – não nestes termos – declarou-se favorável a
medidas macroeconômicas ao gosto do “mercado financeiro”, i.e., dos grandes
bancos mundiais e locais. É, pois, desse modo que a presidente espera enfrentar
mais uma crise recorrente causada pelas estruturas políticas e econômicas do
modelo dependente.
19. Essas
estruturas são: a primarização e perda de qualidade relativa do que sobrou da
indústria; a concentração; a desnacionalização da economia. Elas implicam que o
Brasil está mal posicionado diante das dificuldades, sem falar no desastre
estrutural derivado, que é a dívida pública.
20. Essa já cresceu
demais, devido aos juros compostos a taxas absurdas, e crescerá mais, mesmo com
a volta do superávit primário para pagar juros, uma vez que os feiticeiros
incumbidos de sanar a crise não pretendem baixar as taxas. Muito pelo
contrário…
21. Completando o
conjunto de fatores – incuráveis sem mudança de sistema político e econômico –
estão aí as infra-estruturas deterioradas, desde há decênios, como as da
energia e dos transportes.
22. Vejamos algumas
das ideias de Levy externadas em entrevista ao “Valor”, na qual defendeu o
consenso dos banqueiros e economistas “liberais”, em versão moderada, i.e., sem
o radicalismo das propostas dos candidatos que se opuseram à presidente.
23. Levy não tem
como escapar às contradições e aos impasses a que conduzem seus planos. Ele
pretende, por exemplo, aumentar a abertura no comércio exterior.
24. No quadro de
retração econômica em quase todo o Mundo, não é provável obter concessões
significativas em troca de maior abertura do Brasil às importações. Ademais, o
objetivo de conter a inflação dos preços importando mais bens e serviços, sem
conseguir exportar mais, implica fazer crescer o crítico déficit nas transações
correntes.
25. Levy fala
também de corrigir preços relativos. Mas o que quer dizer com isso? Se os subsídios
que deseja suprimir são os do crédito dos bancos públicos, as empresas mais
prejudicadas serão as de capital nacional, já que as transnacionais dispõem de
crédito baratíssimo no exterior.
26. Certamente,
Levy não visa cortar os privilégios fiscais do sistema financeiro, nem os dos
carteis industriais transnacionais, como as montadoras, nem intervir em seus
mercados através do fomento a concorrentes independentes. E, sem isso, os
preços relativos que mais se precisa corrigir não serão alterados.
27. Ou o preço que,
na visão dos macroeconomistas oficiais, estaria precisando ser reduzido seriam
os salários?
28. O futuro
comandante da economia propugna, em especial, por acabar com a dualidade das
taxas de juros, aproximando as taxas dos bancos públicos e as dos bancos
privados.
29. O liberalismo
é, sobre tudo, um rótulo, pois os concentradores usam a palavra mágica
“mercado” como álibi para ocultar a identidade de quem exatamente manipula o
mercado.
30. Então os que se
filiam aos interesses dos carteis, proclamam que não cabe ao governo intervir
no mercado, que deve ser competitivo, i.e., governado pela concorrência, embora
ele o faça para elevar, por exemplo, as taxas de juros.
31. Não se informa
que os preços nos mercados cartelizados não são dirigidos pela concorrência,
mas, sim, pelo consenso dos concentradores. Os bancos são favorecidos pela
Constituição, cujo artigo 164 veda ao Banco Central financiar o Tesouro, e este
é proibido de emitir moeda. Além disso, só um número limitado de bancos é
autorizado a comprar e vender títulos do Tesouro.
32. Está claro,
portanto, que a equalização das taxas recomendada por Levy só pode ser feita
determinando aos bancos públicos elevar suas taxas.
33. Passando ao
contexto mundial, no império angloamericano, satélites europeus e outros, têm
prevalecido a degeneração estrutural: financeirização e retração da economia
real.
34. O centro do
poder mundial fez meia pausa na escalada de intervenções armadas, planejadas
desde 2001, visando, pelo menos, até ao Irã, depois de ter arrasado, entre
outros, Líbia e Iraque, e se ter apossado de suas imensas reservas de petróleo
e de seu ouro.
35. Isso decorreu
de ter sido a ocupação da Síria contida pela Rússia, que se tornou o alvo
primordial da agressão econômica e do cerco militar imperiais, intensificado
com o golpe de Estado na Ucrânia e a ocupação do governo desta por prepostos
dos EUA.
36. China,
principalmente, e Índia são as maiores exceções ao panorama de retração
econômica, no momento em que a Rússia busca sobreviver à pressão imperial
intensificando suas relações com seus parceiros asiáticos.
37. Há que seguir
de perto a evolução do jogo de poder mundial, cujo equilíbrio constitui
condição fundamental, embora não suficiente, para que o Brasil construa
estruturas essenciais a seu progresso.
*Adriano Benayon
é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro
Globalização versus Desenvolvimento.
Fonte: Blog do Adriano Benayon