Segunda, 27 de dezembro de 2010
Do site "Brasil de Fato"
Mesmo com saída de Meirelles e a ausência de Palocci na equipe econômica, governo Dilma deve ceder a pressão de mercado
Renato Godoy de Toledo - da Redação
Os defensores de uma política econômica heterodoxa, pró-desenvolvimento e menos submissa ao interesse dos banqueiros viram com bons olhos o anúncio da saída de Henrique Meirelles do Banco Central. A manutenção de Guido Mantega no Ministério da Fazenda também foi vista de forma positiva, já que o favorito para sucedê-lo seria Antonio Palocci, responsável por um forte ajuste fiscal no início do governo Lula.
O escolhido por Dilma para suceder Meirelles foi Alexandre Tombini, atual diretor de normas do banco e funcionário de carreira da instituição. Segundo Mantega, o novo presidente do BC não “deve vassalagem ao mercado”. Para alguns analistas, a indicação de um técnico sem expressão política para o cargo pode indicar que o banco responderá mais à Fazenda do que sob o comando de Meirelles, quando este gozou de uma autonomia informal.
Segundo essa versão, Mantega teria ganhado força com o respaldo de Lula e Dilma e poderia ser o principal formulador da política econômica no próximo governo. De orientação keynesiana, o ministro, ao lado de José Dirceu e da própria Dilma, sempre foi apontado como membro do time “desenvolvimentista” no governo. Dirigiu o Planejamento (2003-2004) e o BNDES, antes de chegar à Fazenda após o escândalo do caseiro Francenildo que derrubou Palocci em 2005.
Porém, a atuação de Tombini junto a Meirelles, e ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, indica que a política de metas de inflação e superávit alto deve ser seguida no Banco Central. A indicação do novo presidente do BC foi elogiada por expoentes do mercado, como o presidente do Bradesco Luiz Carlos Trabuco.
Tombini foi um dos negociadores do empréstimo do Fundo Monetário Internacional ao Brasil em 1998 e ajudou a instituir as metas de inflação no país, um dos pilares da política econômica atual.
Diferentes interpretações
Para reverter o ônus financeiro criado no período pré-eleitoral de 2002, que elevou o chamado risco Brasil a um patamar recorde, a equipe econômica chefiada por Palocci e Meirelles elevou o superávit primário (economia de recursos para o pagamento da dívida) do país a 4,25%. Meta mais realista do que o rei, já que o FMI, à época credor do Brasil, recomendava uma economia de 3,75%. O esforço fiscal era tão enfático que chegou a ultrapassar a meta por diversas vezes, atingindo notáveis 4,85% em 2005.
Outro aceno, esse mais dolorido aos trabalhadores, foi a reforma previdenciária que determinou a obrigatoriedade da contribuição também para os trabalhadores inativos, em 2003. No aspecto monetário, o BC chefiado por Meirelles iniciou o governo ampliando os juros. A taxa básica do BC, a Selic, alcançou 26,5% em maio de 2003. Hoje, ela é de 10,75%.
Na opinião de Paulo Passarinho, presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro, a formação dessa nova equipe econômica não traz novidades. “Haverá rigor fiscal, com metas de inflação e superávit primário”, aponta.
Para o economista, o cenário atual não se assemelha com o de 2003. “Naquela época a deterioração era interna. Agora, a principal preocupação é o cenário externo, que pode refletir na dinâmica interna. Não são conjunturas comparáveis, embora a hegemonia política continue a mesma”.
Já o economista José Carlos de Assis, presidente do Instituto Desemprego Zero, apresenta uma visão diferente sobre a saída de Meirelles e a nova composição da equipe econômica. Para ele, há uma sinalização positiva que pode alterar a política monetária, que foi a parte “mais fraca dessa gestão”. “Há uma sinalização de que se pode flexibilizar um pouco a taxa de juros. E essa talvez seja a medida mais importante para se fazer em termos de macroeconomia”, aponta Assis.
Aceno desnecessário
Mantega dá sinais de que pretende realizar um aceno ao mercado, o que deve “tranquilizar” investidores. No entanto, mesmo dentro do argumento ortodoxo, não há motivo aparente para um aperto, como promete o ministro. O risco Brasil despencou durante o governo Lula e o país foi considerado um porto-seguro para os investidores, atingindo o chamado investment grade – título criado por agências classificadoras de risco para orientar a especulação financeira.
Se havia algum receio de “calote” ou instabilidades, ele foi apaziguado com oito anos de política econômica austera em demasia.
O principal argumento para a manutenção da política de juros é o temor da inflação. A taxa Selic, atualmente em 10,25%, apresenta um dos menores índices desde o início do governo, mas ainda é o maior do mundo.
A queda desses juros não foi acompanhada pelo setor financeiro, que não tem qualquer regulamentação sobre o spread bancário – que consiste na diferença das taxas que o banco paga para adquirir o dinheiro e do índice que ele aplica ao tomador de empréstimo final.
Há diferentes índices de inflação, mas o BC sinaliza que 2010 e 2011 devem apresentar um aumento nos preços maior do que o previsto pelas metas, 5,85% e 5,21%, respectivamente. O governo adota com meta 4,5%, com tolerância de dois pontos para mais ou para menos. O mercado já prevê que a Selic deve aumentar no ano que vem para combater a pressão inflacionária.
A sinalização de aperto também contradiz o discurso muito utilizado por Lula e Dilma durante as eleições. Tal linha de raciocínio aponta que o Brasil foi o país com a política mais acertada para a crise ampliando o consumo, o gasto público e a oferta de crédito. De fato, o país foi o “último a entrar e o primeiro a sair da crise”, no jargão do presidente atual e da eleita.
O mundo apresenta um cenário recessivo, ainda motivado pela crise desencadeada em 2008. O cenário externo apresenta diversas “bolas da vez”, como Grécia, Espanha e Irlanda. A política restritiva torna o Brasil mais próximo de um crescimento medíocre do que de um virtuoso, como deve ser o de 2010. porém, o Brasil tem sido um dos poucos países, entre as 10 maiores economias, com boas previsões de crescimento.
Segundo José Carlos de Assis, ainda não dá para saber ao certo se tal ajuste será concretizado ou se trata apenas de um anúncio para “jogar para as galerias”. “Talvez seja apenas um aceno para os conservadores e neoliberais. Não há qualquer motivo para um ajuste fiscal. A grande mídia faz uma campanha por um corte de gastos e ajuste fiscal que chega a ser irritante. Estamos em uma situação em que parte do mundo vive um cenário de retração e deflação. Felizmente, o Brasil vive uma conjuntura oposta, graças à política de estímulo fiscal. E a grande mídia 'esculhamba' a política de estímulo fiscal e de ampliação do gasto público. Então, o que eles querem? Que tomemos o mesmo caminho da Grécia, da Irlanda? Um caminho de desemprego brutal?”, questiona Assis.
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