Sábado, 28
de fevereiro de 2015
Aldemario
Araujo Castro*
“Foi autorizado que a verba [de gabinete dos Deputados
Federais] seja usada para comprar passagem aérea para cônjuges, atendendo à
reivindicação de mulheres de parlamentares. O recurso só poderá ser usado
quando o itinerário for entre Brasília e o estado de origem. A Direção-Geral da
Câmara informou que o critério para liberar a passagem para o cônjuge será a
comprovação do casamento ou de união estável reconhecida em cartório” (Portal
G1, dia 25 de fevereiro de 2015).
Com absoluta razão, a indignação tomou conta da opinião
pública. São várias as iniciativas da sociedade brasileira que demonstram uma
crescente resistência em relação à decisão adotada (petições, provocação do
Ministério Público, pressão direta sobre os parlamentares, etc).
O referido ato da Mesa da Câmara dos Deputados afronta
cânones fundamentais da ordem jurídico-constitucional. A deliberação em questão
não subsiste válida quando confrontada com os princípios da República, da
moralidade, da impessoalidade, da igualdade e da responsabilidade dos gastos
públicos. Trata-se, à toda evidência, de um privilégio odioso e repulsivo na
medida em que o contribuinte arcará com despesas de natureza privada sem
nenhuma perspectiva de realização de algum interesse público. Não custa afirmar
o óbvio: o gasto público, a despesa pública só é lícita se realizar algum interesse
público contemplado na ordem jurídica.
Observe-se que o Supremo Tribunal Federal, provocada pelo
Conselho Federal da OAB, apontou claramente no sentido de que privilégios
odiosos e repulsivos dessa natureza, divorciados da realização de qualquer interesse
público, são incompatíveis com a Constituição. Com efeito, no julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.853, relatada pela Ministra Cármen
Lúcia, o STF afastou a possibilidade de recebimento: a) de subsídio mensal e
vitalício por ex-governador e b) de pensão ao cônjuge supérstite (aquele que
permanece vivo depois da morte do outro).
Diante desse quadro, apresentei ao Presidente do Conselho
Federal da OAB, na qualidade de Conselheiro Federal pela OAB/DF, requerimento
para que o colegiado delibere no sentido de propor ação direta de
inconstitucionalidade, ou outra providência judicial hábil, contra o ato da
Mesa da Câmara dos Deputados que permite a utilização de recursos públicos
geridos pelo Parlamento para custear passagens (aéreas) para cônjuges dos
Deputados Federais.
Pelo visto, estamos bem longe de padrão ético-político
adequado no comportamento dos representantes eleitos. “Na Suécia, os políticos
ganham pouco, andam de ônibus e bicicleta, cozinham sua comida, lavam e passam
suas roupas e são tratados por 'você' “ (capa do livro “Um País Sem Excelências
e Mordomias” de Claudia Wallin).
Impõe-se, portanto, como única solução civilizada e
democrática, a permanente e crescente participação popular nos negócios
públicos, antes, durante e depois das eleições, para afastar privilégios
indevidos do universo dos eleitos e viabilizar que os interesses da maioria da
população (trabalhadores, estudantes, juventude, etc) sejam prestigiados e
prevaleçam nas decisões mais importantes a serem tomadas.
* Mestre em
Direito
Procurador
da Fazenda Nacional
Professor
da Universidade Católica de Brasília
Conselheiro
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/DF)
Site:
http://www.aldemario.adv.br