Segunda, 31 de agosto de 2015
Por Adriano Benayon | Brasília, 31/08/2015
Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
Agosto de 1954 foi o marco para a destruição do desenvolvimento do
País, que o presidente Vargas entendia, corretamente, só ser possível
havendo autonomia nacional.
2. Ele conduzia o País na direção do desenvolvimento, o que o tornou
alvo a abater pelo império angloamericano. Documentos históricos provam
ter sido Vargas derrubado duas vezes (1945 e 1954), por intervenções das
potências angloamericanas (EUA e Reino Unido).
3. Isso corresponde à lógica imperial: era-lhes intolerável o
surgimento de uma potência no Hemisfério Sul e no “Hemisfério
Ocidental”. Geopolítica pura.
4. O objetivo foi atingido por intermédio de agentes locais – pagos
ou não, conscientes ou não -, como jornalistas, políticos e militares,
os quais apareceram mais que aquelas potências diante do público.
5. Pensando nos que contemplam lutar pela sobrevivência do País,
discuto, neste artigo, erros de Vargas que contribuíram para o êxito dos
inimigos do País.
6. Desfazendo mitos, rejeito a versão rósea e insustentável – embora
geralmente aceita – de que o suicídio do presidente e a carta-testamento
teriam impedido os golpistas de fazer prevalecer suas políticas.
Veja-se o título de um dos livros sobre o presidente: “Vitória na
Derrota – A Morte de Getúlio Vargas.”
7. É verdade que a tragédia revelou o profundo amor do povo a
Getúlio. Durante, pelo menos, quinze dias, o povo reagiu, até com
violência, fazendo se esconderem desafetos e caluniadores de seu líder.
8. Entretanto, o presidente não havia organizado o povo, nem formado
seguidores para liderá-lo após sua morte. O único talvez com têmpera
para isso, Brizola, ainda era um jovem deputado estadual.
9. Devido a esse vácuo, o furor popular arrefeceu, Eugênio Gudin e
Otávio Bulhões, ligados à finança britânica, foram designados para
comandar a economia e instituíram a política antinacional destinada a
acabar com a autonomia industrial e tecnológica do País.
10. Em janeiro de 1955, foram baixadas as Instruções 113 e seguintes,
da SUMOC, e mais medidas para entregar a economia ao controle dos
carteis transnacionais, com subsídios incríveis. Desde 1956, essa
política foi aplicada intensivamente por JK e nunca mais revertida.
11. É óbvio que a versão conformista interessa aos simpatizantes do
império. Mas, paradoxalmente, predomina também entre a maioria dos
admiradores e supostos seguidores de Vargas.
12. De resto, as atitudes políticas de muitos desses demonstram terem
sido infieis ao nacionalismo do presidente, fosse por ingenuidade,
covardia, falsidade ou até por colaboração interessada com o sistema de
poder transnacional.
13. Entre os erros fatais de Getúlio esteve admitir a falsa – ou, no mínimo, irrelevante – pecha de ter sido ditador.
14. Queixavam-se de ele ter ficado 15 anos consecutivos na
presidência, de 1930 a 1945, e o acusavam de tencionar voltar a ser
ditador, mesmo quando eleito pelo voto direto, em 1950.
15. Na realidade, o espírito de Vargas era conciliador. Não,
revolucionário. Assumira a liderança da revolução de 1930, por ser o
político mais proeminente do Rio Grande do Sul. Outros foram mais ativos
no movimento.
16. À frente de uma revolução, tinha de comandar um governo
autoritário e designar interventores nos Estados, a maioria tenentes,
que simbolizavam o apoio do Exército ao movimento, além de ideais de
mudança política e social.
17. Nos primeiros meses de 1932 Vargas já promulgara a nova lei
eleitoral e marcara para 03.05.1933 as eleições para a Assembleia
Constituinte. Sem razão, em julho de 1932, foi desencadeada a revolução
“constitucionalista”, na verdade, um movimento liderado pela oligarquia
paulista vinculada aos interesses britânicos.
18. A Constituição de 1934 estabeleceu eleição indireta para a
presidência da República. Eleito Vargas, não cabe qualificá-lo de
ditador.
19. Durante o prelúdio da 2ª Guerra Mundial, novembro de 1937, um ano
após a tentativa comunista de novembro de 1935, veio, por iniciativa de
oficiais do Exército, o golpe criando o “Estado Novo”, com o objetivo
de reprimir os comunistas.
20. Portanto, Vargas só poderia, em tese, exercer dois mandatos em
condições democráticas. O primeiro, quando presidente constitucional, de
1934 a 1937, interrompido pelos chefes militares.
21. O modelo político-econômico do Estado Novo combinou conceitos que
Vargas e o General Góis Monteiro haviam formulado em 1934, sendo a
ideia básica o desenvolvimento industrial sob a direção do Estado.
22. No final do Estado Novo e no mandato ganho em 1950 – e abortado
pelo golpe de 1954 – Getúlio preocupou-se em desmentir a imagem de
ditador. Foi demasiado tolerante – e até complacente – diante das
agressões, complôs e conspirações.
23. O problema era que sempre esteve sob fogo do império
angloamericano, inconformado com a permanência de uma liderança no
Brasil capaz de conduzi-lo ao desenvolvimento.
24. Embora exalte sempre o presidente Vargas, vejo uma contradição
entre sua personalidade conciliadora e a consciência, que tinha, de ser a
autonomia nacional indispensável para realizar o desenvolvimento.
25. Sendo essa a via escolhida, não havia campo para facilitar as
ações subversivas de seus adversários. Ademais, enfrentava-se um império
mundial n vezes mais poderoso que o Brasil: financeira, industrial e
militarmente.
26. Em 1952, Vargas ajudou o inimigo ao não prestigiar o Ministro do
Exército, Estillac Leal, quando os quintas-colunas Góis Monteiro e João
Neves da Fontoura “negociaram” com os EUA o famigerado acordo militar
pelas costas de Estillac.
27. Com isso, este se demitiu do ministério e foi perseguido, nas
eleições para o Clube Militar, por oficiais golpistas, cujas pressões
sobre Leal e partidários deste lhe determinaram a derrota.
28. Novamente, em 1953, o presidente mostrou pulso fraco, não
mandando punir os coroneis signatários do manifesto contra o reajuste do
salário-mínimo.
29. Daí, a conspiração de agosto de 1954 encontrou-o enfraquecido,
quando implicaram a guarda pessoal do presidente no assassinato do Major
Vaz, da Aeronáutica, em esquema montado para fazer crer que o alvo do
crime fosse o virulento jornalista e deputado Carlos Lacerda.
30. O crime foi articulado sob a direção de Cecil Borer, titular da
DOPS – Delegacia de Ordem Política e Social, em que ingressara, em 1932,
com o Chefe de Polícia, também pró-nazista, Filinto Muller.
31. Borer continuou com Dutra, simpatizante fascista. Vargas não o
substituiu, em 1950, não obstante saber que os nazi-fascistas, então,
colaboravam intensamente com os serviços secretos angloamericanos.
32. Getúlio também foi imprevidente, ao nomear o jovem – e sempre
acomodador – deputado Tancredo Neves para o ministério da Justiça, ao
qual se subordina a Polícia. Deviam ter impedido as ilegalidades do
inquérito policial-militar.
33. A própria instauração do IPM, uma semana após o atentado,
significou quebra da autoridade do presidente, concedida por este
próprio.
34. Mesmo tendo logrado distorcer os fatos, através da ação combinada
do DOPS e da Aeronáutica, e da campanha da mídia, os conspiradores não
teriam conseguido derrubar Vargas, se ele não se tolhesse por
preconceitos ideológicos de seus adversários.
35. Teria lutado para inteirar-se da verdade e fazê-la conhecer. Se
esta já não lhe interessava – por estar cansado e decepcionado –
certamente era do interesse do povo. O Brasil precisava dela.
36. Getúlio podia ter feito prevalecer os interesses do País, apoiado
pela Vila Militar, no Rio, onde estavam os tanques. Essa era sua
obrigação perante o Brasil, como em 1945, quando da anterior deposição
por militares manipulados por potências estrangeiras.
37. Então, o pretexto foi a intenção de continuar no poder,
falsamente atribuída a Vargas. Tanto não a tinha, que – além de ter
convocado eleições e não ser candidato -, Getúlio dissuadiu de subjugar o
golpe os chefes militares que tinham poder de fogo e faziam questão
fazê-lo, não fosse a ordem contrária do presidente, sob a irrelevante
justificativa de não querer o derramamento de sangue.
38. Isso não estava em questão, pois, dada a superioridade de forças
dos legalistas, os golpistas se retrairiam. Vide Hélio Silva: “1945 Por
Que Depuseram Vargas” – Civilização Brasileira 1976, pp. 253/4, em que
reporta o apoio ao presidente do Gen. Odylio Denys, então Comandante da
Polícia Militar, e do Marechal Renato Paquet, Comandante da Vila
Militar.
39. Consequência da saída de Getúlio, por desapego ao poder, e sem
substituto à altura, resultou, de 1945 a 1950, a interrupção do
desenvolvimento do País: o Mal. Eurico Dutra, vencedor das eleições,
graças a Vargas, traiu os votos, sendo subserviente às potências
angloamericanas.
40. Durante a 2ª GM, Vargas reduzira a quase zero a dívida externa e
acumulara reservas cambiais. Dutra as dilapidou com importações
supérfluas. Prejudicou a industrialização e dissipou as divisas
congeladas pelo Reino Unido, “em troca” de ferrovias obsoletas, do
Século XIX.
41. O custo do golpe de 1954 foi muitíssimo mais alto: a entrega
subsidiada da indústria ao controle do capital estrangeiro, o que
inviabiliza, até hoje, o desenvolvimento. Isso só pode ser revertido
através de transformações estruturais profundas.
42. De fato, a dependência do País não cessou de aumentar, desde a
legislação dos pró-imperiais instalados com o golpe, a qual foi aplicada
e ampliada por JK – outro que traiu os votos getulistas e iniciou a
sequência de crises que até hoje persegue o País.
* – Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.