Segunda, 31 de dezembro de 2012
Helio Fernandes
Como hoje é dia 31, o último do ano que não acabou, por mais que os
Maias tivessem insistido no marqueting, juntei tudo. Nestes tempos,
excetuados os poucos anos de democracia e o excesso de autoritarismo das
ditaduras, pouco se realizou. Os equívocos são maiores do que os sete
itens que arrolei, e não quero culpar nenhum presidente,
identificadamente, embora todos tivessem culpa.
Presidencialismo-pluripartidário
É a origem de todos os males, ninguém sequer imaginou ou falou no
assunto, nem mesmo nesse tumultuado e “justicializado” 2012. Até 1932 só
existia o Partido Republicano e o voto independente. Com o
pluripartidarismo de 1934, tivemos o primeiro presidente indireto, numa
Constituinte para eleger um presidente saído diretamente da vontade
popular.
Daí surgiram as ditaduras disfarçadas ou ostensivas, e a farsa e a
fraude dos regimes com até 29 partidos. Os presidentes são eleitos, têm
que governar com o Congresso, mas com o maior otimismo ou boa vontade
elegem 70 ou 80 deputados, num total (agora) de 513. O que fazer?
Compor, que palavra. Para qualquer aprovação, precisam de 257 votos.
Como obter a não ser criando 39 ou 40 ministérios, isso no primeiro
escalão?
Medida provisória
Ninguém pareceu perceber, mas é o cemitério da democracia. FHC, logo no início da caminhada pelo Planalto, retumbou: “Sem medidas provisórias, é impossível governar”. Dessa forma ela foi adotada, oficializada, institucionalizada, a primeira grande traição à Constituição de 1988.
Ninguém teve o cuidado de estudar e verificar a origem da maneira de
governar precária e ditatorialmente. As medidas provisórias foram
criadas em 1960 por De Gaulle, no primeiro mandato presidencial. Só que
eram inteiramente diferentes, tinham como objetivo acelerar e não
ofuscar o Congresso. O presidente mandava a “medida”, o Congresso tinha
que votá-la em 30 dias. Aprovada, se transformava em lei, imediatamente.
Rejeitada, era arquivada, e o presidente não poderia repeti-la pelo
resto do mandato. Diferente, não? E os vetos, tão discutidos e
esquecidos? Inesperadamente, por causa do STF, lembraram que existiam
3.060 (três mil e sessenta) deles, quiseram votar todos numa sessão só, trabalhando 8 horas só nisso, precisariam de 1.500 (mil e quinhentas) sessões, não sabem nem aritmética.
Educação, saúde, saneamento
Os assuntos mais falados e logo esquecidos são educação, saúde,
saneamento básico. Na campanha presidencial, Dona Dilma falou que havia
“ultrapassado” todas as metas sobre o assunto.
Agora, dois anos depois, a realidade decepcionante: falta fazer 80
por cento do necessário ou indispensável. Mas não foi só ela, ninguém
fez.
Rodovias, ferrovias, aeroportos
Nesses três setores retrocedemos violentamente. Quando o automóvel
foi inventado em 1894, os Estados Unidos já estavam cruzados e
atravessados por extraordinárias redes de ferrovias. Aí entraram na era
das rodovias, e não demorou muito, surgiram os aviões e os aeroportos.
O Brasil já teve uma rede interessante de ferrovias. Todas com nomes
estrangeiros, mas funcionavam, transportavam cargas e passageiros: São
Paulo Railway, Pernambuco Railway, Leopoldina Railway Company.
Desapareceram, cobriam muitos estados e municípios.
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CORRUPÇÃO LAMENTÁVEL: FUNDO
PARTIDÁRIO, HORÁRIO ELEITORAL
O Brasil tem que fazer, com urgência, algumas reformas. Tem que
começar, indiscutível, indispensável e imediatamente, pela partidária. O
chamado “Fundo” e o horário eleitoral “gratuito” estimulam de todas as
formas a corrupção. Partidos sem representação recebem fortunas desse
“Fundo” e aparecem na televisão em todas as eleições. Não se elegem,
“vivem” de não se elegerem. E ninguém sequer toca no assunto? É
impossível que não percebam que o grande fracasso partidário é o
presidencialismo-pluripartidário.
A Constituinte de 1988 redigiu e votou uma Constituição
parlamentarista. Indo para a votação em plenário, o parlamentarismo foi
derrotado, aprovaram essa aberração de antes e de agora. Quando teremos
um regime autêntico, legítimo, que represente a vontade dos
cidadãos-contribuintes-eleitores?
Perdemos a grande chance em 1988, a chamada Constituição Cidadã.
Perguntem ao deputado Nelson Jobim o que ele foi fazer tarde da noite na
Comissão de Redação. E mais estarrecedoramente, como confessou mais
tarde. Quem comete o “crime perfeito” quer que todos saibam, “o domínio
do fato é meu, exclusivamente meu”.
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PS – O intelectual, político e escritor Gilberto Amado (que
terminou a longa vida como embaixador), no seu livro “Presença na
Política”, fez uma grande constatação: “Antes de 1930, a eleição era
falsa, mas a representatividade era verdadeira. Depois de 30, a eleição
passou a ser verdadeira, mas a representatividade era falsa”.
Indiscutível.
PS2 – Até 1930 só existiam o Partido Republicano e o voto
independente. Em 1910, Rui Barbosa, sem nenhuma comunicação conhecida,
fez a genial “campanha civilista”. Enfrentou as três mais poderosas
forças do país: o Partido Republicano, o Exército e a Igreja. Quase
ganhou do general Deodoro (sobrinho do marechal), apoiado pelo seu
grande inimigo, Nilo Peçanha, que era vice-presidente.
PS3 – Em 1914, Rui retirou a candidatura, com violentíssimo
discurso contra Pinheiro Machado, presidente do Partido Republicano. Em
1918 não quis enfrentar Rodrigues Alves. Em 1919, cansado, doente, sem
apoios, aos 69 anos foi candidato contra Epitácio Pessoa, perdeu, mas
por margem reduzida de votos.
PS4 – O Brasil não tem nenhum presidente estadista. Se Rui
tivesse ganho, teria ele. Se não fizer as reformas que relacionei,
continuará sem nenhum ou sem nenhuma.
PS5 – Os EUA, com mais de 200 anos de República e Independência,
têm apenas cinco. Washington, John Quincy Adams, Jefferson, três dos
“pais fundadores”, como eles mesmos se identificaram na Constituição de
1788.
PS6 – Depois, Lincoln, de 1860 a 1865, quando foi assassinado. E
Franklin Delano Roosevelt, eleito em 1932, 36, 40 e 44. Morreu logo a
seguir com 61 anos, quase acabando a Segunda Guerra Mundial, que ele
ganhou contra Hitler e contra Stalin.
PS7 – O ano ou a década que começa amanhã não trará novidade em relação a governantes estadistas. Nem lá nem cá.
Fonte: Tribuna da Internet