do
Correio da Cidadania
por
Gabriel Brito e Valéria Nader
Com a disputa das eleições gerais se aproximando e tomando conta das discussões nacionais, o Correio da Cidadania entrevistou o sociólogo Ricardo Antunes, professor da Unicamp, que fez uma profunda análise do quadro que se projeta para o pleito de outubro. Para ele, a tarefa fundamental da desmantelada esquerda brasileira é a de evitar uma ‘norte-americanização’ de nossas eleições, diante da evidente polarização Serra/Dilma que se desenha.
No entanto, considera um grande obstáculo para tal objetivo a não formação de uma frente única de esquerda, tal qual se viu em 2006, que terminou com uma surpreendente votação em favor de Heloisa Helena. Defensor de uma candidatura unificada em torno de Plínio Arruda Sampaio, o autor de diversos livros sobre o mundo do trabalho considera um imenso retrocesso a pulverização da esquerda anti-capitalista em três candidaturas.
Tal situação, explica, evidencia a necessidade de um novo movimento de base, unificando e trazendo organicidade aos incontáveis movimentos sociais e de classe que não se enquadraram na conciliação lulista. Organizar trabalhadores e movimentos sociais de norte a sul do país numa única corrente é a tarefa que cabe aos partidos de esquerda no atual momento.
Antunes descarta completamente a hipótese de Marina Silva oferecer novos ventos ao debate político, visto que sua crítica ambientalista já se deixou enjaular nos limites dos interesses do capital.
A entrevista completa pode ser conferida a seguir.
Correio da Cidadania: Como analisa o cenário político que se desenha para as eleições gerais deste ano, mais especificamente no pleito presidencial? Como deverá ser travado o debate político?
Ricardo Antunes: Inicialmente, o quadro que se desenha é uma espécie de aproximação entre as eleições brasileiras e norte-americanas. Há uma norte-americanização de nossas eleições. A polarização entre Dilma e Serra se assemelha ao dualismo político-partidário existente nos EUA. Feito esse movimento, teríamos um processo que, de um lado, tem Dilma e seus aliados da esquerda à direita; de outro, Serra e seus aliados do centro à direita.
Nosso primeiro desafio é ter uma candidatura que faça o real contraponto à norte-americanização do processo eleitoral brasileiro. E essa alternativa só pode ser de esquerda, sem nenhuma ilusão, mas com coragem de tocar nos pontos fundamentais das mazelas da sociedade brasileira.
Correio da Cidadania: Sendo assim, que papel deveria caber às candidaturas de esquerda nesse pleito? O que seus candidatos e partidos, especialmente num espaço tão exíguo de tempo, deveriam tratar de transmitir à população?
Ricardo Antunes: É evidente que o processo eleitoral não pode ser entendido como o elemento decisivo, sendo os demais irrelevantes. Eu diria que o momento eleitoral será cada vez mais positivo e forte para as mudanças sociais de esquerda quanto mais estiver impulsionado e respaldado pelo movimento popular, de base, fundado nas forças sociais do trabalho, nas massas do campo e da cidade. É preciso reorientar o movimento, fortalecer uma organização popular, de modo que esta impulsionasse num futuro próximo um movimento político que pudesse ter mais conseqüência nas disputas eleitorais.
No momento, essa força popular não existe sob esses três partidos. A força popular hoje está com o MST. Mas se conseguirmos, ou conseguíssemos, fazer um contraponto, mostrando que não há possibilidade alguma de resolver as questões causadoras do flagelo e miséria do Brasil sob essa ordem, já seria um grande avanço.
E é possível relacionar questões imediatas, próprias da vida cotidiana, com questões mais gerais. Por exemplo: lutar, fortemente, pela redução da jornada de trabalho, sem redução de salário. É uma questão muito importante, pois, a partir dela, se incluiria no mercado uma enorme parcela da população que se encontra desempregada. Aproxima a classe trabalhadora desempregada da empregada, mostrando que uma bandeira pode ser um grande ponto de unidade e aglutinação entre esses dois pólos da classe trabalhadora. E permitira perguntar: ‘Quem controla o tempo da minha vida? Quem deve controlar?’. E também questiona que tipo de sociedade somos, o que produzimos e para quê.
Ou seja, uma só bandeira, da redução de jornada, que aparentemente não toca nos pilares do metabolismo social do capital, pode ser decisiva no futuro. Não por acaso Marx, no volume 3 de ‘O Capital’, disse que a luta pela redução da jornada era decisiva para a luta emancipatória. Porque ele pensava o aqui e agora articulado com um projeto social de horizonte socialista.
A questão agrária é outro caso semelhante. A quem interessa o agronegócio, a agroindústria, o etanol, que escraviza ou semi-escraviza uma infinitude de trabalhadores que, no corte da cana, vivenciam as condições mais exploratórias e degradantes de trabalho? A quem interessa uma produção de commodities para exportação, eliminando a agricultura familiar, voltada à subsistência e alimentação das classes trabalhadoras? Elimina-se a agricultura familiar e introduzem-se os plantios de commodities ou mares de cana para etanol, prejudicando o solo, retirando alimentos da população trabalhadora.
Vive-se uma regressão neocolonial, pois estamos retornando a um passado de país agrícola. Neste momento, seria mais decisivo ainda colocar essa questão, pois podemos ser o país do agrobusiness essencialmente, isto é, uma dupla submissão.
Tais exemplos – de luta pela desconcentração de terra, contra o agronegócio, e pela redução da jornada – mostram que uma campanha alternativa contra a ordem pode partir de pontos imediatos.
Leia a íntegra da entrevista
“Desafio da esquerda é se contrapor à norte-americanização das eleições brasileiras”