Domingo, 5 de janeiro de 2014
Se preferir clique aqui e leia esta postagem diretamente no blog do seu autor, o professor Salin Siddartha.
O
transporte é fundamental para qualquer indivíduo ter acesso a serviços e
benefícios sociais. Mais do que isso, é um direito humano inscrito na Constituição.
Portanto, quando um sistema de transporte é inacessível para uma pessoa ou para
um segmento social, ele produz um efeito em cascata perverso que inviabiliza o
acesso a todos os demais serviços e os sujeita a viver de forma isolada ou
subumana.
Uma
das missões do Governo do Distrito Federal deveria ser a de promover a
eficiência do setor de transportes, visando a impactos positivos na segurança
pública, meio ambiente, educação, saúde, energia, movimentação urbana, crescimento
econômico. É que o meio urbano, a cada dia, apresenta-se mais ambientalmente
insustentável, o aquecimento global fica mais evidente, sendo o modo de
deslocamento um potencializador desse agravante.
O
transporte coletivo, pelo número de pessoas que conduz, é menos poluente e deve
ser priorizado, além dos meios alternativos, como a bicicleta. Por isso,
torna-se necessário o estímulo a uma mudança de hábitos da população, que dê
preferência aos meios não-motorizados sobre os demais, assim como os serviços
de transporte coletivo sobre o individual. É preciso convencer as pessoas de
que há outras maneiras de se sentir engrandecido além de ter seu carro próprio
e fazê-las compreender que o uso desordenado do automóvel nos deslocamentos
individuais já não pode garantir a mobilidade da maioria dos cidadãos.
A
ampliação do sistema viário é uma possibilidade que se extinguirá em breve no
Distrito Federal (já se necessita, nesta cidade, de 32 km de novas vias por
ano). Não há como, do ponto de vista orçamentário, financiar esse volume de
obras e também não há espaço físico para fazê-lo. Já o metrô, por ser
subterrâneo, não demanda demolições ao longo das vias, como ocorreria no caso
do aumento e ampliação das ruas e avenidas.
É
importante unificar o sistema de transporte coletivo no DF, com ônibus, metrô,
veículo leve sobre pneus ou sobre trilhos e trem operando em conjunto por meio
de terminais de integração. As interligações entre os grandes modais (ônibus,
metrô, trem e VL) e o transporte alternativo de bicicletas devem ser
estimuladas, com ciclovias ligando bairros a grandes terminais de integração. O
transporte de massa é eficiente quando combina qualidade, pontualidade e preço.
A integração é a palavra-chave. Assim, a transformação desse caos atual em uma
matriz de transporte que priorize o coletivo deveria envolver a ação do Governo
do Distrito Federal, combinada com a prática cidadã, alicerçada em um programa
consistente e persistente de educação e conscientização. A implantação de um
sistema sustentável de transporte no Distrito Federal garantiria a qualidade de
vida e também refletiria positivamente na área de habitação, pois o alcance da
moradia completa passa, obrigatoriamente, por um bom sistema de transporte
coletivo, que garanta locomoção com dignidade e acesso ao direito de ir e vir
da população.
Os
modos não-motorizados constituem uma alternativa válida ao atual modelo de
deslocamento. A infraestrutura especial para pedestres e ciclistas ainda é
muito reduzida. As ofertas de vias exclusivas para pedestres são de 0,02% do
total do sistema viário da Capital da República, e a oferta de ciclovias e de
ciclofaixas são de 0,45% do sistema viário urbano brasiliense, bem como a
oferta de estacionamentos especiais para bicicletas também é extremamente
pequena (deve-se levar em consideração que, hoje, são feitas mais de 50 mil
viagens de bicicleta por dia no Distrito Federal).
O
governo local poderia fomentar o debate com a população sobre o uso sustentável
da bicicleta no DF, com a participação de técnicos, especialistas, usuários de
bicicleta e autoridades. Seria mister acrescentar a instalação de bicicletários
e criar a cartilha da bicicleta, contendo informações úteis aos ciclistas para
garantir sua segurança e a dos outros usuários das vias públicas.
O
uso da bicicleta é uma solução que aproveita o terreno plano de grande parte do
DF, e que já é adotado como meio de transporte em vários países e em muitas
capitais do mundo. Várias cidades europeias demonstram todos os dias que o
objetivo da diminuição do uso individual do automóvel não é apenas desejável,
mas também plausível. Na capital da Dinamarca, Copenhagem, vivem 1.300.000
pessoas, e um terço delas usa a bicicleta para ir e voltar do trabalho. Podemos
expor, ainda, o exemplo de Bogotá, na Colômbia, que criou 180 novos parques e
quase 200 km de vias para uso de bicicleta – o que levou os cidadãos a compreenderem
a necessidade de a cidade incluir as pessoas, e não os automóveis.
Outro
aspecto para o qual o GDF deve voltar a sua atenção é o de que, no Distrito Federal,
falta o modal ferroviário convencional no transporte urbano e em médias e
longas distâncias, que ofereça rapidez, conforto e baixas tarifas para os
usuários, reduzindo a emissão de CO² e ajudando na revitalização de setores
populares, que se encontram em estado de degradação. O trem regional é um
sistema barato porque, além de ser movido a diesel, aproveita uma faixa de
domínio existente, exigindo uma demanda menor de passageiros por hora. O trem
regional ligaria o Plano Piloto ao Entorno e a algumas cidades do DF, em
distância média de 70 km.
Logo,
reativar as linhas férreas que se encontram entre a antiga Rodoferroviária e
Luziânia serviria para transportar, no mínimo, 66 mil pessoas por dia,
efetuando integração com o metrô, provavelmente no Guará, e seguir até a
Rodoferroviária para realizar a integração com linhas de ônibus ou de veículo
leve sobre pneus. A instalação seria relativamente barata, porque a linha
férrea já existe, embora seja necessário construir as estações e reformar os
vagões, que são de propriedade da União e estão parados em depósitos em São
Paulo. Com o trem, o tempo da viagem de Valparaíso a Brasília baixaria para 26
minutos.
Em
suma, o caos no sistema de transporte no Distrito Federal chegou a um ponto que
não dá para empregar uma resposta convencional. Requer algo extraordinário,
diferente. Trata-se de um direito da população que precisa ser construído
coletivamente, abrindo a discussão aos diversos setores da sociedade para
participarem de um debate que apresente idéias e soluções para os complexos
problemas do trânsito e do transporte na Capital da República.
(Cruzeiro-DF,
5 de janeiro de 2014)