Sexta, 22 de julho de 2016
Do Jornal de Brasília
Millena Lopes
Foram dez horas de sessão, em pleno recesso parlamentar. Motivada por
áudios que denunciam um suposto esquema de distribuição de propina no
Governo do DF, a CPI da Saúde se reuniu ontem para ouvir a presidente do
Sindsaúde, Marli Rodrigues, e o vice-governador Renato Santana. A
sindicalista apresentou documentos e um áudio em que o ex-subsecretário
de Saúde, Marco Júnior, detalharia um suposto esquema de propina na
Secretaria de Saúde.
Para ele, a primeira-dama Márcia Rollemberg tem super poderes na
pasta e, a partir do desenho de um fluxograma, ele detalha como agiriam
as pessoas ligadas a ela e ao governador Rodrigo Rollemberg. Servidor da
Secretaria na época em que Fábio Gondim foi o titular da pasta, Marco
Junior diz que Marcello Nóbrega, que hoje é subsecretário de Logística e
Infraestrutura da Saúde, agiria a mando da mulher do governador na
pasta.
O esquema descrito pelo ex-subsecretário traz nomes como o do chefe
da Casa Civil, Sérgio Sampaio, que seria a “figura de confiança” do
governador. Adiante, explica que, ligados a Sampaio teriam outras
pessoas: Sady Carnot Falcão Filho, ex-diretor executivo do Fundo
Nacional de Saúde; o diretor do Hospital da Criança, Renilson Rehem; e
Armando Raggio, diretor da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da
Saúde (Fepecs).
Os tentáculos alcançariam até o Ministério da Saúde, de acordo com o que foi apresentado aos deputados distritais.
Na secretaria, Marcello Nóbrega e o ex-gestor do Fundo de Saude,
Ricardo Cardoso, agiriam de acordo com as cartas dadas pelo
representante no órgão federal. Haveria, conforme Junior, até um acordo
para que Cardoso fosse indicado para o cargo vitalício de conselheiro do
Tribunal de Contas do DF no ano que vem.
Até deputados
Dois deputados distritais foram citados como influentes dentro do
esquema: Cristiano Araújo (PSD) e Robério Negreiros (PSDB), que
rechaçaram as acusações que viriam, antes mesmo de Marli Rodrigues
começar a depor na Câmara, ontem. Os dois, que são membros titulares do
colegiado, se disseram tranquilos e que aguardarão as apurações.
Um “operador” dentro da pasta
De acordo com o fluxograma desenhado por Marco Junior, a
primeira-dama teria um “operador” dentro da Secretaria de Saúde:
Marcello Nóbrega, conforme foi dito, teria sido o motorista dela,
informação que foi rechaçada pelo governo. Segundo a Secretaria de
Saúde, ele é economista, tem qualificação e experiência para o cargo que
ocupa (subsecretário de Logística e Infraestrutura da Saúde).
Primeira-dama seria forma de proteção
Márcia Rollemberg, conforme o áudio gravado por Marli Rodrigues e
entregue à CPI, seria a “governadora”. E daria as cartas, principalmente
na Secretaria de Saúde. “O governo é dela. Ela fez a gestão desse
governo”, conta o subsecretário.
O fato de ela estar na linha de frente pode ter sido estratégia para
limpar a barra do chefe do Executivo. “Se tu não pega a primeira-dama,
tu não pega o governador, porque a proteção dele é essa”, arrisca.
O “delator”
Em vários momentos da gravação, Marco Junior reclama da omissão do ex-secretário e diz que ele acreditava demais nas pessoas.
O ex-subsecretário, assim como o jornalista Caio Barbieri, que aparece nos áudios fazendo questionamentos a Júnior, foi convocado para depor. Gondim, que aparece em outro áudio dizendo que há um “meio podre” na pasta, também deve ir à Câmara.
O atual secretário de Fazenda, José Antônio Fleury, Marcello Nóbrega e
Ivan Castelli, que foi convidado para ser titular na Saúde, estão na
lista de convocados.
À reportagem, Gondim disse que foi gravado sem autorização e que está
tomando as “medidas judiciais cabíveis”. O conteúdo da gravação, ele
argumenta, “não reflete meu pensamento atual”.
Saiba mais
No depoimento, Marli disse que o fluxograma desenhado pelo
ex-subsecretário pode mudar a saúde pública de todo o País, por mostrar
que o esquema chega à esfera federal.
“Quando chegamos no Ministério da Saúde, a história vazou e não pudemos mais continuar (com as investigações)”, explicou.
Marli e Santana serão confrontados
A sindicalista Marli Rodrigues foi categórica ao dizer aos distritais
que o vice-governador se referia ao governador Rodrigo Rollemberg,
quando relatou que “ele” teria autorizado a cobrança de 10% de propina
em contratos da Secretaria da Fazenda.
Renato Santana, que depôs à tarde, rechaçou “veementemente” a afirmação de Marli, que saiu da Câmara sob proteção policial.
“Ele (Renato Santana) disse que o governador tinha autorizado. Ele (Rollemberg) autorizou”, afirmou Marli. Depois de ironizar as pessoas que afirmam que ele estaria tramando contra o governador, dizendo que “muita gente anda assistindo House of Cards (série política da Netflix)”, Santana afirmou que não se encontrou “com Marli para conspirar” e disse que, ao receber um relato sobre um episódio na Secretaria da Fazenda, não estava acusando ninguém. “Recebi um relato de um grupo de quatro empresários. Em seguida, compartilhei com o governador”, afirmou.
Divergências
Em função das divergências, o deputado Wasny de Roure (PT) apresentou
requerimento para uma acareação. E foi aprovado por dois votos
favoráveis (o dele e o do deputado Wellington Luiz, presidente do
colegiado), um contra (deputado Roosevelt Vilela) e três abstenções
(Robério Negreiros, Cristiano Araújo e Bispo Renato).
O petista questionou o fato de Santana ter sido omisso em não informar às autoridades sobre o suposto pagamento de propina.