Sexta, 27 de abril de 2018
Especialistas apontam aumento da violência e das desigualdades como as principais consequências da Emenda Constitucional 95.
“A falta de investimento em políticas públicas já fez retornar 11% da população que tinha saído da pobreza extrema para essa situação”
Do MPF
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
“O maior desafio que nós enfrentamos na área de direitos humanos, sem dúvida alguma, é a Emenda Constitucional 95”, destacou a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados na última quarta-feira (25). Promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), o evento contou com a participação de representantes da sociedade civil, movimentos sociais e agentes públicos para subsidiar a elaboração de um plano de trabalho da Comissão.
A procuradora lembrou que a Constituição Federal de 1988 foi o primeiro documento político do Brasil a inaugurar um regime de direitos, visando combater o quadro de exclusão por meio do reconhecimento de novos sujeitos, como indígenas, quilombolas, grupos tradicionais, trabalhadores rurais, população LGBT e pessoas com deficiência, entre outros, estratégia que exigiu robusto investimento no orçamento público para a promoção da igualdade e da não-discriminação.
“A Emenda Constitucional 95 acaba com tudo isso. E acaba pelos próximos 20 anos porque bloqueia um investimento que teria que crescer. Ela faz isso contra todas as orientações de órgãos nacionais e internacionais de direitos humanos”, frisou Deborah Duprat ao citar experiências semelhantes nos Estados Unidos e na Europa que se mostraram ineficazes ao desenvolvimento ao mesmo tempo em que ampliaram as desigualdades e a pobreza de suas populações. “O Brasil adotou essa política sem consulta, sem participação social e sem transparência. E esses são os primeiros requisitos para implementar uma política dessa magnitude”, denunciou a procuradora criticando o longo período de duração da Emenda.
Darci Frigo, representante da Plataforma de Direitos Humanos (Dhesca Brasil), também fez críticas em relação às políticas de austeridade. Para ele, o atual cenário de ataque à democracia impõe a necessidade de articulação das diversas instituições para impedir o avanço do Estado de exceção. “A Emenda Constitucional 95 é um instrumento de violação de direitos humanos em massa”, alertou Frigo.
Os participantes do encontro destacaram que as políticas econômica e fiscal adotadas pelo Estado brasileiro têm implicações mais profundas. A onda de violência (no campo e na cidade), a criminalização dos movimento sociais, o cerceamento da liberdade de manifestação, a desestruturação de políticas afirmativas, o racismo institucional, a intolerância religiosa, o encarceramento em massa e a estigmatização de grupos vulnerabilizados foram apresentadas como as consequências mais visíveis da Emenda Constitucional 95. Nesse sentido, além de reforçar o enfrentamento à violência, que também atenta diretamente contra a vida de defensores de direitos humanos, Deborah Duprat sinalizou a importância do fortalecimento de conselhos, fóruns, conferências e demais espaços de participação social, que têm sofrido esvaziamentos. “Decisões importantes sobre a maneira como queremos viver e a maneira como queremos vivemos coletivamente não estão sendo tomadas”, finalizou a procuradora.
Retrocessos – De acordo com os participantes do debate, as medidas adotadas pelo governo beneficiam a parcela mais rica da população em detrimento de grupos que, historicamente, foram negligenciados pela falta de tutela do Estado. Segundo informações apresentadas por Darci Frigo, cerca de 44% do Produto Interno Bruto (PIB) é gasto com o pagamento de juros de dívidas, ao passo que, em 2016, apenas 3,7% do montante foi direcionado para a educação; 3,9% para a saúde; 0,33% para a segurança pública; e 0,09% para reforma agrária, agricultura familiar e políticas para o campo. “A falta de investimento em políticas públicas já fez retornar 11% da população que tinha saído da pobreza extrema para essa situação”, lamentou Deborah Duprat ao dizer que o compromisso assumido pelo Brasil em implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) fica severamente comprometido diante atual quadro de recessão.