Sexta, 27 de abril de 2018
Meta é ter um representante por Estado no Congresso para defender terras ameaçadas por pressão de fazendeiros e empresários, denunciar assassinatos e desmonte da Funai
Índios durante protesto em Brasília nesta quinta-feira. ERALDO PERES AP
Do El País
AFONSO BENITES
Brasília 27 ABR 2018
A bancada ruralista no Congresso cresceu desde 2014, e ganhou fôlego com a entrada do Governo Michel Temer, que passou a usar as terras indígenas como instrumento de barganha para manter o apoio desses parlamentares. Para reagir a esse quadro, representantes de cerca de cem povos indígenas brasileiros se comprometeram nesta quinta-feira a apoiar candidaturas de índios e índias para o parlamento e para a vice-presidência da República. De simples espectadores da política, eles agora querem se tornar protagonistas. A meta é ousada: eleger ao menos um índio por Estado que lançar candidatura. Um levantamento prévio feito pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), constatou que há ao menos 36 pré-candidatos aos cargos de deputado estadual, deputado federal e senador que se declaram índios de diversas etnias e buscam o apoio de seus “parentes”, como eles se chamam. Hoje há mais de 800.000 indígenas no país, uma força importante que quer ver-se melhor representada no Congresso para defender sua cultura e suas terras, constantemente ameaçadas pela invasão do homem branco, e para denunciar os assassinatos.
Entre os pretensos ocupantes das cadeiras de autoridades, estão correligionários dos extremos do espectro político. Tem desde Sônia Guajajara, candidata a vice-presidente de Guilherme Boulos, do esquerdista PSOL, até militantes do PSL, o partido do deputado de extrema direita Jair Bolsonaro. No evento, também se apresentaram como candidatos índios políticos vinculados ao PP, REDE, PV e PCdoB. “Não estamos preocupados com os partidos. Nossa causa é a causa indígena, diz o advogado Dinamã Tuxá, um dos coordenadores nacionais da APIB. “Fomos colonizados há 518 anos. Cabe a nós nos descolonizarmos, mas, para isso, temos de eleger os nossos parlamentares”, completou Dinamã, natural do povoado Tuxá, da Bahia.
Desde Mario Juruna, que ocupou uma vaga de deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro entre 1983 e 1987, nenhum outro indígena esteve no parlamento brasileiro. Há dezenas deles em Câmara Municipais e nenhum em Assembleias Legislativas. “No Congresso Nacional temos apenas simpatizantes. Militantes em movimentos sociais que nos ajudam, mas não pensam como pensamos. Não conhecem nossas necessidades de fato”, afirmou Marivelton Barroso, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. Do povo Baré, Barroso representa um grupo de 40.000 índios, de 23 povos que vivem no noroeste do Amazonas. Os anúncios das pré-candidaturas juntamente com os pedidos de apoios foram feitos como um dos atos de encerramento do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília. O acampamento na capital ocorre anualmente e está em sua 15ª edição. Desta vez aconteceu entre os dias 23 e 26 de abril e reuniu milhares de indígenas na capital do país.
Desmonte da Funai
Pelo segundo ano seguido, o ato testemunhou o governo federal demitindo o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), o órgão responsável pela política indigenista, durante os dias do encontro. Nas duas ocasiões, a razão para a queda do chefe da Funai foi o mesmo: queixas da bancada ruralista que não se sentiam seguras com o comando da fundação. Os parlamentares temiam que houvesse um avanço das demarcações de terra pelo país e, consecutivamente, houvesse uma redução das áreas dos grandes latifundiários.
O general Franklimberg Freitas, que ocupava a presidência da Funai, pediu demissão alegando pressão dos ruralistas. Agora, o cargo passa a ser ocupado por Wallace Moreira Bastos, um empresário e pregoeiro sem nenhuma experiência com a questão indígena. “O desmonte da Funai é feito pelo Congresso Nacional com a anuência do presidente. Eles colocam políticos em cargos técnicos para evitar que nos atendam”, afirmou Dinamã Tuxá. No documento firmado ao fim do encontro, os representantes dos povos indígenas foram explícitos na crítica ao novo presidente do órgão. “Não aceitamos o loteamento político da FUNAI, especialmente para atender interesses da bancada ruralista e demais setores anti-indígenas, como as últimas nomeações de presidentes, incluindo a do Sr. Wallace Moreira Bastos, cujo currículo denota completa ignorância das questões indígenas”.
Índios pintam o chão para simbolizar o genocídio indígena no Brasil. ERALDO PERES AP
Além de protestar pelas trocas no comando da Funai, os participantes do ATL fizeram ao menos duas manifestações pelas ruas de Brasília. Na quarta-feira, estiveram em frente à Advocacia Geral da União para reclamar do parecer 001/2017 que criou regras para dificultar demarcações de terras indígenas. Esse documento estabeleceu que só poderão ser demarcadas áreas ocupadas pelos índios até a data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Já na quinta-feira, estiveram em frente ao Palácio do Planalto e ao Ministério da Justiça para protestar contra o genocídio em terras indígenas. Os protestos reuniram entre 1.500 e 2.000 pessoas de acordo com a Polícia Militar.
Para tentar amenizar as críticas a sua falta de atenção para com os índios, o presidente Michel Temer (MDB) anunciou nesta quinta-feira que homologou a demarcação administrativa da terra indígena Baía do Guató, no Mato Grosso. Uma área de 20.000 hectares na cidade de Barão de Melgaço deixa de ser de fazendeiros e passa a ser dos índios. Apesar de tentar parecer que era um ato de boa vontade com os Guató, Temer só o fez por conta de uma decisão judicial. É a primeira homologação de seus dois anos de governo. Enquanto as demarcações estão empacadas, há 400 áreas reivindicadas por indígenas que aguardam o andamento dos trâmites na Funai.
Cacique Raoni
O coro pelas candidaturas indígenas foi reforçado pelo famoso cacique Raoni Metuktire, da etnia caiapó. Em sua língua nativa, ele fez um discurso para os 3.500 participantes do ATL conclamando os índios a não brigarem entre si e, ao invés de votarem nos brancos, apoiarem seus pares. “Essa união tem de ser mantida”, afirmou o cacique, segundo o apresentador do evento que traduziu o discurso de Raoni do caiapó para o português.
O cacique também cobrou que os jovens passem a participar com maior afinco da política. “Já tenho bastante idade. Um jovem tem de aparecer para trabalhar como eu e o Juruna trabalhamos”. Militante veterano, a data de nascimento de Raoni é incerta. Seus biógrafos estimam que ele tenha nascido entre 1930 e 1932. Ele ficou conhecido mundialmente pela preservação dos povos indígenas da Amazônia. Na década de 1950, aproximou-se dos famosos irmãos indigenistas brasileiros Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas. É quase uma unanimidade entre o seu povo. Durante o ato de encerramento do ATL um dos poucos momentos em que todo o público se calou foi para ouvi-lo discursar. Após sua fala, vários pré-candidatos fizeram fila para posar para fotos ao seu lado. “Um santinho com o cacique Raoni vale muito para a minha candidatura”, afirmou um dos índios que disputará uma vaga no Congresso.
Indígena no Acampamento Terra Livre, em Brasília. CARL DE SOUZA AFP