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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 3 de abril de 2018

Grupo Tortura Nunca Mais entrega medalhas a defensores de direitos humanos; manifestantes acendem velas para Marielle e Anderson no Brasil e no exterior

Terça, 3 de abril de 2018
Isabela Vieira - Repórter da Agência Brasil
O Grupo Tortura Nunca Mais entregou hoje [ontem] (2), pelo 30º ano, a Medalha Chico Mendes de Resistência. A cerimônia foi realizada no Teatro Odylo Costa Filho na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

O grupo faz a homenagem sempre no dia 1º de abril, para marcar o golpe civil militar em 1964, mas que como este ano caiu no domingo, foi marcada para esta segunda-feira. Ao todo, 12 medalhas foram distribuídas. A iniciativa é rememorar mortos e desaparecidos na ditadura e homenagear instituições e pessoas que atuam na defesa dos direitos humanos.

Uma delas é Rute Fiuza, mãe de um jovem de 16 anos, negro, que desapareceu, em frente de casa, em Salvador, em 2014. Desde o desaparecimento ela cobra respostas das autoridades, Rute relata que o menino foi sequestrado por homens encapuzados. Por denunciar suspeita de participação de policiais, ela relata que tem enfrentado ameaças.

“Estamos homenageando a Rute como forma de homenagear mães que estão, dia após dia, perdendo seus filhos assassinados nas favelas, bairros pobres e que ainda são ameaçadas por buscar respostas”, disse Cecília Coimbra, da direção do Tortura Nunca Mais.

Os outros homenageados são: Fabiana Braga, jovem integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que foi presa e torturada, no Paraná, por seis meses; Mãe Meninazinha de Oxum, do Ilê Omolu Oxum, símbolo da luta contra intolerância religiosa; Ana Maria Tellechea, promotora uruguaia responsável por investigações contra o assassinato de militantes políticos pela Força Áerea daquele país; a líder comunitária indígena Milagro Sala, presa política na Argentina; além de Ilma e Rômulo Noronha, casal de militantes da Ação Libertadora Nacional e ex-presos políticos.

O líder sindical Comandante Paulo Mello Bastos, que pilotou o avião trazendo Jango ao Brasil, após a renúncia de Jânio Quadros, também foi homenageado, assim como os militantes Jaime Petiti, desaparecido na Guerrilha do Araguaia e José Barreto (Zequinha), assassinado por militares, junto com o capitão Carlos Lamarca, no interior da Bahia. “Carlos Lamarca já estava doente e o Zequinha o levava nas costas”, relembrou Cecília.  Cosme Alves Netto, ex-preso político, responsável por transformar a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio em ponto de resistência política, na década de 1960, também estava na lista. Ele foi ainda programador do antigo Cinema Paissandu, ponto de encontro da juventude à época.

Entre as instituições, também receberam a medalha a Ocupação Manuel Congo, marco na luta por moradia, e a Casa Nem, que recebe transexuais em situação de rua.

“A medalha tem espírito, de relembrar o golpe de 1964 e o terrorismo de Estado que se implantou neste país. O que aconteceu lá atrás, continua acontecendo hoje, as pessoas continuam desaparecendo nos camburões da polícia e morrendo em 'autos de resistência’' – utilizadíssimo na ditadura. A maioria dos mortos naquele período era morto em tiroteio ao resistir a prisão, morto por atropelamento ou suicídio. Outra questão é a tortura, institucionalizada na ditadura e usada até hoje pelo Estado”, disse Cecília Coimbra.

O Tortura Nunca Mais surgiu na década de 1980 reunindo ativistas, sobreviventes e parentes de mortos e desaparecidos políticos, como forma de trazer à tona os crimes da ditadura, assim como discutir os termos da Lei de Anistia. Em 1989, o grupo criou a medalha Chico Mendes, em contraposição a Medalha do Pacificador, do Comando Militar do Leste, entregue a diversos oficiais do Exército, entre eles, que cometeram torturas durante o período militar, segundo o grupo. 

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Vladimir Platonow - Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - O ato Luzes para Marielle e Anderson reúne manifestantes no Largo do Machado. O público compareceu segurando velas e lanternas (Vladimir Platonow/Agência Brasil)
O ato Luzes para Marielle e Anderson reúne
manifestantes no Largo do Machado. O público
compareceu segurando velas e lanternas
Vladimir Platonow/Agência Brasil
Um ato realizado no Rio de Janeiro, com edições em diversas cidades do Brasil e até no exterior, lembrou o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ocorrido em 14 de março. Pessoas levaram velas e lanternas a locais públicos como praças e ruas, no evento intitulado Luzes para Marielle e Anderson.

No Rio, uma das maiores concentrações aconteceu no Largo do Machado, na zona sul, onde foram penduradas fotos da vereadora e produzidos cartazes com frases pedindo justiça ao crime, que completou 19 dias ainda sem solução.

“É uma homenagem a eles. Foi um assassinato brutal, uma coisa absurda, uma monstruosidade contra uma pessoa que só lutava pelo bem. Está muito difícil de desvendarem isso. Eu tenho esperança, mas não acredito muito não”, disse a bióloga Heloisa Coelho, que foi ao ato juntamente com a filha.

Para outras pessoas, a morte de Marielle está inserida em um contexto de radicalização política, como defendeu o professor universitário Evandro Vieira Ouriques. “É mais um fato que se encaixa nesta direção. A sociedade precisa fazer uma autocrítica, de maneira a deixar de aderir ao fascismo”.

No Rio, foram pelo menos 15 atos em vários bairros. Também houve manifestações semelhantes em Niterói. Segundo os organizadores do evento, convocado pela internet, ocorreram atos em cerca de 160 cidades do Brasil e em 15 países, entre eles Portugal, Estados Unidos e França.

Marielle e Anderson foram mortos a tiros, na noite do dia 14, no bairro do Estácio, após deixarem a Lapa, onde ela participou do seu último ato político. As investigações seguem em sigilo. O secretário de Segurança do Rio, general Richard Nunes, falou que os indícios apontam para um crime com motivação política.