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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Intervenção militar não melhorou segurança no Rio, diz estudo

Sexta, 27 de abril de 2018
“Neste momento, a intervenção não tem programa. Utilizaram 40 mil homens para apreender 140 armas. Algo está errado. Nenhuma política de  segurança pode funcionar no Rio sem inteligência."


Do
IHU — Instituto Hunitas Unisinos
Relatório aponta que, nos dois meses de ocupação militar, estado teve mais tiroteios e mais chacinas. Cerca de 40 mil homens foram postos nas ruas, mas apenas 140 armas foram aprendidas.
A reportagem é de João Soares, publicada por Deustche Welle, 26-04-2018.
intervenção federal tem amplo apoio da população, mas, nos dois meses desde seu início, falhou em conter a violência no Rio de Janeiro: houve mais tiroteios e chacinas no estado, segundo revela um relatório independente divulgado nesta quinta-feira (26/04), sob o título À deriva: sem programa, sem resultado, sem rumo.
O título do relatório produzido pelo Observatório da Intervenção sintetiza a análise das instituições que integram a iniciativa criada para monitorar a intervenção. Coordenadora do projeto, a pesquisadora Sílvia Ramos define o que os dados ilustram: “A intervenção não resolveu os problemas da segurança pública do Rio e trouxe outros novos”.

De acordo com os dados coletados entre 16 de fevereiro e 16 de abril deste ano pelas 20 instituições públicas e privadas que integram o Observatório, as 70 operações realizadas nesse período envolveram 40 mil homens, no total, e resultaram na apreensão de apenas 140 armas. Durante as ações, 25 pessoas morreram. O número de tiroteios registrados no estado durante a intervenção chegou a 1.502, ante os 1.299 observados nos dois meses anteriores à vinda das Forças Armadas.
Outro indicador revelou que, em comparação ao mesmo período do ano passado, o número de chacinaspraticadas no estado dobrou, saltando de seis para 12. Ante esses dados, Sílvia Ramos criticou a falta de transparência sobre as verbas empregadas na intervenção e cobrou esclarecimento sobre as metas a serem atingidas com a presença dos militares no estado, para que possam ser monitoradas.
“Neste momento, a intervenção não tem programa. Utilizaram 40 mil homens para apreender 140 armas. Algo está errado. Nenhuma política de segurança pode funcionar no Rio sem inteligência. É simples: onde há mancha criminal, onde está havendo mais mortes e roubos, é preciso investir mais”, afirmou.
“Não dá para termos esses números e, no sábado e domingo, colocar ‘soldadinho’ lá na orla, deixando a Baixada Fluminense e o município de São Gonçalo nessa situação que vem se agravando desde 2017, de forma dramática nos últimos dois meses”, completou.
A reportagem entrou em contato com o Gabinete de Intervenção Federal para questionar os objetivos do projeto e os recursos empregados até aqui. Em nota, o Gabinete afirmou estar “dedicado aos objetivos estabelecidos de diminuir progressivamente os índices de criminalidade e fortalecer as instituições da área de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. Medidas emergenciais e estruturantes estão sendo tomadas e serão observadas ao longo do período previsto de Intervenção Federal”.

A que serve a intervenção?

O coronel Íbis Pereira, comandante geral da PM do Rio em 2014, lembrou que as Forças Armadas atuam no estado do Rio desde agosto do ano passado. Logo, o período de dois meses seria suficiente para se fazer uma avaliação crítica da intervenção até aqui. Ele defendeu uma reforma das instituições policiais como uma pauta a ser priorizada pela próxima legislatura.
“O relatório não poderia ter um nome mais preciso e verdadeiro. Não podemos continuar tratando a segurança pública da forma amadora e irresponsável como a União tem feito nos últimos anos. A Constituição de 1988 completa 30 anos, e o capítulo sobre esse tema nunca foi regulamentado. Temos uma Polícia Civil que investiga e não patrulha, uma Polícia Militar que patrulha e não investiga, e uma Polícia Federal que não trabalha em sintonia com as instituições estaduais”, criticou.
“Não dá para continuar nesse cenário com o número de mortos que temos. Ultrapassamos o limiar de 60 mil e, se não fizermos nada, vamos ultrapassar os 70 mil por ano. Não dá para viver em um país assim e continuar acreditando que vivemos em um Estado democrático de direito”, acrescentou.
Os representantes de instituições que atuam em parceria com o Observatório lembraram que a chacina de oito mortos na Rocinha, no final de março, segue sem explicações do Gabinete de Intervenção Federal. Outro massacre mencionado foi o ocorrido no morro do Salgueiro, no município de São Gonçalo, região metropolitana do Rio. Na ocasião, oito pessoas foram mortas com características de execução durante operação conjunta da Polícia Civil com as Forças Armadas.
O subdefensor público-geral do Rio, Rodrigo Pacheco, afirmou que o caso foi encaminhado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em outubro do ano passado, o presidente Michel Temer sancionou uma lei que transfere o julgamento de crimes cometidos por agentes das Forças Armadas em missões de Garantia da Lei e da Ordem para a Justiça Militar.
Renata Neder, coordenadora de pesquisa da Anistia Internacional no Brasil, afirmou que a medida inibe investigações sobre esses atos. “É algo muito perigoso, que respondeu a um clamor das Forças Armadas. Eles diziam que precisavam de garantias legais se fossem atuar com maior frequência na segurança pública”, criticou.
Para a representante da Anistia Internacional, a intervenção federal aprofunda e consolida um modelo de militarização da política de segurança pública. Em sua visão, experiências anteriores evidenciariam que esse caminho não gera melhorias nos indicadores de violência.
"No Rio e em outros estados, o uso das Forças Armadas não reduziu a criminalidade, custou muito caro e produziu violações de direitos humanos. O México vive esse processo desde 2006. Nesse período, houve aumento dos homicídios e desaparecimentos, com um custo orçamentário altíssimo e muitas violações. Se a intervenção não serve ao propósito de reduzir a violência, precisamos nos perguntar a que ela serve”, argumentou.
A prisão de 159 pessoas durante uma festa organizada por milicianos em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, era considerada a maior vitória da intervenção até aqui. Na última quarta-feira, 137 deles, todos réus primários, foram liberados. No pedido de soltura, o Ministério Público alegou que não havia provas efetivas que permitissem o oferecimento de denúncias contra eles.
O subdefensor Pacheco, que atuou no caso, afirmou considerar necessário despolitizar a intervenção. “Essas prisões foram apresentadas como um troféu do projeto. Porta-vozes do governo disseram que o Rio vivia uma nova era a partir delas. A intervenção está extremamente politizada”.
Durante o lançamento do relatório, integrantes do Observatório cobraram explicações para a execução da vereadora Marielle Franco, ocorrida em 14 de março. Ela esteve na primeira reunião de elaboração do projeto e coordenava a Comissão Representativa da Câmara de Vereadores do Rio, criada para acompanhar ações da intervenção.
Uma pesquisa divulgada no final de março pelo Instituto Datafolha revelou que a intervenção federal no Rio de Janeiro tem o apoio de quatro em cada cinco moradores da cidade, mas apenas 21% acham que a situação melhorou com os militares nas ruas.

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