Terça, 12 de julho de 2016
Editorial publicado hoje (12/7) no site do Sinpro/DF —Sindicato dos Professores do DF
Jornada de trabalho sob ataque
A declaração do presidente da CNI (Confederação Nacional da
Indústria), Robson Braga de Andrade, após reunião com o presidente
interino, Michel Temer, na sexta-feira (8/7), de que o Brasil precisa
ampliar a jornada de trabalho para 80 horas, seguindo o exemplo da
França, foi desmentida pela mídia logo após o industrial se manifestar à
imprensa.
Ele disse que o governo ilegítimo deve promover “medidas muito duras”
na Previdência Social e nas leis trabalhistas para equilibrar as contas
públicas. E, para se justificar, citou o caso da França como exemplo,
dizendo que lá é permitido trabalhar até 80 horas semanais. Ele disse à
mídia que a França tem 36 horas de jornada de trabalho e passou, agora,
com a nova legislação trabalhista, à possibilidade de até 80 horas de
trabalho semanal e até 12 horas diárias de trabalho.
E comparou com Brasil: “Nós, aqui no Brasil, temos 44 horas de
trabalho semanais. As centrais sindicais tentam passar esse número para
40. A França, que tem 36 horas, passou, agora, para 80, a possibilidade
de até 80 horas de trabalho semanal e até 12 horas diárias de trabalho”,
disse o Robson Braga de Andrade. Na mesma entrevista à imprensa,
segundo a Folha de S. Paulo e a Agência Brasil, ele disse ser contra o
aumento dos impostos como medida para equilibrar as contas públicas.
Mas o problema é que o presidente da CNI mentiu. A própria mídia foi
atrás e, ao checar a informação, descobriu que a declaração de Robson
Andrade era imprecisa. Verificou-se que a nova legislação trabalhista
francesa, contra a qual houve grandes enfrentamentos e resistência da
classe trabalhadora francesa, estabelece e mantém as 35 horas semanais
normais — e não 36. Descobriu também que a nova lei trabalhista francesa
estipula, apenas em casos de emergência e após negociação com
sindicato, horas extras que poderão chegar às tais 12 horas diárias
(oito horas, com quatro horas extras pagas em cinco dias da semana; isto
é, 60 horas semanais).
Ao consultar a nova legislação trabalhista francesa e o site do
governo francês, a mídia também observou que, caso contrário, ou seja,
caso não haja necessidade de horas extras, prevalece e continua valendo o
máximo de 10 horas (oito horas, com, no máximo, duas horas extras, no
mesmo período). A atual legislação brasileira segue princípio semelhante
e a soma dessas horas também.
A nova legislação francesa reafirma ainda que, “na mesma semana, a
duração máxima do trabalho semanal é de 48 horas” e que “o tempo de
trabalho semanal calculado ao longo de 12 semanas consecutivas não deve
exceder 48 horas”, a não ser em casos excepcionais previstos na lei.
José Carlos de Carvalho Baboin, mestre em direito do trabalho pela
Sorbonne e pesquisador do tema na Universidade de São Paulo (USP), disse
ao site “Aos Fatos” que a jornada máxima a ser permitida passa a 60
horas semanais, porém essas horas extras são exceções previstas em
decretos e aplicáveis apenas em circunstâncias excepcionais.
“São casos extremos nos quais o governo francês vai permitir 12 horas
semanais. Por exemplo: acontece uma grande nevasca e a empresa
responsável por limpar as estradas cheias de neve precisa que os
trabalhos excedam as 10 horas. Ou desabastecimento de algum remédio ou
em caso de surto epidêmico”, explica. E continua: “Essas 60 horas não
podem ser usadas por uma empresa que fechou um contrato com um cliente e
precisa aumentar a produção, por exemplo”.
O site informa que isso significa que, para demandar essa jornada de
60 horas, o empregador terá de ter autorização de algum gestor
responsável pela inspeção do trabalho, o qual poderá conceder essa
permissão com base em condições determinadas pelo Conselho de Estado da
França e terá de pagar pelas horas extras. Ou seja, a remuneração dessas
horas não está embutida no salário mensal. O que a CNI quer discutir é a
ampliação da jornada de horário de trabalho sem aumentar o salário.
Apesar das mentiras, as declarações do presidente da CNI nos alertam
para mais uma retirada de direitos: a jornada de trabalho. No Brasil, a
Central Única de Trabalhadores (CUT) luta, há décadas, para instituir a
jornada de 40 horas semanais e acabar definitivamente com as 44 horas a
que a classe trabalhadora está submetida a cumprir ainda hoje.
Importante lembrar que o governo ilegítimo de Michel Temer tomou de
assalto o Poder Executivo para executar o plano neoliberal de subtração
de direitos essenciais, sociais, trabalhistas, patrimoniais etc. Com
base no programa de governo do PMDB denominado “Ponte para o Futuro”, o
governo ilegítimo trabalha para pôr fim à política de Estado de direitos
e impõe um retrocesso sem precedentes, encabeçado pelo principal
partido político derrotado sucessivamente nas eleições democráticas
desde o início dos anos 2000, o PSDB.
Numa linguagem comercial, podemos dizer que os ataques são realizados
a granel ou por atacado. Um plano de mercantilização que remete o país
às relações escravagistas de trabalho do século XIX. É a granel porque
está articulado para atuar, localmente, por meio de projetos de lei
apresentados nas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores; e é
por atacado, porque atua nacionalmente, por meio do Congresso Nacional.
Um exemplo ilustrativo desse grande projeto de desconstrução do
Estado de direitos é o ataque a granel e por atacado à educação pública
por meio dos projetos “Escola sem Partido” e “Organizações Sociais”. Não
é um projeto isolado que, às vezes, está ligado a políticos
fundamentalistas que querem instituir autoritariamente um modelo de
família, e sim um grande e articulado plano de privatização e
desconstrução do direito ao conhecimento, ao pensamento crítico, da
pesquisa científica no país e destruição completa da concepção de
educação pública, gratuita, laica, de qualidade, socialmente
referenciada, livre, dentre outros atributos.
Escola sem Partido e Organizações Sociais são o mesmo projeto,
desmembrado, integrado, para privatizar a educação pública. Ainda
considerando a linguagem comercial, o setor da educação já está sendo
atacado a granel em várias unidades da Federação em que o PSDB e outros
partidos de concepção liberal, como o PSB, adotaram as Organizações
Sociais (OS) como mecanismo de gestão e de privatização.
É o caso de Goiás, com o governo Marconi Perillo (PSDB); São Paulo,
Geraldo Alckmin (PSDB); Pernambuco, Paulo Câmara (PSB); Paraná, Beto
Richa (PSDB); entre outros. No Distrito Federal, o governo Rodrigo
Rollemberg (PSB) também atua para entregar, primeiramente, os dois
setores, saúde e educação, às OS.
Todavia, os ataques não se encerram nesses dois setores. Além do
nosso patrimônio biológico e mineral, como a privatização da água e a
entrega do pré-sal, a meta do governo golpista inclui os projetos dos
empresários reunidos, sobretudo, no setor industrial: a retirada de
todos os direitos trabalhistas, a começar pela eliminação da
aposentadoria e ampliação da jornada de trabalho, dois itens essenciais
para desmoronar os demais direitos.