Quarta, 27 de julho de 2016
Entidade que administra Hospital da Criança é acusada de irregularidades; controverso modelo de entidades gerenciando unidades de Saúde se espalha pelo país
Por Renata Mariz - O Globo/foto: internet/// Blog do Sombra
Com problemas de caixa para financiar a Saúde, o governador Rodrigo
Rollemberg (PSB) avalia transferir a administração de parte da rede do
Distrito Federal a organizações sociais, chamadas de OS. O modelo é
usado em diversos estados, como Rio de Janeiro, onde entidades desse
tipo são investigadas por corrupção em contratos semelhantes. ... Na
capital da República, o sistema está na mira do Ministério Público
Federal, que pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) para fiscalizar
os recursos repassados à OS Instituto de Câncer Infantil e Pediatria
Especializada (Icipe), responsável pela gestão do Hospital da Criança de
Brasília José Alencar.
O Icipe recebeu R$ 267,2 milhões de 2011 a 2016, dos quais R$ 72,5
milhões saíram dos cofres federais. Na representação encaminhada ao TCU,
a procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira questiona a
legalidade do contrato de gestão firmado com o governo do Distrito
Federal (GDF) devido, entre outros motivos, à falta de planilhas de
custos para justificar os pagamentos. Ela afirma também que o Icipe foi
credenciado pelo GDF como OS sem cumprir exigências legais, como
apresentação de balanços patrimoniais dos últimos dois anos, até porque a
entidade havia acabado de ser criada naquela época com o objetivo de
assumir o hospital sem licitação.
A criação relâmpago de entidades é parte comum das suspeitas levantadas
por órgãos de controle de diversas partes do país em relação a
contratos públicos com organizações sociais. As relações estreitas entre
pessoas ligadas a essas instituições e os governos locais são um outro
aspecto que se repete. No caso de Brasília, o dirigente do Hospital da
Criança, o médico Renilson Rehem também preside o Instituto Brasileiro
de Organizações Sociais de Saúde (Ibross), criado em outubro do ano
passado e que tem 20 entidades associadas. Hoje, segundo ele, há OS
atuando em 22 estados e no Distrito Federal, além de contratos com mais
de 200 municípios.
Apesar de ser um representante oficial do setor das organizações
sociais na área da Saúde, promovendo-as país afora, o médico foi um dos
escolhidos pelo governo de Brasília para integrar o grupo de trabalho
instalado no ano passado que elaborou estudo sobre a “descentralização”
do SUS no DF. Rehem também tem assento no Conselho de Saúde do DF, por
onde qualquer proposta de transferir a gestão de novas unidades de
assistência a entidades sociais precisará passar.
O dirigente do Hospital da Criança rebate as insinuações de um suposto
conflito de interesses. Segundo Rehem, os mais de 40 anos de experiência
profissional, com passagem pelo Ministério da Saúde, explicam o convite
para o grupo de estudo instalado pelo GDF no ano passado e a
participação no Conselho de Saúde do DF. O médico destaca que seu
trabalho é “de graça” nos dois casos. E que, em nenhuma das duas
instâncias, milita indevidamente a favor das organizações sociais.
— Sei que para muita gente é difícil de acreditar, mas eu estava dando
uma ajuda desinteressada (no grupo de trabalho) — afirma Rehem.
— O Ibross não é um sindicato de organizações sociais. Queremos separar o joio do trigo, garantir a qualidade das instituições.
ALEGAÇÕES ‘EVASIVAS’
O presidente do Hospital da Criança classificou as alegações do
Ministério Público Federal de “evasivas”. Segundo Rehem, a criação do
Icipe estava prevista no acordo feito entre o GDF e a Associação
Brasileira de Assistências às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e
Hemopatias (Abrace) para a construção da unidade de saúde. Por esse
motivo, a entidade foi, de fato, credenciada como OS pelo GDF sem
atender a todas as exigências previstas em lei, como dois anos de
funcionamento. Ele ressalta ainda que duas prestações de contas — de
2011 e 2013 — foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do DF, e as demais
aguardam julgamento.
— Há uma resistência à inovação na Administração Pública. Não se pode
imaginar que toda OS seja igual. Mas, a cada exemplo ruim, tende-se a
sacrificar o modelo. Se fosse assim, tínhamos que acabar com as estatais
por causa dos casos de corrupção — critica.
Leila Göttens, subsecretária de Planejamento da Secretaria de Saúde do
DF, credita ao ineditismo do contrato de gestão com o Icipe à época, em
2011, os questionamentos levantados. Ela afirma que a dispensa de
licitação se deu pela falta de outras entidades interessadas devido à
“singularidade” do projeto e que o problema da ausência de planilhas de
custos já foi há algum tempo resolvido.
— Sobre a questão da planilha, não havia uma assistência com essas
características (do Hospital da Criança) para fazer comparações. Depois
isso foi resolvido por um sistema chamado Apura SUS. Hoje, sabemos os
custos de tudo.
A subsecretária defende a presença de Renilson Rehem no Conselho de
Saúde do DF e no grupo de trabalho instalado ano passado. Diz que ele
foi convidado por conta da vasta experiência “nacional e internacional”
na área de gestão da Saúde. Segundo ela, parte dos questionamentos
levantados pelo Ministério Público Federal na representação enviada ao
TCU já havia sido respondida ao Tribunal de Contas do DF, que expediu
diversas recomendações.
— É importante que se diga isso. Todas as recomendações para que essas
situações não se repitam estão sendo incorporadas para futuras
contratações — afirmou Leila.