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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 23 de maio de 2017

Especialistas apontam necessidade da descriminalização do desacato

Terça, 23 de maio de 2017
Do MPF
Diálogo realizado pela PFDC e Artigo 19 destacou que o dispositivo do Código Penal é ofensivo à constituição sob múltiplas perspectivas

Tipificado como crime no artigo 331 do Código Penal brasileiro com pena de até dois anos de detenção, o desacato ao servidor público vem sendo sistematicamente aplicado como justificativa para cercear a liberdade de expressão, com repercussão negativa para a democracia. O registro foi feito pelos participantes do debate promovido na última quinta-feira (18) pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, e pela organização de direitos humanos Artigo 19. O evento aconteceu na sede da Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR3), em São Paulo.A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, afirmou que a liberdade de expressão é imperativo de uma sociedade plural, na qual as pessoas são convocadas a se manifestarem, exporem suas visões diferentes e formarem consensos temporários. "Esse dispositivo penal é disfuncional, serve para criminalizar a divergência política e social”, criticou.

No ano passado, a PFDC apresentou ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, representação pela inconstitucionalidade do artigo 331 do Código Penal, que trata do crime de desacato. Na proposta de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), Duprat destacou que a tipificação do crime no ordenamento jurídico brasileiro é ofensiva à Constituição sob múltiplas perspectivas.

Para o procurador regional da República Marlon Weichert, a abordagem do tema não pode ser simplificada, pois não se trata apenas da mera transposição das recomendações dos organismos internacionais para a descriminalização do desacato, mas, sim, de analisar as especificidades em que o dispositivo penal é aplicado no país, inclusive na judicialização do direito à manifestação.

Forma de intimidação - Coordenadora do trabalho que reúne teses jurídicas para a descriminalização do desacato, cuja publicação foi lançada durante o debate, Camila Marques, da Artigo 19, afirmou que o artigo 331 do Código Penal está sendo sistematicamente usado em todo Brasil como forma de intimidação da população e de silenciamento dos protestos nas ruas. Em 2015, por exemplo, foram abertos 64 processos por crime de desacato no Rio de Janeiro. “E o alvo é a população mais vulnerável, os pobres, os negros”, afirmou.

Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Cristiano Maronna, defendeu não apenas a descriminalização do desacato, mas também o enxugamento do Código Penal. ”Direito penal é para ser acionado quando as demais instâncias falham no controle e o que vem acontecendo é o contrário”, constatou. “Existe hoje déficit de liberdade de expressão, dificuldades de diálogo e o que se vê é a ampliação do espaço de criminalização, o que só desacredita o direito penal”, disse.

Para Carlos Weis, coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo, desacato é incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. "As recomendações dos organismos internacionais em relação à liberdade de expressão por si só já trazem limitações ao exercício desse direito sem que seja necessário a tipificação do desacato como crime", argumentou.