Sábado, 27 de maio de 2017
Em Portugal, nem o consumo aumentou, nem o país se tornou ponto de encontro de
toxicodependentes de outras partes do mundo
Bruno Bocchini – da Agência Brasil
Equipes terceirizadas, contratadas pela prefeitura
de São Paulo, serão as responsáveis por conduzir a uma avaliação médica
coercitivamente (contra a vontade da pessoa) os dependentes químicos
que frequentam a região da Cracolândia. A ação deverá começar na próxima
semana.
“Vamos utilizar ambulâncias de remoção especializadas
[da área de saúde mental] em atender pacientes, que serão contratadas
especialmente para esse serviço”, disse, no fim da tarde de hoje (27), o
secretário municipal de Saúde, Wilson Pollara.
De acordo com o
secretário, as equipes que abordarão os usuários de drogas serão
formadas por pelo menos dois servidores da prefeitura da área da saúde,
por membros da assistência social e pela Guarda Civil Metropolitana.
Pollara ressaltou que nenhum desses profissionais fará a remoção dos
pacientes, apenas a abordagem. A retirada dos dependentes ficará
exclusivamente a cargo de profissionais contratados.
“A
Guarda Civil não vai entrar em contato com o usuário que está em crise
psicótica. Quem entra em contato com os usuários são os enfermeiros
especializados nesse tipo de ação, da mesma forma quando temos alguma
pessoa na nossa casa que está em crise psicótica, e esses profissionais
são chamados. A Guarda Civil tem a única finalidade de proteger para que
não haja tumulto ao redor”, disse o secretário.
De acordo com
Pollara, foi formado um comitê de psiquiatras de alto nível que está
elaborando um protocolo e estabelecendo critérios para a identificação
dos pacientes que serão removidos à força. O secretário não divulgou o
nome dos médicos que fazem parte do comitê.
“Se o indivíduo tiver
capacidade total de contato, estiver se relacionando bem, estiver
aguentando bem, não há porque transportá-lo. O paciente que estiver fora
de si, com uma crise grave de agressividade contra ele próprio ou
contra ao redor, esse que vai ser motivo de uma abordagem”, disse.
Pollara
voltou a defender a necessidade de remoção forçada de pacientes para
uma avaliação médica. O secretário disse que a decisão de recorrer a
essa prática foi tomada, principalmente, em razão dos resultados
apresentados pelo programa Redenção, já em vigor na Cracolândia.
“Nós
tivemos 912 abordagens e somente 425 pacientes concordaram em serem
ajudados. Isso mostra que existe ou uma falta de confiança, ou uma
dificuldade da abordagem no meio da rua. Nós temos que fazer alguma
coisa, ter um instrumento a mais para poder aumentar a eficiência do
nosso programa”, acrescentou.
Portugal instalará salas de consumo assistido para usuários de drogas
Silvia Caetano – Correspondente da EBC
Quinze anos depois de aprovada a descriminalização do uso
de todo tipo de drogas, separando o consumo do tráfico, Portugal
apresenta os melhores resultados entre os países que adotaram o modelo.
Nem o consumo aumentou, nem o país se tornou ponto de encontro de
toxicodependentes de outras partes do mundo. Portugal foi pioneiro no
assunto, liderado pelo médico João Goulão, atualmente diretor do Serviço
de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (Sicad),
que recebeu nesta semana o primeiro pedido para a instalação de uma sala
de consumo assistido, modalidade aprovada desde 2001 e que deve sair
do papel nos próximos meses.
Quando a questão passou da
área criminal para a de saúde pública, o país assistiu a uma redução
significativa de infecção por HIV entre os dependentes, de mortes por
overdose e da população condenada a pena de prisão por crimes
relacionados com entorpecentes. Em 2001, esse grupo representava 41% do
total de reclusos no país, índice que caiu para 19% em 2015. "Havia
ainda cerca de 100 mil usuários problemáticos de heroína por via
injetável, número que atualmente não passa de 40 mil", disse. Mas nem
tudo é cor de rosa nesse universo. Ainda há muito a fazer.
O balanço positivo resultou do fato de os dependentes de substâncias ilícitas deixarem de ser perseguidos como criminosos, passando a ser tratados como doentes. "A mudança de paradigma transformou Portugal em exemplo de boas práticas em todo o mundo. E explica-se sobretudo porque, ao contrário de outros países, onde a difusão das drogas ocorria entre as populações mais desfavorecidas, havia no momento um boom de experimentação de drogas em todos os grupos sociais, incluindo as classes média e alta. Na época, era praticamente impossível encontrar uma família que não sofresse suas consequências do problema", afirmou.
Foi devido ao fato de o consumo de substâncias ilícitas abranger de forma completamente transversal a sociedade portuguesa que se formou um ambiente favorável a abordagem mais progressista da questão, conduzindo à descriminalização de todas as drogas. ”Quando as coisas se confinam às margens, é muito difícil mobilizar vontades para políticas inclusivas. No Brasil, por exemplo, a coisa está na favela, e é nas favelas que deve continuar”, afirmou Goulão, que tem visitado o país muitas vezes e conhece a realidade realidade brasileira.
De acordo com o o médico, a descriminalização foi importante e um primeiro passo para enfrentar o problema, mas Portugal avança ainda mais, apostando na redução de riscos e minimização de danos, movido pela ideia de que as drogas não se combatem com instrumentos jurídicos e policiais. Nesse contexto, inserem-se as salas de consumos assistido. Aprovados em 2001, esses espaços não foram ainda implantados em Portugal, porque, desde a descriminalização, registrou-se queda quase vertiginosa dos consumos por via injetável.
No entanto, com o agravamento da crise econômica em Portugal, que afetou os programas de reinserção de dependentes no mercado de trabalho e de recuperação social, essa modalidade de consumo recrudesceu, o que, segundo Goulão, já justifica a implantação das primeiras salas no país.
Há 30 anos existem salas de consumo assistido na Europa, num total de 90, em nove países. Somente em 2014 ocorreram 6.800 mortes por overdose no Continente, mas, nesse período, registrou-se apenas um óbito num desses espaços, na Alemanha, causado por anafilaxia. Todas as salas dispõem de pessoal treinado para intervir em caso de overdose. Os consumidores também aprendem manobras para ajudar os que estão em situação de risco mortal e recebem um kit com naloxona pronta para injetar.
As salas foram criadas em uma lógica de redução dos comportamentos que aumentam o risco de transmissão de doenças e de mortes por overdose. Há diferentes modelos, desde os integrados até unidades móveis, que deve ser o que Portugal vai implantar nos próximos meses. Nesses espaços, os dependentes recebem aconselhamento social e psicológico, tratamentos de substituição de drogas, feridas, doenças e troca de seringas.
O balanço positivo resultou do fato de os dependentes de substâncias ilícitas deixarem de ser perseguidos como criminosos, passando a ser tratados como doentes. "A mudança de paradigma transformou Portugal em exemplo de boas práticas em todo o mundo. E explica-se sobretudo porque, ao contrário de outros países, onde a difusão das drogas ocorria entre as populações mais desfavorecidas, havia no momento um boom de experimentação de drogas em todos os grupos sociais, incluindo as classes média e alta. Na época, era praticamente impossível encontrar uma família que não sofresse suas consequências do problema", afirmou.
Foi devido ao fato de o consumo de substâncias ilícitas abranger de forma completamente transversal a sociedade portuguesa que se formou um ambiente favorável a abordagem mais progressista da questão, conduzindo à descriminalização de todas as drogas. ”Quando as coisas se confinam às margens, é muito difícil mobilizar vontades para políticas inclusivas. No Brasil, por exemplo, a coisa está na favela, e é nas favelas que deve continuar”, afirmou Goulão, que tem visitado o país muitas vezes e conhece a realidade realidade brasileira.
De acordo com o o médico, a descriminalização foi importante e um primeiro passo para enfrentar o problema, mas Portugal avança ainda mais, apostando na redução de riscos e minimização de danos, movido pela ideia de que as drogas não se combatem com instrumentos jurídicos e policiais. Nesse contexto, inserem-se as salas de consumos assistido. Aprovados em 2001, esses espaços não foram ainda implantados em Portugal, porque, desde a descriminalização, registrou-se queda quase vertiginosa dos consumos por via injetável.
No entanto, com o agravamento da crise econômica em Portugal, que afetou os programas de reinserção de dependentes no mercado de trabalho e de recuperação social, essa modalidade de consumo recrudesceu, o que, segundo Goulão, já justifica a implantação das primeiras salas no país.
Há 30 anos existem salas de consumo assistido na Europa, num total de 90, em nove países. Somente em 2014 ocorreram 6.800 mortes por overdose no Continente, mas, nesse período, registrou-se apenas um óbito num desses espaços, na Alemanha, causado por anafilaxia. Todas as salas dispõem de pessoal treinado para intervir em caso de overdose. Os consumidores também aprendem manobras para ajudar os que estão em situação de risco mortal e recebem um kit com naloxona pronta para injetar.
As salas foram criadas em uma lógica de redução dos comportamentos que aumentam o risco de transmissão de doenças e de mortes por overdose. Há diferentes modelos, desde os integrados até unidades móveis, que deve ser o que Portugal vai implantar nos próximos meses. Nesses espaços, os dependentes recebem aconselhamento social e psicológico, tratamentos de substituição de drogas, feridas, doenças e troca de seringas.
Na
Alemanha, há espaços mais completos onde os toxicodependentes são
alimentados, podem tomar banho, lavar roupas e dispõe de uma clínica
para cuidados gerais, internamento para quem está em tratamento de
desintoxicação, cuidados que convivem com espaços diferenciados para uso
de drogas injetáveis e fumadas.
Variam as regras para o acesso
às salas. Na Alemanha, são vetados todos os que estão em tratamento com
opiáceos de substituição, o que já deixa de fora cerca de 70 mil
pessoas. Algumas aceitam dependentes partir de 16 anos, desde que com
autorização dos pais por escrito, mas a maior parte somente a partir dos
18 anos. Nenhuma permite o acesso de consumidores ocasionais ou que
estejam usando drogas pela primeira vez. Também não podem frequentá-las
quem se apresentar intoxicado ou embriagado.