Quarta, 15 de janeiro de 2014
Por Celso Lungaretti
Quem
acompanha meu trabalho, sabe que já em 2007 eu descria da possibilidade
de se punir os torturadores da ditadura militar sem a revogação da
anistia de 1979, que igualou algozes e vítimas.
Vencidos pela facção de Nelson Jobim na luta então travada no seio do
ministério, Tarso Genro e Paulo Vannuchi foram proibidos por Lula de
continuarem pregando o necessário e indispensável, qual seja a revisão
da Lei de Anistia. Aí, para salvarem as próprias imagens, indicaram à
esquerda o caminho dos tribunais, que jamais desatariam o nó enquanto
Executivo e Legislativo permanecessem de braços cruzados.
E o nó não foi mesmo desatado. O Supremo Tribunal Federal, numa das
decisões mais aberrantes de sua História, em 2010 considerou válida a
anistia que os carrascos concederam a si próprios em plena vigência da
ditadura, usando os presos políticos e os exilados como moeda de troca e
obtendo o aval de um Congresso descaracterizado e intimidado.
Desde então, as ações civis e criminais contra os torturadores têm um
desfecho anunciado: se condenados nas instâncias menores, os réus sabem
que tranquilamente darão a volta por cima no STF. Os processos passaram a
ter apenas efeito moral; são ingênuos os que sonham com penas de prisão
e/ou pecuniárias, pois elas não virão enquanto não forem alteradas as
regras do jogo (impostas pelo inimigo e não questionadas pelos
pusilânimes do nosso lado quando a ditadura acabou).
Não foi nem um pouco significativa, portanto, a decisão da Justiça
Federal de São Paulo, ao considerar prescrito o crime de ocultação de
cadáver cometido pelo torturador-símbolo Carlos Alberto Brilhante Ustra e
pelo delegado aposentado Alcides Singillo, que deram sumiço nos restos
mortais do militante Hirohaki Torigoe, repetindo a prática adotada pela
repressão ditatorial em dezenas de outros casos. Se o Ministério
Público Federal, autor da ação, transpusesse esta barreira, certamente
tropeçaria numa posterior. Ustra e Singillo nada tinham a temer.
O que vale um registro é a bizarra justificativa da defesa de Ustra. Os
procuradores argumentavam que, como o cadáver não foi encontrado até
hoje, tratava-se de um crime permanente. Os patronos do chefão do
DOI-Codi paulista disseram que o corpo do Torigoe não está sumido, tendo
sido enterrado com o nome falso que ele usaria no momento da prisão.
É o mesmo que admitir não só seu assassinato, mas a própria ocultação de
cadáver, de vez que a repressão sempre conseguia identificar os
defuntos que lhe interessavam.
Enfim, desta vez o Ustra conseguiu livrar a cara sem atirar a
responsabilidade sobre seus superiores, como fez em outras ocasiões,
implicitamente reconhecendo que servia a uma instituição genocida.