Domingo, 14 de agosto de 2016
Aline Leal - da Agência Brasil
Um caso recente de trombose cerebral relacionado
ao uso de pílula anticoncepcional reacendeu nas redes sociais a
discussão sobre os riscos do uso de métodos contraceptivos hormonais. A
estudante Juliana Bardella, 22 anos, acordou um dia sem conseguir se
mover, foi diagnosticada com trombose, passou 15 dias internada e após a
recuperação compartilhou sua história nas redes.
Depois disso,
vários outros depoimentos foram compartilhados, como o de Gabriela Abu
El Haj, que aos 25 anos teve trombose venosa profunda na perna,
provavelmente por causa do uso da pílula.
“Foi um espanto para
todo mundo. Sou meio natureba, não tenho histórico de trombose na
família, nem de hipertensão, nunca fumei e não tenho outros fatores de
risco. Fiz até o teste genético para saber se tenho mais risco de ter
trombose e deu negativo”, contou Gabriela à Agência Brasil.
A
funcionária pública, que hoje tem 28 anos, tomava pílula desde os 17 e
relatou que poucos dias depois de fazer uma viagem de sete horas sentiu
dores na perna e inchaço. Ao fazer uma ressonância, descobriu o coágulo
na perna direita. Depois de consultar um hematologista e um
angiologista, ambos relacionaram o problema ao uso da pílula combinado
com o longo período que ela ficou sentada em uma mesma posição.
Gabriela
reclama que não recebeu informação dos ginecologistas que consultou ao
longo da vida sobre os riscos do medicamento. “Eu sempre tentava
conversar com a ginecologista, com medo dos efeitos, pensando em parar,
já que todo mundo fala que colocar hormônio no corpo não é bom, mas a
resposta sempre era que não tinha problema. Os médicos deveriam
apresentar os riscos.”
Já
a funcionária pública Flora Maravalhas, 32 anos, não teve problemas
sérios com o uso da pílula, mas como sentiu alterações no organismo em
cerca de um ano de uso, preferiu mudar o método. “Senti o corpo
diferente, ficava inchada, intestino solto, emocionalmente frágil,
sensível. Foi quando ouvi falar de um método contraceptivo no qual você
mede sua temperatura e a partir de uma série de informações calcula se
você tem chances de engravidar”, contou sobre o método adotado ha cerca
de um mês.
Alternativas
Segundo a
ginecologista Marli Virgínia Nóbrega, ao contrário de medicamentos que
são usados para curar algo que está errado ou reestabelecer uma função
do corpo, a pílula hormonal serve para “atrapalhar” a função natural do
organismo, alterando o funcionamento dos ovários. “Esses hormônios têm
consequências que vão além de evitar engravidar. Fenômenos
tromboembólicos, mais chance de trombose, de ter um AVC [Acidente
Vascular Cerebral]”, lista a médica. Segundo ela, a perda de libido
também é um efeito comum em quem usa contraceptivos hormonais.
Saiba Mais
A
especialista defende formas alternativas para evitar a gravidez, como o
Método Billings, que consiste na observação do muco cervical, e também o
método da medição da temperatura, que indicam se a mulher está no
período fértil.
“É preciso que o profissional explique
detalhadamente os métodos. Se eles forem bem executados, as chances de
erros são menores do que as do uso da pílula. Além disso, as mulheres
passam a conhecer melhor o próprio corpo.”
Ferramenta válida
Por
outro lado, o ginecologista e professor da pós-graduação em ginecologia
e obstetrícia da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Carlos Cunha,
considera os anticoncepcionais hormonais boas ferramentas para o
planejamento familiar, porém, alerta que o uso deve ser feito com
indicação médica.
“Temos que ver o fundamento destes relatos do
ponto de vista científico. A pílula é um medicamento, e como qualquer
outro, tem que ser bem indicado e tem riscos e benefícios. Quando a
gente indica a pílula, precisa fazer avaliação do histórico familiar com
tromboembolismo, problemas relacionados a hipertensão, diabetes”,
explicou.
O especialista destaca que, como a pílula
anticoncepcional é um dos medicamentos mais usados no mundo, é natural
que surjam relatos de efeitos colaterais. “O maior problema da pílula é
usar sem indicação médica.” Cunha ressalta a necessidade de exames
clínicos e observação de fatores como obesidade, hipertensão, alteração
de colesterol, taxa de triglicerídios, diabetes e hipertensão antes da
indicação de uso de hormônios. “Uma série de avaliações clínicas vão
dizer se ela tem contraindicações. Às vezes ela tem contraindicação para
pilula, mas pode usar DIU [dispositivo intrauterino].”
Para o
especialista da UnB, não existe método ideal para evitar a gravidez. A
indicação vai depender da fase da vida pela qual cada mulher está
passando. “Se é jovem, se quer ter filho logo ou daqui a dez anos, se
está amamentando, se tem histórico familiar dos fatores de risco. Tudo
isso vai influenciar no método a ser indicado.”
Os riscos de uma
gravidez inesperada, segundo o especialista, também devem ser
considerados. “A gravidez indesejada muitas vezes acaba levando a
procura pelo abortamento, e abortamento no Brasil é ilegal, sem
segurança, o que pode levar a mulher a sequelas graves e até a morte”,
alerta.
Anvisa
A Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) informou esta semana que o risco de
formação de coágulos associado aos contraceptivos depende do tipo de
hormônio progesterona presente no medicamento.
“Mulheres que usam
anticoncepcionais contendo drospirenona, gestodeno ou desogestrel têm
um risco de quatro a seis vezes maior de desenvolver tromboembolismo
venoso, em um ano, do que as mulheres que não usam contraceptivos
hormonais combinados”, alertou a agência, em nota.
No entanto, a
Anvisa ressalta que, até o momento, os benefícios dos anticoncepcionais
na prevenção da gravidez continuam a superar seus riscos. Além disso, os
riscos de eventos como trombose envolvendo todos os contraceptivos
orais combinados é conhecidamente pequeno, segundo a agência.
A
recomendação da Anvisa é que as mulheres façam exames e considerem o
histórico familiar antes de iniciar o uso de qualquer contraceptivo
hormonal. Os exames clínicos precisam ser repetidos pelo menos uma vez
ao ano durante o uso de medicamentos contraceptivos.