Quarta, 31 de agosto de 2016
Do MPF
Produtos com benzoato de emamectina estão sendo
comprados por produtores de oito estados com base em autorização
emergencial irregular
Imagem ilustrativa iStock
O Ministério Público Federal (MPF) pediu à
Justiça que determine a anulação de uma portaria publicada em 2013 pelo
Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). A norma permitiu a
importação de agrotóxicos que contêm a substância benzoato de
emamectina, que, segundo estudos técnicos, é prejudicial à saúde. A
solicitação consta de uma ação civil pública protocolada nessa
terça-feira, 30 de agosto, em Brasília e tem como principais argumentos o
fato de a medida ferir a legislação – vigente à época da autorização – e
a constatação de que, ao agir dessa forma, o órgão permitiu a compra de
produtos que não possuem registro no Brasil.
Em 2007, ao analisar pedido de uma
multinacional, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já
havia negado a liberação por entender que o princípio ativo possui
“elevada neurotoxidade” e característica teratogênica”, podendo causar prejuízos irreversíveis à saúde humana, como a má-formação congênita, além de danos ambientais irreparáveis. Na ação, o MPF pede ainda que seja concedida liminar para assegurar a suspensão imediata da importação bem como o recolhimento dos produtos que estejam no território nacional.
No documento enviado ao Judiciário, as
procuradoras da República Carolina Martins Miranda e Eliana Pires Rocha
fazem um relato das investigações iniciadas em 2013. Em março daquele
ano, o Mapa declarou estado de emergência fitossanitária em decorrência
do alastramento de uma praga em plantações de algodão e soja. A lagarta helicoverpa armigera
atingiu inicialmente as lavouras da Bahia avançando, posteriormente,
para outros estados. Na época – após a decretação do estado de
emergência – o Mapa convocou o Comitê Técnico de Assessoramento para
Agrotóxicos (CTA) para discutir a possibilidade de liberar o uso do
ingrediente. No intervalo de cinco dias foram duas reuniões que
terminaram com o mesmo resultado: a rejeição do núcleo técnico, o CTA, à
proposta da cúpula do Ministério.
Conforme comprovaram as investigações do MPF, o
Mapa ignorou os pareceres da área técnica e permitiu a importação, o
que foi viabilizado por uma instrução normativa da Secretaria de Defesa
Agropecuária (SDA). A norma estabeleceu os critérios para a compra dos
agrotóxicos, dispensou a necessidade de registro do produto junto ao
Ministério e ainda transferiu para os órgãos de vigilância sanitária dos
estados todo o controle sobre a aplicação do produto, incluindo a
elaboração de levantamento fitossanitário e até o acompanhamento da
destinação final das embalagens. “Até aqui todo o proceder do Mapa foi
contrário à legislação que regulamentava a matéria, vez que, sem
qualquer respaldo legal, autorizou, unilateralmente, a importação de
produto a base de benzoato de emamectina, ingrediente ativo este que a
Anvisa já havia considerado como de alta neurotoxidade, bem como de
possível característica teratogênica, negando seu registro” enfatiza um
dos trechos da ação.
Mudança na legislação - Ao frisar que,
no momento em que permitiu a concessão de autorizações de importação, o
Ministério não tinha amparo legal para a medida, as autoras da ação
judicial fazem referência a outra estratégia adotada pelo Mapa ainda em
2013: a edição da Lei 12.813, que foi regulamentada pelo Decreto 8.133. A
norma abriu espaço para liberações emergenciais temporárias por parte
da instância central e superior do Sistema Unificado de Atenção à
Sanidade Agropecuária, de forma unilateral, ou seja, sem o aval do
núcleo técnico do Ministério. As investigações revelaram que, o
que se seguiu à aprovação da norma, foi a publicação de uma nova
portaria, autorizando, mais uma vez, a importação de agrotóxicos que
possuem como ingrediente ativo o benzoato de emamectina.
No entanto, como explicam as autoras da ação,
nem mesmo a edição das normas poderia justificar a liberação da compra
dos agrotóxicos. É que a legislação - inclusive a Lei 12.813 - impõe
restrições e pressupostos que precisam ser preenchidos para que haja a
liberação. “Não poderá ser concedida autorização emergencial a
agrotóxicos e afins que causem graves danos ao meio ambiente ou que
revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de
acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade
científica”, explicam as procuradoras, reiterando que a Anvisa já
confirmou a presença de parte dessas características no princípio ativo liberado pelo Mapa.
Desde 2013, o Mapa publicou portarias permitindo que produtores rurais
de oito estados façam a importação e a aplicação da substância, embora existam outros agrotóxicos já registrados no Brasil capazes de combater a praga efeitos menos tóxicos para o ser humano e para o meio ambiente.
Pedidos da ação - Ao todo, a
ação civil pública apresenta cinco pedidos a serem apreciados pelo
Poder Judiciário. O mais importante é a anulação da Portaria 1.109/13,
que abriu espaço para as importações de agrotóxicos que contenham o
benzoato de emamectina. Também foi solicitada a concessão de liminar
para haja a suspensão imediata das autorizações de compra. O MPF pediu,
ainda, que – caso seja concedida a chamada tutela provisória – que a Justiça já estipule uma multa de R$ 10 mil por dia de atraso no cumprimento da determinação.
Outra solicitação é para que a União seja
condenada a informar todos os estados sobre as providências a serem
adotadas no sentido de apreender e recolher os agrotóxicos e embalagens
que estejam no território nacional. Nesse caso, o pedido é para que a
medida seja tomada em, no máximo 30 dias a contar a sentença judicial. O
MPF pediu ainda que o Mapa seja proibido de voltar a permitir a
importação, manipulação, produção, pesquisa, experimentação, transporte,
armazenamento, comercialização e utilização do produto, além da fixação
de uma indenização a título de danos morais coletivos, no valor de R$
250 mil, valor que deverá ser a repassado ao Fundo de Defesa dos
Direitos Difusos.
Um produto perigoso - A ação a ser
apreciada pela Justiça Federal traz ainda referências a estudos técnicos
e científicos que atestaram os riscos que representam o uso da
substância benzoato de emamectina. Os danos são classificados como
“incalculáveis e irreversíveis”, podendo atingir tanto a população
quanto o meio ambiente. No caso da ameaça à saúde, a ação lembra que o
parecer técnico da Anvisa é contundente, ao afirmar que a substância
afetou “gravemente todas as espécies que foram submetidas à pesquisa”,
causando desde tremores, redução de atividade motora, alterações em
tecidos e órgãos até a degeneração de neurônios e má-formação fetal.
No caso dos danos ambientais, é mencionado o
fato de se tratar de um agrotóxico não seletivo, cujos efeitos não
atingem apenas a praga a ser combatida, mas todas as espécies – vegetais
e animais, - que recebam o produto. Como exemplo, são mencionadas
análises feitas pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos
que concluíram ser o benzoato de emamectina altamente tóxico para
insetos, mamíferos, peixes, aves e animais invertebrados aquáticos.
Diante do quadro e da falta de estudos conclusivos no Brasil, frisa o
MPF, o uso da substância deve ser proibido, em atendimento aos
princípios da prevenção e da precaução.