Os parlamentares não negam o capitalismo; uns o elogiam, outros querem humanizá-lo, estando ambos equivocados.
==================== Do Blogue Náufrago da Utopia
por Dalton Rosado
"A vida é uma história contada
por um idiota, cheia de som e
fúria, significando nada"
(Shakespeare, em MacBeth)
Nos
exaustivos e repetitivos debates entre defensores e adversários do
impeachment da presidente Dilma Rousseff, nenhuma das partes ousou
abordar a natureza da crise do capitalismo. Fiquei atento a esta questão
nas poucas vezes que tive paciência de assistir à ópera bufa encenada
no Senado, mesmo sabendo que os parlamentares dos dois lados dela fogem
como o Drácula dos raios solares na ficção do irlandês Bram Stoker.
A
hipocrisia, a superficialidade e as meias verdades campeiam neste
processo de impeachment, no qual todos brigam e ninguém tem razão.
Muitos
membros da oposição parlamentar pró-impeachment afirmam que a crise
brasileira tem origem no desgoverno de Dilma, relativizando a crise
capitalista mundial; os parlamentares a favor da afastada, por sua vez,
afirmam que a crise internacional terminou por se abater sobre o Brasil,
causando os estragos que todos conhecemos e que foram repetidamente
elencados ao longo dos fastidiosos discursos (como se a grande mídia já
não tivesse abordado ad nauseam e o povo sentido na carne os seus reflexos!).
Os dois lados que se digladiam nas tempestades de som e fúria significando nada
do parlamento brasileiro tudo fazem para parecerem diferentes, mas são
idênticos na essência. Daí ter-se tornado consensual a análise de que a
culpa não é da crise estrutural do capitalismo, mas sim de fatores circunstanciais (seja o mau gerenciamento, seja um excesso momentâneo de manipulação e ganância).
Assim, para os impichadores, a crise advém do mau gerenciamento do governo Dilma (que existe); e para os impichados,
da manipulação insensata do capital internacional, nacional e dos seus
políticos (que existe). No segundo caso, propõem, como solução, o
controle estatal (daí frases do tipo “mais estado e menos mercado”, do
líder do PT na Câmara Federal).
O
viés estatizante é encontrado também em destacados membros da esquerda,
que ao invés de aprofundarem a análise sobre as causas profundas da
crise mundial do capitalismo (que explodiu a partir da crise de liquidez
do sistema financeiro mundial em 2008/9, e que somente pôde sobrevier à
custa do dinheiro sem valor emitido pelos Bancos Centrais dos países
integrantes do G7), prefere circunscrever as suas críticas ao
gerenciamento político da crise, como se fosse esta a sua causa.
A
turbulência no sistema financeiro e o descontrole do endividamento
público e da inflação foram contornadas por meio da emissão de moeda sem
lastro e de títulos públicos insolváveis, ou seja, por medidas
evidentemente paliativas, procrastinatórias da crise. Pois esta não foi e
nem pode ser resolvida na sua origem, vez que reside na paralisia
inerente à chamada economia real,
que a todos e a tudo financia (Estado e sistema financeiro), provocada
pelo desenvolvimento tecnológico das forças produtivas (meios de
produção via trabalho morto, das máquinas).
A
crise econômica mundial resulta do fato de que, pela primeira vez na
história do capitalismo, não existe compensação entre o desemprego em
setores tecnologicamente desenvolvidos da produção e novos empregos que
possam produzir e compensar a extração de mais-valia suprimida.
O
barateamento das mercadorias reduz a massa global de mais-valia e de
valor produzido, e ainda que crie a possibilidade de um maior poder de
aquisição para quem está incluído no sistema produtivo, não tem mais o
condão de equilibrar tal déficit e proporcionar o indispensável aumento
contínuo desta mesma massa global de valor, agora reduzida.
Estabelece-se,
atualmente, o absurdo confronto entre incluídos no sistema produtivo
(mas em vias de serem desempregados) e os não incluídos; uma guerra
fratricida, estimulada pelo Estado, que, juntamente com o mercado, trata
estes últimos como párias sociais improdutivos de valor.
O
desequilíbrio desta conta vem ocorrendo desde a revolução industrial
tecnológica (cibernética, microeletrônica, sistema de comunicação via
satélite e, agora, com o auxílio da nanotecnologia), sem que disso se
deem conta os privilegiados defensores do capital, sejam eles explícitos
(a direita) ou implícitos (a esquerda). Desconhecem ou querem
desconhecer que, no longo prazo, o capitalismo é uma irresolúvel equação
matemática aplicada às relações sociais.
Vários
parlamentares estabeleceram um paralelo do Brasil com o caos da
Venezuela, cuja população mais pobre tenta se refugiar nos países
limítrofes de suas fronteiras (Colômbia e Brasil), por absoluta falta de
oferta de bens indispensáveis à vida, como alimentos e produtos de
higiene pessoal; veem em tais ocorrências um exemplo das virtudes do
capitalismo.
Esquecem-se
tais analistas facciosos que a Venezuela é um arremedo de capitalismo
de Estado que se manteve sustentado pelo petróleo, num comércio
internacional no qual seu maior comprador eram justamente os Estados
Unidos. Ora, relações de comércio internacionais são mecanismos
capitalistas, e bastou a queda do preço internacional do petróleo e os
boicotes do capitalismo liberal burguês para que se inviabilizasse a tal
revolução bolivariana. A falta de profundidade das análises de uns e de outros é de estarrecer.
Os parlamentares não negam o capitalismo; uns o elogiam, outros querem humaniza-lo, estando ambos equivocados.
Outra
questão que me chamou a atenção foi o elogio uníssono ao parlamento
burguês, como se este fosse ganho intocável da civilização ocidental e
altar da democracia. Já disse no meu primeiro artigo neste blogue que a democracia é antidemocrática, no sentido de que se trata de um artifício que se incorporou semanticamente como sinonímia enganosa do justo e do bom. Agora digo que o parlamento é mais uma expressão explícita do engodo chamado democracia.
Obviamente,
um parlamentar que jura obediência à Constituição ao tomar posse,
torna-se, implicitamente, submetido aos cânones da casa parlamentar, que
foi criada e concebida pelo regime republicano burguês. Aliás, o elogio
à República é referência sacrossanta, assim entendida por todos os
parlamentares que se pronunciaram no processo de impeachment.
É
por isto que afirmo que alguém que se considere anticapitalista não
deve pertencer e participar do parlamento, pois não pode negá-lo, sob
pena de falta de decoro parlamentar. Desculpem-me se o trocadilho é
infame, mas a atividade parlamentar dá para lamentar...