Terça, 7 de janeiro
de 2014
Por Ivan de Carvalho
O deputado João Paulo Cunha, do PT e
ex-presidente da Câmara dos Deputados, um dos condenados no processo do
Mensalão, vai se entregar hoje, em Brasília. Segundo seu advogado, não o fez
ontem porque ainda não havia o mandado de prisão. O presidente do Supremo
Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470,
indeferiu, ontem, recurso de João Paulo Cunha – sob o fundamento de que não
preenchia requisito de admissibilidade e tinha caráter meramente protelatório –
e deu por transitada em julgado a Ação Penal 470 em relação às penas de
corrupção e peculato (embora ainda não em relação à lavagem de dinheiro, por
entender que cabe embargo infringente). Joaquim Barbosa determinou o início das
medidas de execução da condenação, vale dizer, a prisão de João Paulo Cunha.

O fato de este se entregar não pacífica o
assunto. O STF decidiu que sua decisão, que automaticamente suprime os direitos
políticos dos condenados, implica também na perda do mandato eletivo (no caso,
de deputado federal). É, em verdade, o óbvio. Como pode alguém ser detentor de
mandato eletivo na estrutura do Estado sem ter direitos políticos, mesmo que
fique preso?
Vejamos
o estranho caso do deputado Natan Donadon, que condenado por corrupção pelo STF
– por causa da malcriação da Mesa da Câmara de não declarar simplesmente, como
devia, a perda do mandato – foi submetido a processo na comissão de ética e ao
voto secreto no plenário da Câmara sobre a perda ou não de seu mandato e
conseguiu preservá-lo. O voto sobre cassação ainda era secreto. A “absolvição”
do plenário, movido pelo corporativismo, ligações de amizade e irritações com o
STF, fez explodir uma crise. O presidente da Câmara, o peemedebista Henrique
Eduardo Alves, percebeu afinal o tamanho do desgaste para a Câmara ante o
eleitorado e a sociedade e isso acabou resultando em mudança legislativa que
tornou o voto aberto nas votações sobre cassação de mandato (e vetos
presidenciais a legislação aprovada pelos congressistas, detalhe importante e
que foi muito ruim para a liberdade de atuação do Congresso). O presidente da
Câmara convocou o suplente de Donadon e, para completar, providenciou novo
processo de cassação contra ele, a ser decidido pelo voto, agora aberto, do
plenário. Aí, acabou.
Apesar
do tiro pela culatra no caso Donadon, a Câmara (e, supõe-se, também o Senado)
não voltou atrás na questão de que o condenado, mesmo sem direitos políticos,
só perde o mandato se este for cassado pelo plenário. Mas com o voto aberto,
ficou difícil imaginar que o plenário da Câmara, ainda mais na proximidade de
eleições, iria preservar mandatos de deputados condenados no Mensalão, o maior
escândalo de corrupção da história do Brasil.
Esta
foi a razão de três dos condenados que responderiam a processo de cassação –
José Genoíno (ex-presidente do PT), Valdemar Costa Neto (ex-presidente e
manda-chuva do PR) e Pedro Henry – haverem renunciado para não terem o
currículo “manchado” por uma cassação de mandato. Mas no caso de João Paulo
Cunha pode ser diferente. Ou não. O ex-presidente da Câmara fez um incisivo
discurso em que assegurou que não vai renunciar ao mandato para evitar um
processo de cassação.
Ou
João Paulo Cunha quer ser vitimado pelo plenário da Casa legislativa que
presidiu ou tem excepcional confiança na força do corporativismo. E numa
improvável ou pelo menos duvidosa mobilização do seu partido, o PT, para manter
– em nome, talvez, da estapafúrdia tese lulista de que o Mensalão foi uma farsa
– o mandato parlamentar, ainda que o regime prisional, mesmo semiaberto, não
lhe permita exercê-lo e ainda que o presidente da Câmara, como fez no caso
Donadon, convoque o suplente. Nesse pé estão as coisas, mas o Congresso está em
recesso e há quem imagine que quando voltar a funcionar, no início de
fevereiro, ocasião em que seria aberto o processo de cassação do mandato de
João Paulo Cunha, este mude de atitude e resolva renunciar para evitar a
cassação tão provável.
- - - - - - - - - -
- - - - - - - -
Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.