Quinta, 15 de junho de 2017
Do Blog Bahia em Pauta
Deu no EL PAÍS
Afonso Benites
Brasília
Brasília
O discurso da cúpula tucana é o de manutenção irrestrita do apoio ao
governo Michel Temer (PMDB). Mas a linha de frente da legenda na Câmara
dos Deputados demonstra que nem tudo o que foi definido pelos tucanos de
alta plumagem será replicado no Legislativo. Até porque a decisão de
seguir na canoa governista não chegou a ser votada entre os membros do
diretório. Representantes da ala que desde que a delação da JBS veio à
tona defende o rompimento com a gestão peemedebista dizem que não
votarão a favor da principal reforma sugerida pelo presidente: a da
Previdência. Levantamentos internos mostram, por exemplo, que apenas 9
dos 46 deputados do PSDB apoiam incondicionalmente Temer. Os demais
estão entre indecisos (11) e a favor do desembarque (26).
“Do jeito que está, a reforma da Previdência não passa. Tem muitos
pontos que não foram equacionados, como a aposentadoria rural”, afirmou o
deputado João Gualberto (PSDB-BA). Autor de um dos 23 pedidos de
impeachment protocolados contra Temer no Congresso Nacional, Gualberto
afirma que os legisladores querem “ficar à vontade” para votarem as
reformas necessárias, e isso implicaria em poder alterar as propostas
feitas pelo Executivo. “A reforma está engessada e nada do que sugerimos
o Governo aceita mudar. Como representante do Nordeste, não posso votar
a favor desse projeto”.
A insatisfação contra as mudanças nas aposentadorias começou ainda
durante a discussão do projeto na comissão especial e se intensificaram
nas últimas semanas. Antes da votação do projeto da comissão, quando foi
aprovado, o PSDB trocou peças para garantir o apoio ao Governo. Um dos
que foi substituído foi Eduardo Barbosa (PSDB-MG). “O líder do partido
[Ricardo Tripoli] me explicou que precisava da vaga e me substituiu. Eu
entendi e aceitei. Mas eles sabiam que eu votaria contrário ao projeto
da maneira como está”, ponderou.
Segundo Barbosa, os detalhes sobre aposentadoria por invalidez, a
possibilidade de a pessoa acumular apenas dois salários mínimos entre
aposentadoria e pensão, as benesses de algumas aposentadorias especiais e
as alterações nos benefícios de prestações continuadas o desestimularam
a apoiar a reforma. “Nem eu nem qualquer deputado com o mínimo
conhecimento de Previdência consegue votar a favor da proposta”,
explicou.
Outro representante do grupo que foi apelidado pela cúpula tucana de
cabeças pretas diz que a reforma da Previdência não tem nem condições de
entrar na pauta. “O projeto atual tem de ser retirado e apresentado de
novo. Todos sabemos e queremos a reforma, mas da maneira que está não
tem condições”, afirmou Daniel Coelho (PSDB-PE).
Na visão de Coelho, a crise do Governo Temer e o afastamento de Aécio
Neves (PSDB-MG) das funções de senador por causa das investigações
envolvendo a JBS forçarão o PSDB a fazer uma autocrítica e passar por
uma reforma interna. “Quando o PSDB foi fundado o seu lema era ‘longe
das benesses oficiais, mas perto do pulsar das ruas’. Precisamos voltar a
agir dessa maneira”, afirmou o deputado pernambucano.
As divisões existem no partido há anos. “O PSDB nunca foi um partido.
Sempre foi mais uma reunião de caciques que têm suas próprias
posições”, já disse o professor de filosofia da USP e uma das principais
referências teóricas dos tucanos, José Arthur Giannotti. Mas, se antes a
luta se dava entre integrantes da própria cúpula por interesses
diversos, mas principalmente eleitorais, agora a divisão ganha outras
clivagens. Internamente é muito claro o movimento dos tucanos com
influência na diretoria e próximos de figuras como o senador José Serra,
o senador afastado Aécio ou o governador paulista Geraldo Alckmin
tentando minimizar as queixas desse grupo de deputados. A alcunha de
cabeças pretas, por exemplo, é a tentativa de mostrar que há um embate
geracional entre eles, que nem sempre procede. Seriam os cabeças brancas
experientes contra um grupo de jovens pouco experimentados. Eduardo
Barbosa, por exemplo, tem seis mandatos parlamentares.
Outra estratégia para minimizar os efeitos da atuação de quem está na
linha de frente é o de ventilar a informação de que os que hoje se
apresentam contra a decisão partidária estão visando as urnas e, em
breve, mudarão de legenda (seja como for, os congressistas rebeldes
poderiam dizer também que os caciques também decidem ficar por
conveniência eleitoral, mas nacional, pensando no apoio na campanha
presidencial de 2018). O discurso de que os insatisfeitos buscariam uma
saída se intensificou nesta semana, depois que o jurista Miguel Reale
Júnior, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso e um dos
autores do pedido que resultou no impeachment de Dilma Rousseff (PT) da
presidência, anunciou que apresentará seu pedido de desfiliação do
partido. “Eles [lideranças do PSDB] não avaliaram que simpatizantes e
filiados do partido se opõem a essa decisão [de ficar no governo]. O
PSDB não atendeu as suas bases. O eleitorado do PSDB tem a ética e a
luta contra a corrupção como focos”, disse o jurista, segundo o jornal
Folha de S. Paulo.
Num primeiro momento, contudo, o movimento de Reale
Júnior não deve ser seguido por parlamentares federais. “A
responsabilidade do Reale como jurista, como militante, como cidadão é
uma. A nossa, enquanto parlamentar é outra. Fomos votados e não podemos
trair nossos eleitores assim. A mudança tem de vir de dentro e depende
de nós mesmos”, analisou Daniel Coelho.