Por Aldemario Araujo Castro*
Brasília, 16 de junho de
2017
A decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de
"liberar" a chapa Dilma-Temer causou (ainda causa e causará)
um enorme espanto nos meios jurídicos, políticos e na
sociedade brasileira em geral.
Afinal, por cerca de 14
horas o corajoso e eficiente relator, Ministro Herman
Benjamin, demonstrou, com riqueza de detalhes e por vários
meios distintos (testemunhos, perícias, documentos, etc), um
festival impressionante de ilícitos protagonizados pela
chapa vencedora do pleito presidencial de 2014. Em resumo,
foram constatados:“ 'propina-gordura'
ou 'propina-poupança' na Petrobras; pagamento feito pela
empresa Keppel Fels à Mônica Moura em 2014; contrato da
Sete Brasil com a construção de navios-sonda e a
distribuição de propinas ao PT; 'propina ou caixa dois
gordura' ou 'propina ou caixa dois poupança' à conta
corrente permanente da Odebrecht; compra de apoio
político para a chapa da Coligação Com a Força do Povo,
no caso, o episódio da compra de tempo de propaganda no
rádio e na televisão; setor de Operações Estruturadas da
Odebrecht e o pagamento de caixa dois a 'Feira' em
benefício de Mônica Moura em prol da campanha da
coligação em 2014”.
A apertada maioria do
tribunal (quatro votos contra três) buscou o "conforto" do
formalismo mais equivocado e censurável para desconsiderar
os elementos emergentes da chamada "fase Odebrecht".
Registre-se, pela importância para o caso, que o mesmo TSE
adiou o julgamento a ser realizado em momento anterior
justamente para que fossem ouvidos os marqueteiros
financiados pela construtora e o principal executivo da
empresa.
Uma das provocações desse
julgamento, justamente porque aponta no sentido de uma
espécie de vale tudo (afinal, Dilma-Temer não pouparam
afrontas à Constituição e à legislação eleitoral), é a
verificação de como o mesmo TSE encarou recentemente casos
de abusos do poder econômico ou político. Seguem, nessa
linha, decisões do tribunal nos últimos meses em torno dessa
sensível temática (conforme observadas no site da
instituição):
“Em julgamento por maioria,
manteve-se cassado diploma de Aparecida Maria da Silva
Soares (vereadora de Ouroeste/SP eleita em 2012), com base
em captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico,
por ter oferecido dinheiro a cerca de 50 pessoas, no dia do
pleito, em reunião em sua residência, visando obter os votos
destas e de seus amigos e familiares”. RESPE - Embargos de
Declaração em Recurso Especial Eleitoral nº 54542 - OUROESTE
– SP. Acórdão de 02/02/2017.
“Abuso do poder político e
econômico. Doação de material esportivo mais de 1.000 pares
de tênis distribuídos em junho e julho de 2008 com ampla
divulgação, atingindo praticamente todos os alunos da rede
pública municipal”. RESPE - Recurso Especial Eleitoral nº
1627021 - MONTE SANTO DE MINAS – MG. Acórdão de 30/11/2016.
“Apontou-se que em 4.10.2012
a menos de três dias do pleito e após comício Chirlene de
Souza patrocinara evento festivo, com entrada franca e
distribuição gratuita de bebida, para público estimado de
700 a 800 pessoas, o que equivale a quase 16% do colégio
eleitoral do Município”. RESPE - Recurso Especial Eleitoral
nº 8547 - JERUMENHA – PI. Acórdão de 08/11/2016.
“O acórdão assentou que a
utilização de recursos públicos para custear a campanha de
candidato à reeleição constitui grave ofensa à legislação
eleitoral, pois, independentemente da sua caracterização
como ilícito em outras áreas do direito, gera a indevida
quebra do princípio da igualdade de chances entre os
candidatos, atingindo a normalidade e a legitimidade das
eleições”. RESPE - Embargos de Declaração em Recurso
Especial Eleitoral nº 38312 - ITATIAIA – RJ. Acórdão de
04/10/2016.
“A Corte a quo assentou que
eles, visando alavancar suas candidaturas, doaram lotes sem
que houvesse lei prévia e específica e fizeram uso
eleitoreiro do Programa Minha Casa, Minha Vida em entrevista
a rádio local, no mês de setembro, exaltando-se Manoel
Emídio (candidato à reeleição) como viabilizador das
benesses e anunciando-se famílias contempladas com
moradias”. RESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 13348 -
MARCOS PARENTE – PI. Acórdão de 13/09/2016.
“Reconheceu-se corrupção e
abuso de poder político com viés econômico ante o
encadeamento de fatos a seguir: a) envio à Câmara Municipal,
em 3.9.2012, pelo Prefeito e apoiador da candidatura, de
projeto de lei de desconto e anistia de multas e juros para
contribuintes que quitassem o IPTU até o fim do exercício;
b) evento aberto para divulgar o projeto, afirmando o
alcaide que o benefício seria implementado apenas se os
embargantes vencessem; c) aprovação em tempo recorde, porém
com veto posterior logo após o pleito, em 9.10.2012”. RESPE
- Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso
Especial Eleitoral nº 73646 - NOVA VIÇOSA – BA. Acórdão de
13/09/2016
“Na hipótese dos autos, a
Corte Regional Eleitoral reconheceu a prática de captação
ilícita de sufrágio mediante prova do conhecimento dos
candidatos eleitos, dadas as seguintes circunstâncias: a)
tratar-se de cidade pequena; b) os fatos alusivos à
distribuição de vale-combustível e à ulterior promessa de
entrega de dinheiro terem sido averiguados em diversos dias
nas vésperas da eleição; c) ter havido expressiva quantidade
de abastecimentos sucedidos envolvendo número considerável
de motociclistas; d) terem sido apreendidas mais de uma
centena de notas fiscais de abastecimentos efetuados; e) ter
havido vínculo entre o autor das condutas, manifesto
apoiador de campanha, e os candidatos investigados”. RESPE -
Recurso Especial Eleitoral nº 76440 - PEDRA AZUL – MG.
Acórdão de 01/09/2016.
“A ausência de trânsito dos
recursos arrecadados em conta bancária específica, a falta
de documentos hábeis para a comprovação da transação
imobiliária e, particularmente, os gastos abusivos com a
contratação e alimentação de cabos eleitorais constituem
condutas graves, pois exorbita do comportamento esperado
daquele que disputa um mandato eletivo e que deveria fazê-lo
de forma equilibrada em relação aos demais concorrentes”.
RESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 121 - SANTA ISABEL DO
RIO NEGRO – AM. Acórdão de 16/08/2016.
“Os ilícitos imputados
(captação ilícita de sufrágio e abuso do poder econômico)
aperfeiçoaram-se pela entrega de R$ 2.000,00 (dois mil
reais), por parte de Laudir Kammer, para custear a formatura
de uma turma de 3º ano da Escola Básica São João Batista em
troca da cópia de aproximadamente 30 (trinta) títulos
eleitorais dos alunos da turma beneficiada”. RESPE - Recurso
Especial Eleitoral nº 63184 - SÃO JOÃO BATISTA – SC. Acórdão
de 02/08/2016.
“O agravante, Vereador de
Araçatuba/SP eleito em 2012, teve seu diploma cassado e foi
considerado inelegível por arrecadação ilícita de recursos
(art. 30-A da Lei 9.504/97) e abuso de poder econômico (art.
22 da LC 64/90) decorrente de "caixa dois", porquanto não
declarou a origem de valores que, ademais, não transitaram
pela conta de campanha, no importe de R$ 7.603,20, o que
corresponde a quase 12% de receitas (R$ 64.250,15)”. RESPE -
Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 76064 -
ARAÇATUBA – SP. Acórdão de 01/08/2016.
Quando comparados os casos
mencionados com as peripécias de Dilma-Temer, amplamente
demonstradas no julgamento dos dias 6 a 9 de junho do
corrente ano, parece mais evidente ainda o monumental
equívoco consagrado pela Corte Eleitoral.
O caminho jurídico
trilhado pela maioria do TSE está claramente ultrapassado. O
formalismo processual exagerado, manifestado no julgamento
na forma de uma suposta “extrapolação do pedido original” ou
afronta ao “princípio da estabilização da demanda”, não
realiza os desígnios constitucionais e não se coaduna com os
cânones presentes nas legislações processuais e eleitorais
mais modernas. Deve ser pontuado que o relator, Ministro
Herman Benjamin, insistiu, em várias ocasiões, que a
consideração de dados e depoimentos de executivos da
Odebrecht na instrução do processo não superou os limites do
pedido inicial.
Vejamos o que afirma o
art. 493 do novo Código de Processo Civil: “Se, depois da propositura
da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou
extintivo do direito influir no julgamento do mérito,
caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a
requerimento da parte, no momento de proferir a decisão”.
E o art. 23 da Lei de
Inelegibilidades: “O Tribunal
formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos
públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova
produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda
que não indicados ou alegados pelas partes, mas que
preservem o interesse público de lisura eleitoral”.
Os dispositivos citados
são patentes demonstrações da evolução do processo como
instrumento de realização dos direitos materiais de fundo,
notadamente quando esses últimos são manifestações
fundamentais da regularidade e legitimidade do funcionamento
do Estado Democrático de Direito.
Ademais, não custa
destacar, o viés político equivocado ficou patente na fala
dos julgadores que conduziram a "absolvição". Sustentaram a
necessidade de uma “pacificação política” a partir da
chancela judicial de um amplo conjunto de barbaridades
eleitorais.
A rigor, Suas Excelências
não “pacificaram” nada. Ao contrário, jogaram gasolina no
conflagrado quadro político nacional. Transmitiram a clara
mensagem de que no “andar de cima” impera e vinga o vale tudo.
E a lei? Ora, a lei ... Essa fica para ser exemplarmente
aplicada, como destacado acima, em Ouroeste, Monte Santos de
Minas, Jerumenha, Itatiaia, Marcos Parente, Nova Viçosa,
Pedra Azul, Santa Isabel do Rio Negro, São João Batista,
etc, etc, etc. Afinal, segundo o TSE, os abusos de poder
(econômico ou político) nas eleições brasileiras habitam
“tão somente” essas longínquas plagas.
*Aldemario Araujo Castro e Advogado, Mestre em Direito, Procurador da Fazenda
Nacional e Professor da Universidade
Católica de Brasília.
Brasília, 16 de junho de
2017